Reportagens

Primeiros efeitos da nova lei de cavernas

Primeiro pedido de supressão de cavidades com alto grau de relevância chega às mãos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), mas regras geram insegurança

Felipe Lobo ·
17 de novembro de 2010 · 14 anos atrás
Lago na caverna em São Desidério (Bahia). Cavidade poderá ser protegida como compensação à supressão de outras cavernas na mesma região. Foto: Alexandre Lobo.

Está em trâmite, no Instituto Chico Mendes (ICMBio), o primeiro pedido de supressão de cavernas de alta relevância com base nos critérios estabelecidos pela Instrução Normativa 02/09, publicada no Diário Oficial da União em 20 de agosto de 2009. O Instituto do Meio Ambiente (IMA), órgão ambiental do estado da Bahia, emitiu a licença prévia para a exploração de minério de ferro a ser efetuada pela Bahia Mineração. A proposta prevê o impacto direto em 10 cavidades naturais de alta importância, e outras 15 de média – o que, de acordo com a nova legislação, só pode acontecer a partir de compensação ambiental.

Uma obra com estas características começou a se tornar viável no dia 7 de novembro de 2008, quando o Decreto 6640, assinado pelo então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, abriu as portas do patrimônio espeleológico brasileiro para o avanço de empreendimentos. De acordo com o texto, as cavernas passariam a ser divididas em quatro categorias (Máxima, Alta, Média e Baixa Relevância), e apenas as de máxima permaneceriam integralmente protegidas.

No ano seguinte, a IN indicou os critérios para determinar os níveis de enfoques locais e regionais de uma gruta, o que, por sua vez, as encaixa em uma das categorias pertinentes. Foi a partir deste momento que a classificação se tornou impossível. No fim de 2009, a Bahia Mineração entrou com o pedido que agora está nas mãos do ICMBio. Isto acontece porque, embora o licenciamento ambiental seja predicado do Ibama e dos órgãos estaduais, o Decreto 6640 diz que uma Caverna de alta relevância só pode ser suprimida caso duas outras, de mesmo status, sejam conservadas na área do empreendimento. Mas, se elas não existirem em número suficiente, o Chico Mendes pode chegar a um acordo com a empresa pleiteante.

“As cavernas ficam no município de Caitité. O que temos recomendado aos órgãos legisladores é que a regra e prioridade absoluta deve ser preservar duas grutas na mesma localidade. Ou seja, se um empreendimento desejar impactar cinco cavidades de alta relevância, outras dez precisam de conservação em caráter permanente. Supondo que o ambiente tenha apenas seis grutas neste status, então apenas duas podem ser impactadas. Que isto seja rigorosamente avaliado. Mas é claro que existem alguns problemas, e precisamos analisá-los”, explica Jocy Cruz, chefe do Centro Nacional de Pequisa e Conservação de Cavernas (Cecav).

Como em Caitité não existem outras vinte cavernas de alta relevância a serem protegidas como compensação, o ICMBio entrou no circuito e analisou a proposta da Bahia Mineração. Após amplo estudo, a criação de uma unidade de conservação de proteção integral (provavelmente um Parque Nacional) foi proposta na região de São Desidério, também na Bahia. É lá onde fica a caverna Buraco do Inferno da Lagoa, listada pelo Cecav como uma das dez mais importantes do país e caracterizada como de máxima relevância– uma vez que, por exemplo, possui o maior lago subterrâneo nacional.

Ela, aliás, sofreu pressão em virtude das obras da BR-135, embargada justamente por isso. “O processo agora está na fase jurídica dentro do ICMBio para a confecção de um Termo de Compromisso, entre outros documentos. Depois, serão necessários estudos para garantir as áreas de recarga do sistema e a apresentação de planos para regularização fundiária, caracterização física e etc. Vale lembrar que está é apenas uma parte da contrapartida. Existem algumas cavernas de alta em Caitité que ganharão proteção eterna – e por isso passam ao status de máxima”, avalia Jocy. Os estudos e a criação da unidade não devem passar de um ano, assim como o pagamento para neutralizar a supressão das de média relevância. Esta é a fase da Licença de Instalação.

Outros pedidos em breve

Jocy Brandão Cruz. Foto: Arquivo Pessoal.

O chefe do Cecav é direto ao dizer que o Decreto 6640 os pegou de surpresa. Mas, uma vez publicado, era preciso elaborar uma Instrução Normativa com o máximo de rigor. Segundo ele, o esforço do Centro foi reunir a comunidade espeleológica e demais interessados, como os ministérios de Meio Ambiente e Minas e Energia. “No entanto, sempre soubemos que o conhecimento científico atual sobre o patrimônio não é suficiente para responder a uma série de perguntas. Precisamos de maiores estudos para aumentar a confiabilidade. Mas desde agosto do ano passado promovemos discussões amplas para que, no prazo de dois anos de revisão da IN, possamos aprimorá-la”, diz.

Para Jocy, a IN segue o princípio da precaução, o que minimiza os impactos do Decreto. Mylène Berbert-Born, espeleóloga com 25 anos de experiência, pensa justamente o contrário. “Ela foi lançada sem certificação prévia de sua viabilidade e eficácia, ou seja, não foi previamente testada para os diferentes cenários reais possíveis. Sua experimentação está ocorrendo na prática do licenciamento ambiental, em pleno exercício da decisão. Aí está um problema fundamental: se os critérios adotados não são seguros, tendo em vista o nível de complexidade envolvendo os sistemas cavernícolas, consequentemente a tomada de decisão é frágil, sujeita a erros. Tratando-se de erros que podem comprometer bens coletivos irrecuperáveis, a situação fere o princípio da precaução que rege a política ambiental”.

Para que uma caverna seja considerada de máxima relevância ela precisa ter, ao menos, um de onze atributos, dentre os quais isolamento geográfico ou espeleotemas únicos. Já para ser encaixada no status de alta, deve constar em uma de 22 características, tal presença de espécies importantes, alta riqueza de espécies ou composição singular da fauna. Uma vez que a Instrução Normativa já está em vigor, porém, é consenso entre o Cecav e a sociedade civil que ela precisa receber ajustes.

“Por enquanto a caverna não foi suprimida. Uma observação importante e que não pode ser ignorada é que, antes do decreto e da IN, muitas cavernas foram suprimidas sem compensação nenhuma, na surdina, pois se alguém soubesse da existência delas, o empreendimento seria paralisado. Portanto, não é o retrocesso ao modelo anterior que vai salvar cavernas, mas um aperfeiçoamento dos critérios da IN.“, explica Lêda Zogbi, espeleóloga do Meandros Espeleo Clube.

A Bahia Mineração foi a primeira a entrar com o pedido de supressão, mas não a única. A nova legislação determina que os estudos para indicar o grau de cada caverna devem ser feitos pelas empresas que solicitem a licença ambiental e precisam analisar as características das grutas nas estações seca e úmida, o que demora um ano. A tendência é que, a partir de agora, o ICMBio tenha bastante trabalho pela frente nos acordos com os pleiteantes (há uma série de solicitações em análise em São Paulo e Minas Gerais).

 

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  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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