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Entidades repudiam tentativa do governo de controlar atuação de ONGs na Amazônia

Em carta aberta, assinada por mais de 70 organizações, entidades consideram “repugnante” e uma “afronta à democracia do país” plano do governo para o setor

Cristiane Prizibisczki ·
10 de novembro de 2020 · 4 anos atrás
Vice-Presidente da República, Hamilton Mourão, em São Gabriel da Cachoeira. Foto: Bruno Batista/VPR.

Nesta segunda-feira (09), organizações não-governamentais brasileiras manifestaram indignação e repúdio em relação à informação de que o governo de Jair Bolsonaro, por meio do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), pretende controlar a atividade de ONGs na Amazônia, restringindo a atuação somente àquelas que supostamente atendam aos “interesses nacionais”.

A informação consta em documentos encaminhados a ministros na última semana pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o CNAL, e veio a público na manhã de ontem, em matéria do jornal O Estado de S.Paulo.

Segundo os documentos, aos quais ((o))eco teve acesso, o governo Bolsonaro planeja criar um “marco regulatório” para atuação de ONGs na Amazônia, com o objetivo de “garantir a prevalência dos interesses nacionais sobre os individuais e políticos” e cuja  meta é “obter o controle de 100% das ONGs, que atuam na Região Amazônica, até 2022, a fim de autorizar somente aquelas que atendam os interesses nacionais”. Questionado posteriormente pela imprensa, Mourão desconversou, dizendo que não assinou o documento e que iria se informar melhor sobre ele.

Reprodução do despacho assinado pelo presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, Hamilton Mourão.

Em carta aberta, um grupo de mais de 70 ONGs brasileiras e internacionais que têm atuação no Brasil chamou de “repugnante” a intenção do governo e afirmou que tais propostas “afrontam a democracia no país.” Elas lembram que a liberdade de atuação de organização da sociedade civil está garantida na Constituição e que já existe no ordenamento jurídico brasileiro regulamentação para entidades do terceiro setor – o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), composto pela Lei 13.019/2014 e Decreto nº 8.726/16.

“A atuação de organizações da sociedade civil é a expressão viva do pluralismo de ideias e sua liberdade está garantida na Constituição. Querer controlá-las é, em última instância, tentar silenciar liberdades constitucionais […] O Conselho Nacional da Amazônia Legal, colegiado inepto, sem participação social e de resultado quase nulo na defesa da floresta, deveria apresentar ao país algum plano para a diminuição do desmatamento, do crime ambiental, da grilagem e das queimadas. Ao invés disso, o que vemos é a confecção de um plano para silenciar os críticos ao governo e para sufocar a democracia”, diz trechos da carta.

As entidades signatárias – entre elas Instituto Centro de Vida (ICV), WWF, SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental (ISA) e Greenpeace – ressaltam que esta não é a primeira tentativa do governo Bolsonaro de controlar organizações não-governamentais, que, desde o início do novo governo, vêm sofrendo ataques e perseguições. Elas lembram que, em declaração recente, Bolsonaro chegou a reclamar por não conseguir “matar esse câncer chamado ONG”.

Além da carta aberta, a tarde e noite de segunda-feira foram marcadas por outras manifestações de repúdio individuais ou de organizações e coletivos de organizações do terceiro setor.

Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima – rede formada por 56 organizações não-governamentais e movimentos sociais – ressaltou a gravidade da informação. “O governo brasileiro não tem plano, meta ou prazo para acabar com o desmatamento e outros crimes ambientais, nem para implementar a meta brasileira no Acordo de Paris. Mas tem plano, meta e prazo para controlar a sociedade civil. A situação é gravíssima e mostra que dentro do governo existem grupos que conspiram abertamente contra a Constituição brasileira e a democracia.” O Observatório do Clima é também signatário da Carta Aberta.

Ricardo Abramovay, professor Sênior do Programa de Ciência Ambiental do IEE/ USP e autor de “Amazônia: por uma economia do Conhecimento da Natureza” cobrou posicionamento de grandes empresas, como Itaú, Marfrig e JBS, já que seus conselhos são compostos também por ONGs. “Estamos esperando de vocês o repúdio à tentativa autoritária do General Mourão de controlar 100% das NOS na Amazônia”.

A iniciativa Pacto pela Democracia, da qual mais de 150 organizações participam, replicou a Carta Aberta e afirmou que “garantir a liberdade das ONGs é defender o interesse nacional”.

 

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  • Cristiane Prizibisczki

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Comentários 1

  1. Paulo diz:

    Presidente Mourão estamos em 2020 ,não na década dos tempos de 1970.

    Mais um tiro no pé.