No ano passado, assistimos à 15ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 15) terminar sem que um acordo de redução na emissão de gases do efeito estufa fosse assinado. Neste exato momento, em Cancún (México), uma nova conferência do clima acontece. As expectativas em torno deste encontro não são grandes. Sabemos que só no final de 2012, quando estará encerrado o primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto, é que será provável termos um novo acordo climático.
Além do jogo político e da oposição que a China e os Estados Unidos, os dois maiores emissores de gases do planeta, exercem nas discussões, a demora na definição de um acordo sobre o clima acontece porque, como em qualquer convenção da ONU, as decisões são estabelecidas depois da aprovação por consenso de todos os países membros. Embora seja difícil de ser obtido quando estão em jogo realidades tão díspares, o consenso é possível. Prova disso é o resultado surpreendente da última Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 10/CDB), realizada em Nagoya, em outubro, em que se viu a adoção do Plano Estratégico para o período de 2011 a 2020, com vinte objetivos para combater a redução da biodiversidade do planeta, e a assinatura do Protocolo de Nagoya, que estabelece regras para o acesso e repartição dos benefícios e recursos genéticos da biodiversidade, e que pode ser considerado uma dos principais acordos ambientais do mundo desde a formulação do Protocolo de Kyoto em 1997.
Com suas conquistas, a COP 10/CDB revitalizou a expectativa de estabelecimento de acordo na Convenção do Clima. Sabemos que a tendência é que a aprovação seja postergada até o último momento possível, sobrando um tempo apertado para que os países façam internamente a regulamentação e operacionalização dos seus compromissos. Contudo, a espera terá valido a pena se o acordo, quando acontecer, realmente for efetivo no sentido de direcionar o mundo para uma sociedade de baixo carbono e encarar o tema desta conferência a partir dos efeitos sobre a biodiversidade do planeta.
Mudanças climáticas e diversidade biológica são temas intrinsecamente ligados, embora tratados em separado nas convenções da ONU. As mudanças climáticas são uma das cinco principais pressões que conduzem, diretamente, à perda de biodiversidade. Temperaturas mais quentes, eventos climáticos extremos e alterações dos padrões de chuva e de seca são exemplos dos impactos das mudanças climáticas e que colocam em risco milhares de espécies animais e vegetais. Por outro lado, a biodiversidade protegida constitui-se uma contribuição fundamental para conter as mudanças climáticas, possibilitando que os ecossistemas absorvam e armazenem mais carbono, reduzindo seus impactos negativos e tornando os ecossistemas – e, também, as sociedades humanas – mais resistentes aos seus impactos.
No entanto, a mitigação das mudanças climáticas por meio de ações de conservação da biodiversidade ainda não está presente nos acordos da Convenção do Clima. Uma das expectativas, nesse sentido, é que o acordo a ser firmado em 2012 contemple os dois temas em conjunto. As negociações em torno dos mecanismos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) já apontam para esta convergência de temas, uma vez que a proposta é de compensar financeiramente os países em desenvolvimento por reduções voluntárias e comprovadas de suas emissões nacionais por meio da conservação de suas florestas.
Dentre todas as necessidades que visualizamos em matéria de conservação da natureza, a convergência de discussões e decisões que envolvam a biodiversidade e as mudanças climáticas é a mais urgente. É essencial que os desafios relacionados aos dois temas sejam abordados em conjunto e que tenham as mesmas prioridades para que se possa evitar impactos mais severos em ambos os casos.
Essa necessidade é, inclusive, financeira. Quanto mais prolongarmos as decisões que incorporem os dois temas, maior será o esforço futuro para corrigir ações do passado a um custo ainda mais alto. A mitigação das emissões de gases de efeito estufa tem um custo menor do que os efeitos das mudanças climáticas no meio ambiente.
Em um cenário em que há pouco recurso disponível para a conservação da natureza, as possibilidades de investimento precisam ser direcionadas estrategicamente para que o benefício seja maior. Nesse sentido, manter as florestas em pé tem duplo benefício: conservar tanto o estoque de carbono armazenado quanto parcelas significativas da biodiversidade mundial.
Importa, enfim, que as discussões visualizadas nas conferências das convenções da ONU para o meio ambiente levem os governos a agir imediatamente para que possamos alcançar as mudanças esperadas (e necessárias) de que o mundo precisa. Essa responsabilidade também é compartilha pelo setor privado, a força motriz do crescimento do país, do qual se espera uma liderança responsável, participativa e inovadora. Os acordos, quando efetivamente colocados em prática por governos e empresas, definirão o rumo que o mundo passará a trilhar a fim de prevenir a devastação da natureza e a extinção de milhares de espécies. Por trás disso tudo, está a necessidade, sempre emergencial e importante, que não é outra senão a perpetuação da nossa vida no planeta.
Malu Nunes é engenheira florestal, mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.
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