Análises

Só para curiosos

O engenheiro florestal Carlos Firkowski conta como um pica-pau, bicando uma taquara, pode abrir nossos olhos para os ciclos de renovação de toda a natureza.

Carlos Firkowski ·
21 de dezembro de 2005 · 19 anos atrás

O sol e as mutucas não conseguiram me afastar do lugar. Queria me sentar, secar o suor da hora que havia passado cortando grama e fumar um cigarro. Buscando uma sombra e espantando as mutucas, que só me encontram naquele lugar, junto à floresta explorada do meu vizinho, escutei umas batidinhas que, na hora, identifiquei como as de um pica-pau.

Procurando o bichinho, discreto e marrom, achei-o subindo uma de taquara ainda jovem, de um ano ou um pouco menos. Quando chegou à base do gomo, parou e começou a bater – toc-toc, toc-toc, toc-toc. Contornou um pouco a taquara, e bateu de novo. Batia e escutava. E eu olhava, escutava e me perguntava qual era a do bichinho. Ele voou para o próximo gomo, bateu, escutou, bateu de novo e reagiu como se tivesse descoberto algo. Agarrado e forçando os músculos do pescoço, sua cabeça ia e voltava violentamente até furar a taquara bem junto à base do gomo.

Parecendo muito contente, enfiou o bico fino e longo no buraquinho e puxou uma larva esbranquiçada, de algum tipo de besouro, que foi engolida imediatamente. Limpando e ajeitando a língua, subiu então para o próximo gomo e reiniciou seu trabalho – bater, escutar, bater, escutar, furar e comer. Sentado no sol, mas agora já sem as mutucas, espantadas pela fumaça de um cigarro enrolado em papel de arroz, fiquei escutando por algum tempo a batucada em todas as 8 taquaras e mais de uns 60 gomos. Ele só examinava batucando numa certa altura, nem perto do chão, onde a taquara é mais dura, e nem na ponta, onde é mais fina.

Bom escutador que era, o bichinho conseguiu, por desafinos de certas taquaras, umas 12 larvas. Depois que voou, fui eu meter o meu nariz na sua dispensa. Com um canivete, abri e olhei todos os gomos furados e não furados de uma taquara. O bichinho deve ter um ouvido bem melhor que a minha vista, pois não consegui achar qualquer diferença entre aqueles que ele selecionou e aqueles que não lhe responderam com um convite para o lanche.

E agora, mais ou menos um ano depois, quando buscava uma sombra, como de costume, me deparo com a mesma moita de taquara, a lancheira do pica-pauzinho. Meus olhos encontram coisas que, de imediato, não consigo identificar. Chego mais perto e qual a minha surpresa – o raro florescimento da taquara!

Tão logo identifico as sementinhas, também conhecidas por arroz-de-taquara pela aparência, minha memória se manifesta e lembro do último florescimento, que só pude sentir por resultados indiretos. Em 1976 ou 77, viajando para São Paulo à noite, como gosto, encontrei uma quantidade enorme de ratinhos nervosos correndo, tentando atravessar a pista de asfalto, além de muitas e muitas manchas. No começo da viagem, de Curitiba até quase a divisa do estado, os ratinhos aconteciam à razão de um por quilômetro, algo que nunca havia visto.

Semanas mais tarde, notei que as taquaras da região estavam secas, morrendo. Esse é um acontecimento comum na vida das plantas da família dos capins; crescem, florescem e morrem, mais depressa do que nós. O curioso é que, diferente do ciclo dos capins comuns que é anual, o da taquara na região é de uns 27 a 29 anos.

Assim, aproveitando a apresentação do pica-pauzinho, comunico a todos que daqui a uns 2 ou 3 meses as coisas vão mudar para nós. Alguém vai aproveitar esse “arroz” gratuito. Essa oportunidade de ganho extra irá despertar a atenção de outros que também vão querer se beneficiar. Por se tratar de uma refeição gratuita, a luta por ela será feroz.

Os primeiros a perceber estas sementinhas nutritivas serão aqueles que andam por onde elas estarão, no chão. Os ratinhos engordarão e, com tanta comida, terão mais tempo para outros prazeres, como o de transar. Com tanto sexo selvagem, muitos filhotes logo serão oferecidos à vida. O resultado será uma explosão da população de ratinhos e ratões e outra, de menor escala, de cobras, lagartos, corujas, gaviões e outros bichos dispostos a comer estas pequenas porções gordinhas.

Isso me fez pensar na pouca possibilidade de as pessoas verem coisas como o florescimento da taquara. Imediatamente quis mostrar para minha filhota. Discutindo com ela, falamos sobre a possível existência de ciclos mais longos que podem não ser percebidos ou ultrapassam um intervalo de tempo que seja entendido e incorporado pela nossa mente. Ela disse que torcia para ter a oportunidade de descobrir, entender e sentir outros ciclos longos, como o do arroz-de-taquara e de ratinhos gordos ou de outras criaturas fantásticas. E me considero feliz por ter, com 50 anos, participado do evento raro das flores e seus efeitos, flores de taquara bem entendido, se sabem do que falo. Ou alguém vai discordar da beleza das flores dos bambus? E o pica-pau? O pica-pau, ora, ele era um bom cantor e, portanto, de ouvido treinado.

  • Carlos Firkowski

    Carlos Firkowski é PhD em engenharia florestal pela Michigan State University, EUA, e professor adjunto da UFPR.

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