Análises

Cérebros domesticados e reduzidos pela civilização

Facilidade arrisca emburrecer. A vida mais confortável em sociedade reduziu tanto os nossos cérebros quanto o de animais domésticos.

Fabio Olmos ·
29 de agosto de 2012 · 12 anos atrás
Cabras selvagens Capra pyrenaica lutam no Parque Nacional de Gredos, Espanha. Foto: Fabio Olmos
Cabras selvagens Capra pyrenaica lutam no Parque Nacional de Gredos, Espanha. Foto: Fabio Olmos

O processo de domesticação através do qual o estoque selvagem de determinada espécie é transformado através de seleção diferencial produziu porcos cor de rosa a partir de javalis peludos, poodles a partir de lobos, bananões sem sementes a partir de bananinhas cheias de caroços e espigas de milho com centenas de sementes a partir de um ancestral que parece um capim qualquer.


Clique para ampliar

O paralelo entre o processo seletivo feito por humanos e aquele que ocorre na Natureza não escapou despercebido de Darwin, que escreveu longamente sobre o assunto ao propor a teoria da evolução por seleção natural e foi ele mesmo um criador de pombos.

A seleção de animais que melhor se ajustassem às necessidades e ao convívio com pessoas produziu um efeito colateral interessante. O cérebro de cabras e porcos domésticos é cerca de 1/3 menor do que o de seus parentes selvagens com a mesma massa. Cavalos, cães e gatos domésticos também têm cérebros menores do que seus primos selvagens, e um autor já afirmou que o cérebro de um cão nunca ultrapassa o volume do cérebro de um lobo com quatro meses de idade, o que explica o desprezo com o qual um olha o outro.

O cérebro é um órgão que consome muita energia (20-25% do metabolismo humano). Em animais domésticos faz sentido direcionar essa energia para engordar, reproduzir e aumentar a produção. Não só isso, bichos psicologicamente mais simples se adaptam melhor ao convívio humano, e a capacidade de conviver com pessoas é a força seletiva mais importante na domesticação.

O interessante é que a domesticação também funciona com humanos. Um estudo sugere que, em comparação aos Homo sapiens da última idade do gelo, os humanos modernos perderam entre 10% (homens) e 14% (mulheres) da massa cerebral, em média. Ou seja, os Cro Magnon que corriam atrás de renas e mamutes tinham mais miolos do que nós.

A perda de massa cerebral está associada ao surgimento de grandes agrupamentos humanos com estrutura social complexa e divisão de trabalho. Chamamos isso de civilização. Como no caso dos animais, a capacidade de tolerar e conviver com outras pessoas foi uma força seletiva poderosa (antes não existia o conceito de direitos humanos e os inconvenientes não duravam muito) e mentes mais simples parecem ter sido selecionadas.

E essa tendência em direção à imbecilidade civilizada continua. Basta ligar a TV aberta nos domingos para perceber.

 
 
  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

Leia também

Notícias
20 de dezembro de 2024

COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas

Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial

Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia

Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.