O atual debate em torno da campanha eleitoral abre uma oportunidade única para introduzir princípios de sustentabilidade na política econômica brasileira. Por isso, é preciso falar mais sobre Economia Verde e seu potencial para a inclusão social e geração de renda e empregos, e sair da mediocridade que até agora tem pautado a agenda do debate.
Muita fumaça foi feita em torno das propostas de política monetária dos principais candidatos à eleição presidencial. Mas apesar do esforço retórico de diferenciação, todos propõem basicamente a mesma coisa: “flexibilidade da taxa de câmbio em patamares compatíveis com as condições estruturais do País” e “inflação baixa e estável”, com “rigor da gestão fiscal”, através de “uma política macroeconômica sólida, intransigente no combate à inflação”. As expressões acima foram copiadas das linhas gerais de programa de Dilma Rousseff, mas termos semelhantes encontram-se também nos programas de Marina Silva e Aécio Neves. Mesmo a pretensa polêmica sobre a independência ou autonomia do Banco Central, também há consenso em manter o que tem sido praticado há bastante tempo por tucanos e petistas: seja quem for o eleito, o próprio Banco Central já antecipou sua linha de atuação para o próximo ano, de juros altos e contenção monetária, ao avisar que a inflação deverá estar acima do desejado (“centro da meta”) até pelo menos 2016.
Isso caracteriza 2015 como um ano difícil, com simultaneidade de pressões inflacionárias, por causa da necessidade de reajuste dos preços artificialmente represados pelo governo (como os de energia elétrica e combustíveis), e baixa atividade econômica, o que explica o pessimismo empresarial e elevação recente do desemprego.
Crescendo errado
“(…) a indústria extrativa mineral (5,6%), junto com os produtos agropecuários, ocupa espaço cada vez maior na pauta de exportação brasileira” |
Por isso, o debate sobre as propostas de política econômica dos candidatos deve se focar na política fiscal e políticas setoriais onde, a meu ver, as diferenças podem ser muito mais marcantes. Em termos mais gerais, a questão é se o atual modelo deve ser continuado e aprofundado, ou se devemos buscar um modelo alternativo, o que na minha opinião é a proposta da Economia Verde.
Em primeiro lugar, deve-se notar que o baixo crescimento do Governo Dilma não é homogêneo, mas concentrado em alguns setores. Tomando como referência a série do PIB trimestral com ajuste sazonal, é evidente que a indústria de transformação apresentou o pior desempenho entre os setores econômico diminuindo 4,3% entre o segundo trimestre de 2014 e o último trimestre do Governo Lula (outubro-dezembro de 2010), enquanto que o PIB cresceu 4,6% no período. É nítida, portanto, a necessidade de reversão radical da política do setor, a fim de estancar a desindustrialização do país.
Outro setor com desempenho negativo foi a construção civil, que encolheu 1,2%, a despeito de todos os incentivos ao setor criados pelas obras públicas ligadas ao PAC e às obras para a Copa do Mundo. Ou seja, o desempenho do setor sem os incentivos diretos custeados pelo Governo Federal seria ainda pior. A retração da indústria e da construção civil, mais o clima de pessimismo, levaram à retração no investimento produtivo: no segundo trimestre de 2014, a formação bruta de capital fixo foi 6,2% menor do que último trimestre do Governo Lula.
Por outro lado, no mesmo período de comparação, os “campeões” do Governo Dilma foram comunicações (15,6%), eletricidade e serviços industriais (10,5%) e agropecuário (10,4%). O primeiro está relacionado à expansão global das novas tecnologias de informação, o segundo demonstra a dependência crescente da economia aos investimentos públicos, e o terceiro é consequência da regressão contínua do Brasil a um país exportador de matérias primas. Outro setor que cresceu acima do PIB foi a indústria extrativa mineral (5,6%) que, junto com os produtos agropecuários, ocupa espaço cada vez maior na pauta de exportação brasileira. Deve-se notar que os produtos industriais “sobreviventes” são justamente os mais intensivos em emissões de poluentes, indicando que o Brasil é cada vez mais um “garimpo de recursos naturais” e “refúgio de poluição” no comércio internacional, e nítida retração em produtos de maior conteúdo tecnológico.
Essa dependência aumentará ainda mais se a mola mestra da economia brasileira for a exploração de petróleo do pré-sal e a expansão da fronteira agrícola por mais desmatamento. O acirramento de conflitos ambientais será inevitável caso haja continuidade desse modelo, mas o problema do desemprego tampouco será solucionado: a indústria extrativa mineral possui baixíssima demanda de mão de obra por unidade de valor gerado e, a despeito de seu crescimento acima da média do PIB, o setor agropecuário brasileiro emprega cada vez menos – segundo os dados mais recentes das Contas Nacionais (IBGE), a agropecuária era responsável por 24,6% das ocupações no período 1995/99, mas esse número caiu para 16,1% no período 2005/2009.
