Para o pesquisador da Embrapa Evaristo Eduardo de Miranda, essa trajetória incerta do desmatamento reflete acima de tudo as aspirações por desenvolvimento da população da Amazônia. Ele acaba de publicar em parceria com dois pesquisadores do Centro de Pesquisa Integrada da União Europeia um artigo que analisa o retorno repentino das derrubadas.
“Ao favorecer a industrialização da Amazônia, o PAC talvez seja uma boa e inesperada surpresa para a floresta. No longo prazo, a floresta amazônica dependerá ainda mais do que ocorrerá nas cidades do que no campo.”
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Entre outros dados, o artigo menciona o ritmo de desenvolvimento em torno das usinas hidrelétricas do rio Madeira, que não apenas colocou Porto Velho como uma das cidades campeãs de desmatamento, como também levou a um aumento na taxa de homicidios na região. O problema, garantem, é não haver alternativas econômicas para o grande número de pessoas que chegou a região com o início das obras.
Doutor em Ecologia e figura influente na Embrapa, Miranda, nos últimos anos, tornou-se conhecido por liderar estudos de disponibilidade de terras para a produção de alimentos, contrapondo seus dados às políticas de conservação no país. Os resultados, que mostraram a necessidade da expansão da fronteira agrícola, foram apropriados pela bancada ruralista no debate do atual Código Florestal e serviram para embasar pedidos de mudança na legislação. Para ambientalistas, Miranda tornou-se um alvo de críticas rancorosas.
Mas há quem possa se surpreender ao ler no texto a opinião dos pesquisadores de que provavelmente o aumento no desmatamento no início do ano foi causado por uma expectativa com relação à reforma do Código Florestal. O próprio Evaristo de Miranda, no entanto, é o primeiro a dizer, nesta entrevista a ((o)) eco, que esse não é a linha mestra do artigo. “ Nada em nossos estudos permitiria tal suposição ou simplismo. Falar de causas é tocar num tema que ainda conhecemos pouco”, rebate.
Há vários anos participo como pesquisador associado das atividades do Joint Research Centre da Europa, atuando em particular com o Institute for Environment and Sustainability. Entre outras atividades fui o segundo autor do Mapa da Vegetação da América do Sul e participei da equipe internacional da Cartografia por Satélite da Vegetação Mundial, Global Land Cover. Este artigo na AMBIO foi decorrência dessas pesquisas conjuntas e de minha experiência de 30 anos na região amazônica.
É correto concluir que o artigo aponta as discussões do Código Florestal no Congresso como uma das principais causas do aumento recente do desmatamento?
Não. Nada em nossos estudos permitiria tal suposição ou simplismo. Sequer a tendência efetiva de aumento no desmatamento foi confirmada. Falar de causas é tocar num tema que ainda conhecemos pouco. Sabemos um pouco das razões do desmatamento, das circunstâncias que o favorecem etc. Mas ainda é pouco. Infelizmente é uma prática comum – e não só no Brasil – atribuir a redução do desmatamento na Amazônia a determinados atores e o seu aumento a outros, automaticamente. Isso é uma arma política e até ideológica. E não ajuda na compreensão dos processos regionais. Se soubéssemos o que realmente favorece ou limita o desmatamento, em cada estado, em cada região ecológica, as políticas públicas seriam outras, bem mais efetivas.
Em sua opinião, a alta recente no desmatamento revela que as medidas de combate ao desmatamento implementadas nos últimos anos não são efetivas no longo prazo?
No longo prazo, de certa forma, as medidas de combate ao desmatamento de fato não serão tão efetivas. Os agricultores têm o direito de desmatar até 20% de novas áreas na Amazônia. Isso não é ilegal. Muitas obras de infraestrutura provocam desmatamentos no curto prazo, previstos em seus estudos de impacto ambiental. No longo prazo, não basta reprimir. Além de intensificar a agricultura, é necessário ampliar ainda mais as oportunidades de emprego e renda nas cidades amazônicas, o que vem ocorrendo. Isso retira o atrativo da área rural em diversos locais da Amazônia. Manaus é um exemplo disso. Ao favorecer a industrialização da Amazônia, o PAC talvez seja uma boa e inesperada surpresa para a floresta.
No longo prazo, a floresta amazônica dependerá ainda mais do que ocorrerá nas cidades do que no campo.
O artigo menciona o aumento de criminalidade e atividades ilegais no entorno de projetos de infra-estrutura na Amazônia. Em sua opinião, como evitar que estes problemas se repitam nos planos de desenvolvimento econômico para a região?
Esse assunto é complexo. A criminalidade, associada ao consumo de drogas, à impunidade e ao desrespeito à vida e aos bens alheios, é uma questão nacional. Após operações midiáticas e policiais de combate ao desmatamento, com o desmonte de serrarias e de atividades ligadas à madeira, pode-se gerar um terreno fértil para atividades ainda mais ilegais. Porque a estas ações midiáticas não se seguem as necessárias medidas de incentivo às atividades legais. Nada tem sido colocado como alternativa econômica para a população atingida. Em Tailândia, a 250 km de Belém no Pará, foram fornecidas cestas básicas por um tempo para parte dos desempregados. E depois… prostituição, roubos, banditismo e uma marginalização ainda mais absoluta dos pobres. “Quem nos salva de nossos salvadores?”, disse alguém naquela situação. A região demanda estratégias de desenvolvimento sustentável viáveis e não apenas cenários de tragédia grega onde os inocentes pagam.
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