Um artigo publicado essa semana na revista Biological Conservation por um grupo de pesquisadores e ambientalistas norte-americanos faz um balanço das iniciativas de redução, desafetação (ou descriação) e recategorização (RDR) de áreas protegidas na África, Ásia, América Latina e Caribe entre 1900 e 2010. O estudo identificou 543 iniciativas desse tipo em 375 áreas protegidas distribuídas em 57 países, afetando uma área total de mais de 500 mil km2, equivalente ao tamanho da Espanha ou um pouco menor que o estado da Bahia.
Ajustes nos limites de áreas protegidas, especialmente daquelas estabelecidas antes da existência de bases de dados espacializados e da realização de consultas a sociedade, podem ser importantes para reparar injustiças históricas, resolver conflitos locais e garantir a conservação de áreas com alto valor de biodiversidade. No entanto, os dados do estudo sugerem que apenas uma pequena fração das iniciativas de RDR foram propostas com esse fim. As principais causas que motivaram essas iniciativas estão associadas à ocupação do espaço e ao uso dos recursos naturais originalmente protegidos, para o desenvolvimento de atividades de escala industrial, tais como mineração, óleo e gás, agricultura e a construção de infraestruturas.
O artigo serve como uma referência importante para registrar uma tendência global de retrocesso e flexibilização indiscriminada do status de conservação garantido a áreas consideradas únicas, com alto valor de biodiversidade, serviços ecossistêmicos e beleza cênica. No entanto, os dados apresentados, compilados até 2010, não representam um quadro acurado do que ocorre no Brasil.
Uma análise mais detalhada e recente realizada para o país indica que tramitam no Congresso Nacional inúmeras propostas para redução, mudança de status ou desafetação de unidades de conservação, somando mais de 100 mil quilômetros quadrados. Segundo matéria publicada pelo site ((o))eco, um levantamento realizado pelo Ministério do Meio Ambiente identificou mais de 400 projetos de lei que tentam redefinir os limites das unidades de conservação em todos os biomas brasileiros, num embate entre o desenvolvimento sustentável ou crescimento econômico a qualquer custo.
Nas últimas três décadas, o país perdeu mais de 45 mil quilômetros quadrados de área protegida em todas as regiões. E a tendência é de acirramento dessas pressões, com exemplos claros observados em 2013, tais como a pressão pela reabertura da Estrada do Colono no Parque Nacional do Iguaçu, o projeto de lei que permite atividades de mineração em 10% das unidades de conservação de proteção integral e a possível redução do Parque Nacional do Juruena para viabilizar a construção de hidrelétricas.
A criação de parques nacionais e outras unidades de conservação exige inúmeros estudos técnicos e consultas públicas. Já a possível redução ou desafetação dessas áreas por motivos diversos, sem base técnica e debate amplo com a sociedade, ameaça gravemente a biodiversidade, comunidades locais, interesses sociais mais amplos, a segurança jurídica e a integridade do próprio Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
No caso do Parque Nacional do Juruena, situado ao norte do Mato Grosso e sudeste do Amazonas, a suposta necessidade do avanço da “fronteira hidrelétrica” na Amazônia é o único motivo alegado para a redução da área do Parque, o que causaria a inundação de mais de 40 mil hectares de áreas protegidas e o alagamento de 23 das 28 corredeiras do Parque, interferindo nas dinâmicas de seca e de cheia dos rios e inviabilizando processos ecológicos vitais para peixes migratórios, por exemplo.
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