Depois de passar meses sob uma saraivada de acusações, Bruno Covas, secretário de meio ambiente do estado, divulgou um plano de intenções. Ele promete que o sistema de parques paulista passará em breve por uma ampla reforma, feita por decreto. As mudanças incluem a troca de gestores sem experiência até dezembro deste ano, extinção de cargos de confiança, revisão da lei do ICMS ecológico, plano emergencial de fiscalização das UCs e meta de “desmatamento irregular zero”, além de flexibilizar as regras da aplicação de recursos advindos de compensação ambiental.
O anúncio procura amenizar a repercussão de críticas da mídia que apontam abandono e sucateamento de Unidades de Conservação do estado como a Ilha do Cardoso, onde existem obras abandonadas em péssimo estado, apesar de serem financiadas com empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Com o estopim da crise de credibilidade, no último mês de setembro, o secretário convocou uma reunião fechada com especialistas em áreas protegidas de todo o País. O objetivo era discutir um modelo de gestão de Unidades de Conservação e da biodiversidade baseando-se nas melhores experiências e práticas em curso no Brasil.
A ideia de pedir ajuda aos gestores mais experientes dá a entender que o governo começa a perceber o tamanho do problema que tem pela frente. Entres as acusações contra a atual gestão, a mais grave refere-se à substituição de lideranças técnicas capacitadas por aliados políticos do atual governo sem nenhum alinhamento com as questões ambientais. Além disso, a Secretaria de Meio Ambiente é acusada de reduzir a vigilância nas Unidades de Conservação, cortando postos físicos e profissionais em campo. Os poucos funcionários alocados nos parques relatam falta de recursos básicos como alimentação, uniforme e combustível.
Carência de investimentos
Segundo declarações da assessoria de imprensa da Secretaria de Meio Ambiente, “atender às intervenções mais urgentes e necessárias em algumas Unidades de Conservação paulistas exige ações custosas, que demandam tempo e elevados investimentos (o que onera muito os cofres públicos) e recursos materiais e tecnológicos diversos (insuficientes nas estruturas governamentais tradicionais)”.
Enquanto isso, dados oficiais divulgados pelo Jornal Estado de São Paulo apontam que a Secretaria de Meio Ambiente conta com pelo menos R$144 milhões disponíveis para investimento em áreas protegidas. A origem desse montante são as compensações ambientais advindas de empreendimentos que já causaram impactos em várias regiões do estado. No entanto, o dinheiro está parado desde 2005. As organizações ambientais dizem que não há sinais de que a Secretaria do Meio Ambiente planeje usar essa verba para atender demandas essenciais como implementação dos Planos de Manejo, fiscalização e regularização fundiária para resolução de conflitos, especialmente em áreas habitadas por comunidades tradicionais.
De acordo com a SMA, os recursos da compensação ambiental citados pelas Ongs ainda não foram investidos porque estão sendo reunidos para que possam ser usados da melhor forma possível para solucionar questões caras, como regularização fundiária que só pode ser resolvida em sua totalidade e não em pequenos lotes.
Apesar das decisões anunciadas na reunião realizada pela Secretaria, organizações ambientalistas e funcionários públicos ligados às UCs aguardam uma audiência pública anunciada pelo secretário, mas que não tem data marcada para acontecer. A audiência teria a finalidade de discutir, fora de uma sala fechada, as melhorias que esses grupos demandam.
De acordo com a Rede de Ongs da Mata Atlântica (RMA), o auge da crise foi em agosto de 2013 quando o jornal Estado de São Paulo publicou reportagem sobre o assunto. Segundo a RMA, a publicação apenas mostrou fatos que ambientalistas, pesquisadores e gestores já denunciavam há tempos: “a gestão ambiental do estado de São Paulo e em particular suas Unidades de Conservação está sucumbindo por conta de uma gestão ineficiente que prioriza interesses eleitoreiros em detrimento do compromisso com a conservação ambiental, do patrimônio natural e do bem estar das populações que vivem nessas áreas ou em seu entorno”, diz trecho da carta aberta veiculada em setembro pela RMA.
