Dia desses um aluno me perguntou como identificar empresas que têm real compromisso ambiental ou uma visão sincera da diversidade, como valor não apenas moral, mas empresarial.
Lembrei-me da história de uma empresa, na época da Rio-92, que tinha construído uma imagem de ecologicamente correta. Estava cotada para ganhar um prêmio por isso. Contratou uma repórter para fazer seu perfil para a premiação. A repórter não tinha tradição ambientalista, mas era uma excelente profissional, que sabia apurar uma matéria. Independente, interpretou sua missão como a de investigar se a empresa era, realmente, o que dizia ser.
Descobriu vários ângulos em que ela era, de fato, avançada, para a época, na gestão ambiental. Mas esbarrou, também, em evidências de que esse compromisso com a sustentabilidade era relativo. Valia mais no processo produtivo, de muita visibilidade e alto potencial de dano, do que nos processos de aquisição de matéria prima. Contratava agressões ambientais fora de casa, com certa desenvoltura. Sua relação com a comunidade de seu entorno era conflituosa. A imagem local, bastante negativa. Apesar de conhecida como na liderança da consciência ecológica, era mal vista pelos militantes ambientalistas da região em que estava instalada.
A repórter contou tudo isso na matéria e a empresa não gostou nada. Quis censurar. Resultado, romperam o contrato.
Alguns anos depois, essa empresa enfrentou uma crise de governança. Foi reestruturada e melhorou muito seu desempenho, inclusive ambiental. Trabalhou, intensamente, para se reconciliar com a comunidade local, passou a exigir comportamento ambientalmente adequado de seus fornecedores. Não virou uma empresa ecológica, mas, no seu ramo, tem um desempenho muito positivo.
Depois de lhe contar a história, conclui que não é muito provável que uma empresa que tenha má governança corporativa, possa ser, realmente, ambientalmente correta ou socialmente responsável. Se a governança é deficiente, o mais provável é que essas atitudes sejam mais de fachada, maquilagem, do que reais. Na melhor das hipóteses resultado circunstancial da ação de pessoas ou grupos isolados.
Ele quis, então, saber como identificar um bom padrão de governança. E, este, é um problema que não tem solução fácil. É como a análise de governança de países. Não basta que o sistema político de uma Nação tenha os elementos conhecidos de um bom desenho governativo. Eleições livres, competitivas, processo de deliberação legislativa independente, pela regra da maioria, liberdade de expressão e organização, garantia de processo legal. Ter isso no papel, ou mesmo na Constituição, não vale. E a qualidade da governança, acaba se medindo pelo desempenho, tanto no terreno da garantia das liberdades, quanto no campo da provisão efetiva de políticas públicas. Em síntese, a qualidade do sistema político se acaba medindo por seus resultados e por sua estabilidade.
A Governança das Empresas
Nas empresas é a mesma coisa: não basta o design parecer bom. É preciso que o resultado seja bom. Resultado econômico-financeiro, lucratividade, produtividade, competitividade, qualidade e inovatividade. E, também, resultado ambiental e social. No fundo, é possível inverter a questão: como saber se uma empresa tem boa governança, para que se cogite, por exemplo, de investir em seus papéis? Ora, se ela for verdadeiramente responsável, ambiental e socialmente; se adota medidas para garantir a sustentabilidade de seus processos; se inclui na sua pauta central de P&D o desenvolvimento de tecnologias para melhorar de forma continuada seu desempenho ambiental; se cultiva a diversidade como um bem em si; mantém boas relações com a comunidade no seu entorno; se incentiva a ação comunitária de seus empregados, tudo isso é, certamente, resultado de sólida governança corporativa.
A Standard and Poor’s, por exemplo, ao analisar as empresas para avaliar a qualidade da governança, já examina questões que vão além das finanças. Essa nova métrica examina três componentes da “nova visão” empresarial: capital natural – uso de energia e recursos renováveis – capital humano – treinamento e desenvolvimento; diversidade e igualdade de oportunidade; relações e segurança de trabalho – capital social – engajamento na comunidade e filantropia; custo/benefício para a comunidade local. Quem acha que isto é coisa de gente alternativa está enganado e quem acha que esse não é o futuro a economia de mercado, estará fora dela, em alguns anos. Se você não acredita que o capitalismo seja capaz de avançar na direção da sustentabilidade, pode estar muito enganado. A não ser que nós resolvamos chamar a economia de mercado sustentável por outro nome.
Teremos Tempo?