Mais: é muito arriscado, no mínimo, a aposta do petróleo como alavancador da economia brasileira em um momento em que governos e empresas das principais economias mundiais são cada vez mais pressionados para consumir cada vez menos combustíveis fósseis. Deve-se notar que tais pressões já deixaram há muito de serem exclusivas de grupos ambientalistas, e o próprio mercado financeiro começa a alertar investidores de longo prazo sobre o risco de excesso de valorização das reservas de petróleo, conhecido como “bolha de carbono“.
Existe uma opção verde
“A economia verde surge como um caminho possível, mas não automático, para o desenvolvimento econômico, onde a inclusão social e a conservação do meio ambiente atuam como motores, em vez de obstáculos” |
Mas como é possível uma guinada na direção de uma economia verde? Através de um redirecionamento dos incentivos governamentais para setores identificados com a transição para o baixo carbono e pela adoção de princípios tributários que onerem os responsáveis pelo uso predatório dos recursos naturais e do meio ambiente. Ou seja, a economia verde surge como um caminho possível, mas não automático, para o desenvolvimento econômico, onde a inclusão social e a conservação do meio ambiente atuam como motores, em vez de obstáculos, para níveis mais altos de atividade e bem-estar, induzida por políticas específicas.
Em termos concretos, essa transição passa pela mudança das políticas setoriais em todas as áreas, incluindo:
- Mudança de prioridade na política industrial, em particular na ação do BNDES e demais financiadores públicos, na direção de setores e atividades com maior conteúdo tecnológico, potencial de emprego e menor impacto ambiental.
- Mudança de prioridade na política energética, com maior ênfase nas energias renováveis (biocombustíveis, bioeletricidade, eólica e fotovoltaica), redimensionamento dos projetos hidrelétricos para empreendimentos de menos impacto socioambiental, eficiência energética e, no caso dos hidrocarbonetos, privilegiar o gás natural como combustível de transição para uma economia de baixo carbono, inclusive por ser muito mais eficaz na geração de empregos.
- Mudança de prioridade na política agrícola, com maior ênfase no incremento da produtividade por unidade de área, com especial ênfase na agropecuária, na produção familiar e na agricultura de baixo carbono, que são muito mais intensivas em mão de obra e permitem a expansão do valor adicionado do setor em um contexto de desmatamento zero.
- Mudança de prioridade nos investimentos públicos em infraestrutura, com especial ênfase na reconstrução dos espaços urbanos através de soluções sustentáveis, tanto no que diz respeito a moradias quanto ao equipamento urbano (principalmente transporte público, saneamento e disposição de resíduos), em projetos inclusivos tanto pelo alto poder de geração de empregos quanto pela melhoria na qualidade de vida das populações urbanas e peri-urbanas.
- Mudança de prioridade nas políticas de desenvolvimento agrário, com aceleração na garantia de direitos fundiários e extensão rural para pequenos produtores e comunidades tradicionais, com sólido investimento para o fomento de práticas sustentáveis de agricultura e extrativismo (incentivo ao associativismo, assistência técnica, crédito, preços mínimos e políticas de compras garantidas pelo poder público), bem como pagamento por serviços ambientais aos produtores e comunidades que atendem aos princípios de sustentabilidade.
Incentivos
“deve-se iniciar no Brasil a prática de cobrança das externalidades negativas, o famoso princípio do poluidor–usuário pagador” |
É claro que essas mudanças requerem fontes de financiamento. Isso pode ser obtido pela alteração nos atuais desembolsos em megaprojetos, de resultados econômicos e socioambientais extremamente controversos (por exemplo, apoio à Usina de Belo Monte, ao Porto do Açu e afins), e pela efetiva implementação dos princípios do Protocolo Verde no financiamento público a projetos. Seletividade deve ser essencial para que os beneficiários do crédito público sejam agentes econômicos de transformação para um país mais sustentável, e deve-se parar com a sangria de recursos públicos para subsidiar atividades que geram grandes externalidades negativas, como automóveis particulares, o consumo excessivo de energia e crédito agrícola para produtores que não estejam dispostos a se adequar à legislação florestal.
Por fim, deve-se iniciar no Brasil a prática de cobrança das externalidades negativas, o famoso princípio do poluidor–usuário pagador. Além de fonte de financiamento para atividades limpas, essa é uma forma de justiça social pois impede que haja apropriação do meio por poucos em detrimento das populações mais pobres, que são as que sofrem com os problemas de saúde, mobilidade, desastres climáticos e outras formas de qualidade de vida resultantes da poluição e outras formas predatórias de uso do meio ambiente.
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