Para Malu Ribeiro, coordenadora de projetos da ONG SOS Mata Atlântica, faltam visão e afinidade do atual titular da Secretaria de Meio Ambiente com a sua área de atuação. Por isso, iniciativas importantes como a desocupação de Unidades de Conservação (a exemplo do Parque Estadual da Serra do Mar) ou projetos de turismo em áreas preservadas não tiveram a atenção do atual governo do estado. Segundo Ribeiro, antes mesmo das reportagens que jogaram holofotes nos problemas dos parques paulistas, a SOS Mata Atlântica havia encaminhado um ofício ao governador Geraldo Alckmin propondo um modelo de gestão compartilhada das UCs, em que o estado fosse o regulador das ações nos parques junto com OCIPS, ONGs e outros representantes da sociedade civil com experiência de longa data na atuação ambiental. A carta ainda não obteve resposta.
Ribeiro diz que a postura do secretário rompe com o caminho que o estado de São Paulo seguia. “Até por sua realidade de degradação das áreas naturais, São Paulo sempre esteve à frente na proposição de leis ambientais relacionadas ao controle da poluição, ao licenciamento ambiental, à gestão dos recursos hídricos, ao tombamento da Mata Atlântica, entre outras”, afirma.
Falta de iniciativa
Ex-secretário de Meio Ambiente de São Paulo, Fábio Feldmann engrossa as críticas das ONGs e defende que o estado precisa retomar seu protagonismo na defesa da biodiversidade do país. Hoje atuando como consultor, Feldmann teve três mandatos como deputado federal por São Paulo, e um papel importante como autor de leis voltadas para a proteção da biodiversidade brasileira, além de ter assinado o capítulo sobre meio ambiente da Constituição de 1988. Feldmann participou da reunião convocada do Bruno Covas.Segundo ele, é preciso mudar o conceito das áreas de proteção e incorporar a definição de “paisagem cultural ecológica”. A ideia, conforme explica, é estudar soluções para os Parques dentro do contexto cultural em que se encontram. “Hoje, o entorno das Unidades vê os parques como entrave para o desenvolvimento econômico. É preciso mudar isso. Os Parques precisam contribuir para a sustentabilidade das comunidades a sua volta”.
Feldmann defende que os recursos de compensação ambiental direcionados às áreas protegidas deveriam ser investidos também no seu entorno, em estrutura turística. “Estimular a visitação nas UCs é um ponto chave para que os parques cumpram sua função de uso público e ainda gerem desenvolvimento regional”, disse. Ele lembra que as áreas mais protegidas do estado têm índices baixos de desenvolvimento econômico como, por exemplo, o Vale do Ribeira, onde estão o Parque do Petar e de Inervales. Localizado na porção sudeste do estado, o Vale se caracteriza por apresentar as maiores concentrações de áreas de proteção ambiental e o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de São Paulo.
Por isso, o ex-deputado considera de suma importância que se aprimore a lei do ICMS ecológico, criado para compensar os municípios pela restrição de uso do solo em locais protegidos como Unidades de Conservação e outras áreas de preservação específicas. Também defende o estímulo a empreendimentos turísticos e culturais nas áreas das Unidades, além de sugerir o fortalecimento do conceito de mosaico, que integra UCs com diferentes níveis de restrição.
Apesar de admitir que o governo estadual precisa sair da inércia, Feldmann avalia que a dificuldade na gestão dos parques não é exclusividade paulista, mas realidade do sistema nacional de Unidades de Conservação. Entretanto, ele aponta bons exemplos que podem inspirar melhorias. “A gestão de Carlos Minc no estado do Rio de Janeiro está indo muito bem”.
Acertos do Rio de Janeiro
O atual gestor dos parques fluminenses é André Ilha, que pela quarta vez assume um cargo público de direção relacionado às áreas protegidas do Rio de Janeiro. Ele também esteve presente na reunião com Bruno Covas.