O maior problema é o tempo. Talvez o prazo de adaptação do capitalismo a esse novo padrão, não seja suficientemente rápido. Aí entram a regulação e uma nova estrutura de incentivos. Não falo da solução tosca e incorreta, do ponto de vista fiscal e distributivo, de incentivos e subsídios estatais. Duas formas de mudar a estrutura de incentivos, via mercado, já começam a se firmar. Uma é a criação de fundos de ações de empresas ambientalmente responsáveis. Outra, é a crescente preferência dos consumidores, por produtos ecologicamente corretos.
A demanda, por exemplo, em duas novas indústrias sustentáveis, cresce rapidamente, no mundo desenvolvido todo e em vários países do chamado mundo emergente: na área de energia eólica, o crescimento é de 20% ao ano. Na de alimentos orgânicos, de 40% ao ano. É um crescimento de base quase-zero, mas já começa a incomodar os concorrentes menos sustentáveis.
A tendência é mais importante que o volume corrente. Muitas dessas tendências têm surpreendido. Têm origem em empresas e setores, que se caracterizavam por altos danos ambientais. Exatamente por isso: são as que mais enfrentam pressão de reguladores e consumidores. Além do ataque dos ambientalistas.
Preconceito e Oportunismo
Há, com certeza muita enganação, ainda. O que suscita críticas à esquerda, baseadas na incompatibilidade entre a economia de mercado e a sustentabilidade. Uma dessas, chega a falar no seqüestro da noção de sustentabilidade pelos economistas de mercado – outros os chamariam de neoliberais – para atacar acidamente o uso do custo-benefício para manter o status quo ambiental. É claro que ambas as coisas existem: má-fé e uma deformação ideológica da responsabilidade ambiental. Dessa última, dei notícia em minha coluna anterior. Da primeira, a história da repórter indisciplinada é um exemplo eloqüente.
Existe, também, desinformação e distorção de visão. Leio muita gente sensível e inteligente, por exemplo, contrapor o combate à fome à conservação da fauna e da flora. Como se fosse possível, esperar acabar com a fome, para depois cuidar do ambiente. Não percebem que o ambiente deteriorado reduz dramaticamente a capacidade de sustentar um mundo, com população que ainda cresce aceleradamente, e que fome e degradação andarão cada vez mais juntas. Nesse tema, também, o fundamentalismo irredutível, que não quer nem ouvir falar no uso de biotecnologia par aumentar a produtividade na produção de alimentos, termina por comprometer a própria causa ambientalista. Já é possível usar técnicas de identificação de DNA, para selecionar os cultivares mas desejados, com esse objetivo, sem se chegar à modificação genética (transformação), aos transgênicos. O que se precisa é de bom senso, boa pesquisa e um compromisso claro, com a cautela. O fundamentalismo dos contra, nasceu, obviamente, do descuido e da argumentação pouco persuasiva, porque também fundamentalista, dos que são a favor.
Limites
Está claro, para muitos analistas isentos, que o capitalismo encontrará, em breve, seus limites físicos, se não adotar práticas sérias de sustentabilidade em larga escala. É tempo histórico, claro, mas James Lovelock, da teoria Gaia, diz, em entrevista à Revista de O Globo, de 24/08/04, que não demora 50 anos.
Há fortes resistências em ampliar a responsabilidade das empresas para além de suas fronteiras. Até mesmo o interesse dos acionistas, muitas vezes, só vence com uma mão das estruturas de regulação. Daí, não se poder abrir mão dela. Essa resistência é ainda mais forte e visível, por exemplo, com relação às responsabilidades com a comunidade, responsabilidade social da empresa e com a promoção da diversidade humana em seus quadros. No Brasil, então, sobre esta última, nem se fale.
Mas o padrão evolutivo é claro. Em breve, veremos a economia do custo-benefício se curvar à evidência: os custos da agressão ambiental, do monopólio racial e de gênero, do isolamento em relação à comunidade local superarão os benefícios. O capitalismo é o modo de produção que demonstrou, historicamente, maior capacidade de ajustamento às transformações de estrutura e processo no ambiente global. Por isso sobrevive. Pode ser que se adapte e evolua, também, diante do desafio da responsabilidade ampliada e, principalmente, dos limites ambientais.
Pode ser, também, que, algumas décadas à frente, ele esteja tão irreconhecível, que já não o denominarão capitalismo. Ideologias, à parte, a dinâmica ecossistêmica se impõe, atravessa uma fase negativa crítica e, talvez mais rapidamente do que se imagina, porá em teste o instinto de sobrevivência do modo de produção capitalista. Um sistema produtivo surgido no Século XIX, que sobreviveu aos cataclismos do Século XX, tornando-se hegemônico na sua última década, e entra no Século XXI como a única forma viável de vida econômica dinâmica, para enfrentar o que será seu mais abrangente desafio.
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