Brasília (DF) – Poucas palavras têm sido tão usadas e abusadas como a tal da sustentabilidade. Sem um conceito e práticas definidos e concretos, ela se tornou um imenso guarda-chuva, cobrindo praticamente tudo que se pinte de verde, até movimentos e discursos francamente insustentáveis. Sendo assim, cabe a cada um traçar seu próprio caminho.
Com isso na cabeça, enfrentamos este ano o desafio de erguer uma casa na capital federal, no Cerrado. Descobrimos que investir de maneira diferente os recursos disponíveis pode reduzir custos e melhorar a convivência com o ambiente que nos cerca. Tecnologias nem tão novas e um pouco de criatividade engrossam a receita.
A vegetação nativa foi mantida em quase todo o lote, espalhado em uma região onde Brasília ganha contornos rurais e o preço da terra ainda não é tão abusivo. Inúmeras aves e até pequenos macacos perambulam por lá. Mudas de árvores nativas e de frutíferas têm sido plantadas em todo o espaço disponível. Mamão e melancia já estão produzindo.
Não houve aterro ou movimentação do solo, permitindo que a chuva siga escorrendo como sempre fez. Calhas despejarão água em uma cisterna “camuflada” sob a residência. Ela comporta mais de 20 mil litros, muito úteis entre abril e setembro, quando a estiagem atinge o Cerrado. Enquanto durar, essa reserva servirá também aos sanitários e torneiras econômicos.
O projeto arquitetônico estrutural poupou em alvenaria e as grandes janelas derramam luz no interior. Durante o “horário de verão”, os interruptores são acionados só depois das 19h30min. Maior economia de energia virá em breve, com um aquecedor solar de água para chuveiros com ajuste eletrônico de temperatura. Testes mostram que o valor da conta mensal de luz pode cair em até 30% com essa medida.
Pé direito bem alto, janelões e saídas de ar garantem boa ventilação e evitam o uso do ar-condicionado. Assim reduzimos ainda mais a pressão por novas hidrelétricas e termelétricas, sempre causadoras de impactos socioambientais.
Com a entrada em vigor da Política Nacional de Resíduos Sólidos, dar um fim adequado aos restos da construção civil se tornou ainda mais importante. Por isso, escoras de eucalipto cercaram parte do terreno e pranchas de madeira selecionadas da própria obra formaram alguns dos pisos da casa. Bastou fixá-las com parafusos, lixar e aplicar óleo de linhaça. Ele protege o piso e tem propriedades inseticidas.
Essas madeiras não são nobres, é claro, mas em espaços de circulação leve, funcionaram muito bem. Além disso, dão um aspecto rústico aos ambientes, algo cada vez mais valorizado. Painéis, racks, bancos e até casas de passarinho têm sido feitos com esse material. Eucalipto tratado serviu a quase todas as outras estruturas.
Na ponta do lápis, nenhuma dessas medidas teve peso significativo no orçamento do projeto. Foram escolhas fundadas no estilo de vida, no bate-papo com amigos e nos recursos disponíveis. Pena que nenhuma delas tenha qualquer tipo de apoio ou incentivo governamental. Poderia ser um alívio para algumas contas públicas.
Mas eis que algo surge no horizonte. Em Campinas (SP), consumidores poderão receber descontos nas contas mensais injetando na rede pública o excedente de energia gerada por painéis solares. No Congresso, há projetos de lei para conceder incentivos fiscais ao uso de fontes alternativas. Solar e eólica têm ocupado mais espaço nos últimos leilões governamentais para geração de energia.
Não importando o modelo adotado por cada um, o segredo pode estar em mudar um pouquinho a forma como vivemos e tomamos nossas decisões, pois elas sempre poderão afetar de maneira positiva ou negativa o conjunto da sociedade. Nenhuma casa é um objeto isolado, não importa quão altos sejam seus muros. E acredite, isso não se traduz em perda de qualidade de vida.
Em uma dessas novas manhãs, observamos o vento soprando nevoeiros entre as montanhas ao longe, fluindo entre o balançar sonolento do verde que ainda sobrevive no Cerrado. Assim, lembramos das batalhas que merecem ser vividas…
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