Hoje, Ilha ocupa o cargo de diretor de biodiversidade e áreas protegidas no Instituto Estadual de Meio Ambiente – INEA/RJ. Praticante há 40 anos de montanhismo, Ilha tem formação de administrado, foi auditor fiscal e é criador do Grupo de Ação Ecológica – GAE. “Ser montanhista despertou em mim a indignação com o descaso nas Unidades de Conservação e a vontade de contribuir de alguma forma com a proteção dos Parques. Era muito triste encontrar paisagens onde eu escalava completamente destruídas”, conta. Ilha passou a se dedicar à militância ambiental e acabou convidado a assumir a presidência do antigo Instituto Estadual de Floresta (substituído pelo Inea) por três vezes.
Ele comemora a expansão de áreas proteção integral do Rio de Janeiro. “Passamos de 117 mil para 210 mil hectares desde o começo da gestão do Sérgio Cabral em 2007”, afirma. O aumento das áreas de proteção da biodiversidade faz parte de uma política do secretário Minc como contraponto ao processo de industrialização do Rio de Janeiro, que anda em passo acelerado com a construção do Porto do Açu e indústrias siderúrgicas como a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), a maior da América Latina.
De acordo com o André, os valores de compensação ambiental gerados no parque industrial do estado estão se transformando em novas Unidades de Conservação e estrutura para os parques já criados. A prioridade, diz, é criar áreas extensas de proteção que formem corredores ecológicos e implantar áreas protegidas em todos os ecossistemas da Mata Atlântica, desde florestas ombrófilas densas, manguezais e restingas, até campos de altitude. “Estamos tirando Parques do papel e investindo pesado na regularização fundiária. Ela tem avançado com a desapropriação contínua em Unidades de proteção através de indenizações justas”, diz Ilha, ao explicar que a maioria das desapropriações foi feita de forma amigável. Segundo ele, a urgência do processo tem uma boa razão: “Parque que não tem regularização fundiária não cumpre sua função”.
Para estimular o uso público, outra frente do INEA está voltada para a infraestrutura básica das áreas de proteção integral. “Temos obras em todas as unidades de proteção do Rio, seja na abertura de trilhas, construção de mirantes, guaritas, centros de visitante, centros de guarda-parque e alojamentos para visitantes ou pesquisadores”, diz. Um exemplo de Unidade em obra é o complexo da sede da Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba, com 3.260 hectares, que protege um dos principais remanescentes de mata estacional do RJ. A obra será inaugurada este mês.
Outro exemplo fluminense que pode inspirar a gestão paulista é a criação de um fundo fiduciário com os recursos de compensação ambiental. Esse fundo rende juros que são distribuídos entre os chefes de Unidade de Conservação do estado. No total, cada gestor de unidade recebe R$3 mil por núcleo do parque. “Parece pouco, mas isso dá para o chefe de unidade lá na ponta uma eficiência inimaginável para resolver problemas emergenciais mais simples. A ideia é que com essa verba eles possam fazer pequenas despesas de forma desburocratizada através de um cartão corporativo que pode ser usado para itens pré-definidos, como combustível, reparos nos veículos e nas instalações prediais, pagamento de pequenos serviços de pessoas físicas, materiais de escritório que estejam em falta, etc. “, afirma Ilha. Ele defende que a boa gestão só é possível com o envolvimento de todos os profissionais do sistema, especialmente os 280 guarda-parques que trabalham nas 17 Unidades de Proteção Integral. “Além de acumular as funções de proteger as Unidades e reprimir infrações, nossos guarda-parques são relações públicas dessas áreas. Eles precisam ser motivados para receber bem, orientar e educar”.
O que não falta são conselhos e inspiração, que vem dos novos exemplos do Rio, estado vizinho, do trabalho de Ongs, políticos e colegas gestores. Resta saber se São Paulo vai ter fôlego para fazer a lição de casa. São Paulo tem 40 parques estaduais, que somam aproximadamente 700 mil hectares espalhados pelo estado. Em sua maior parte, esses parques têm a função de proteger remanescentes contínuos de Mata Atlântica, uma das mais destruídas e ainda ameaçadas florestas do planeta.
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