Nesta segunda-feira (09), organizações não-governamentais brasileiras manifestaram indignação e repúdio em relação à informação de que o governo de Jair Bolsonaro, por meio do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), pretende controlar a atividade de ONGs na Amazônia, restringindo a atuação somente àquelas que supostamente atendam aos “interesses nacionais”.
A informação consta em documentos encaminhados a ministros na última semana pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o CNAL, e veio a público na manhã de ontem, em matéria do jornal O Estado de S.Paulo.
Segundo os documentos, aos quais ((o))eco teve acesso, o governo Bolsonaro planeja criar um “marco regulatório” para atuação de ONGs na Amazônia, com o objetivo de “garantir a prevalência dos interesses nacionais sobre os individuais e políticos” e cuja meta é “obter o controle de 100% das ONGs, que atuam na Região Amazônica, até 2022, a fim de autorizar somente aquelas que atendam os interesses nacionais”. Questionado posteriormente pela imprensa, Mourão desconversou, dizendo que não assinou o documento e que iria se informar melhor sobre ele.
Em carta aberta, um grupo de mais de 70 ONGs brasileiras e internacionais que têm atuação no Brasil chamou de “repugnante” a intenção do governo e afirmou que tais propostas “afrontam a democracia no país.” Elas lembram que a liberdade de atuação de organização da sociedade civil está garantida na Constituição e que já existe no ordenamento jurídico brasileiro regulamentação para entidades do terceiro setor – o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), composto pela Lei 13.019/2014 e Decreto nº 8.726/16.
“A atuação de organizações da sociedade civil é a expressão viva do pluralismo de ideias e sua liberdade está garantida na Constituição. Querer controlá-las é, em última instância, tentar silenciar liberdades constitucionais […] O Conselho Nacional da Amazônia Legal, colegiado inepto, sem participação social e de resultado quase nulo na defesa da floresta, deveria apresentar ao país algum plano para a diminuição do desmatamento, do crime ambiental, da grilagem e das queimadas. Ao invés disso, o que vemos é a confecção de um plano para silenciar os críticos ao governo e para sufocar a democracia”, diz trechos da carta.
As entidades signatárias – entre elas Instituto Centro de Vida (ICV), WWF, SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental (ISA) e Greenpeace – ressaltam que esta não é a primeira tentativa do governo Bolsonaro de controlar organizações não-governamentais, que, desde o início do novo governo, vêm sofrendo ataques e perseguições. Elas lembram que, em declaração recente, Bolsonaro chegou a reclamar por não conseguir “matar esse câncer chamado ONG”.
Além da carta aberta, a tarde e noite de segunda-feira foram marcadas por outras manifestações de repúdio individuais ou de organizações e coletivos de organizações do terceiro setor.
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima – rede formada por 56 organizações não-governamentais e movimentos sociais – ressaltou a gravidade da informação. “O governo brasileiro não tem plano, meta ou prazo para acabar com o desmatamento e outros crimes ambientais, nem para implementar a meta brasileira no Acordo de Paris. Mas tem plano, meta e prazo para controlar a sociedade civil. A situação é gravíssima e mostra que dentro do governo existem grupos que conspiram abertamente contra a Constituição brasileira e a democracia.” O Observatório do Clima é também signatário da Carta Aberta.
Ricardo Abramovay, professor Sênior do Programa de Ciência Ambiental do IEE/ USP e autor de “Amazônia: por uma economia do Conhecimento da Natureza” cobrou posicionamento de grandes empresas, como Itaú, Marfrig e JBS, já que seus conselhos são compostos também por ONGs. “Estamos esperando de vocês o repúdio à tentativa autoritária do General Mourão de controlar 100% das NOS na Amazônia”.
A iniciativa Pacto pela Democracia, da qual mais de 150 organizações participam, replicou a Carta Aberta e afirmou que “garantir a liberdade das ONGs é defender o interesse nacional”.
Leia Também
Mourão quer ‘renovação doutrinária’ no Ibama, ICMBio, Incra e Funai
Em contradição aos dados, Mourão declara que “a floresta não está queimando”
Falha na fiscalização ambiental não é devido à falta de verbas, dizem especialistas
Leia também
Falha na fiscalização ambiental não é devido à falta de verbas, dizem especialistas
Confusão entre Salles e Mourão na última sexta-feira deixou explícita a baixa capacidade física e de pessoal que Ministério do Meio Ambiente tem para monitoramento e combate a ilícitos →
Em contradição aos dados, Mourão declara que “a floresta não está queimando”
Apresentação do vice-presidente acumulou informações falaciosas, reforçou que desmatamento e queimadas só ocorrem em áreas já ocupadas e atacou até o Leonardo DiCaprio →
Mourão quer ‘renovação doutrinária’ no Ibama, ICMBio, Incra e Funai
Documento do Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidida pelo vice presidente, propõe a “renovação da estrutura de pessoal, logística, orçamentária (e doutrinária, se for o caso)” →
Presidente Mourão estamos em 2020 ,não na década dos tempos de 1970.
Mais um tiro no pé.