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Encontro não marcado no Parque Nacional Torres Del Paine

Esta é uma região de grande densidade populacional do puma, neste caso a subespécie patagônica, a maior de todas, esquiva e majestosa.

Fernanda D. Abra ·
27 de abril de 2015 · 10 anos atrás

Parque Nacional Torres del Paine. Foto:
Parque Nacional Torres del Paine. Foto:

Parque Nacional Torres del Paine, localizado na região de Magalhães e Antártica chilena, região também conhecida como “fin del mundo”, apelido fácil de entender com uma rápida espiada no mapa do globo. Há algum tempo planejava uma viagem ao parque, com dois objetivos principais: aventurar-me no circuito de trilhas O+W do parque, que totaliza 130 km de caminhadas e, segundo, avistar as espécies da minha lista de biodiversidade. Esta última talvez seja uma mania inerente aos biólogos da conservação, profissionais afins e simpatizantes. Mas, para qualquer lugar novo que eu vá, faço uma lista de tudo o que quero ver, espécies animais e vegetais.

Na lista desta aventura constavam espécies como o condor (Vultur gryphus), raposas (Pseudalopex culpaeus e Pseudalopex griseus), guanaco (Lama guanicoe), ñandu (Rhea americana), huemul (Hippocamelus bisulcus) e o suntuoso puma patagônico (Puma concolor patagônica). Há anos tento ver o puma em seu ambiente natural. Estive em locais favoráveis no Brasil e Estados Unidos, mas sem sucesso. A Patagônia seria a minha melhor chance, uma vez que a região apresenta uma das maiores densidades populacionais deste felino.

Mapa do Parque Nacional Torres Del Paine. Fonte:
Mapa do Parque Nacional Torres Del Paine. Fonte:

O puma patagônico é a maior subespécie do gênero Puma, possui uma pelagem densa e as fêmeas podem chegar a até 80 kg. Afinal de contas, as baixas temperaturas e os fortes ventos da região são implacáveis. Eu mesma vi uma mulher sendo lançada ao chão em uma trilha como se fosse uma folha seca. A coloração uniforme do puma se confunde às cores das estepes patagônicas, o que dificulta os avistamentos. Neste sentido, sabia que deveria estar concentrada o tempo todo, atenta aos sons, odores e a qualquer sinal da presença do animal nas trilhas.
Durante o planejamento da viagem, lembrei de uma frase do amigo Fábio Olmos: “Quanto mais você sabe, mais você vê”. Portanto, me informei sobre o animal, li artigos científicos, assisti a documentários, mas estava curiosa sobre em qual parte do parque – que é enorme, com seus 181 mil hectares — teria mais chances de um feliz encontro com o grande puma.

Grande expectativa, pouca informação

“(…) na região existe uma quadrilha de caçadores profissionais que se auto-intitula “leoneros”, os quais são contratados por proprietários rurais para matar pumas, considerados pragas.”

De tudo que eu li e ouvi falar sobre o Parque, a maior parte não mencionava os lugares mais suscetíveis à presença do puma, algo compreensível por dois motivos: não causar pânico aos turistas, que costumam ver os pumas como “comedores de gente”, e não ser um chamariz para caçadores. Infelizmente, a caça é uma triste realidade no entorno do Parque. Assim como no Brasil, nos países vizinhos as onças pardas e pintadas predam animais domésticos e podem causar prejuízos financeiros aos sitiantes e fazendeiros. Assim, na região existe uma quadrilha de caçadores profissionais que se auto-intitula “leoneros“, os quais são contratados por proprietários rurais para matar pumas, considerados pragas. Outra finalidade da caça ilegal de pumas é a exibição de troféus.

Exemplo de fotos que circulam pela internet exibindo a caça ilegal de Pumas como troféus. Fonte:
Exemplo de fotos que circulam pela internet exibindo a caça ilegal de Pumas como troféus. Fonte:

Os impactos que assolam os Pumas na região patagônia não se restringem à caça, mas também aos atropelamentos. As estradas que acessam o Parque não são pavimentadas, mas são planas e fáceis de usar para atingir altas velocidades. Em novembro de 2014, um puma foi atropelado próximo ao Parque, na estrada CH 254. Eu mesma fui testemunha ocular da imprudência dos motoristas durante o meu retorno do Parque Torres Del Paine até Puerto Natales. A quase 100 km/h, o motorista do micro-ônibus atropelou um tatu-peba. Reclamei, mas ele não diminuiu a velocidade. Poderia ter sido mais um puma, uma raposa, ou, quem sabe, um grande guanaco.

Destaco que por trás do objetivo de avistar um puma no Parque, estava um grande desejo de contemplá-lo. Contemplação da majestosidade de um animal topo de cadeia, de papel importante em um ecossistema tão rico e fechado, onde este animal ao longo de milhões de anos se adaptou às intempéries climáticas. Contemplação também de sua beleza ímpar, símbolo de força, poder e liberdade em uma área de natureza extrema, entre montanhas com picos nevados, lagos azuis-esverdeados e grandes glaciares. Seria a combinação perfeita depois de tantos anos a espera deste encontro!

Sinais do felino

“(…) a caminho do camping Dickson, surgiu uma pegada fresca de puma na trilha. Centenas de metros adiante, um cheiro forte de carcaça.”

Logo no primeiro dia de caminhada do “circuito O”, em direção ao Camping Serón, era possível sentir o cheiro marcante de urina de felino em locais diversos. Este sinal era uma faísca de esperança. Se no primeiro dia já havia evidências tão marcantes da presença do grande gato, quem sabe eu não teria sucesso em avistá-lo breve?

No segundo dia, a esperança aumentou quando, a caminho do camping Dickson, surgiu uma pegada fresca de puma na trilha. Centenas de metros adiante, um cheiro forte de carcaça. A ansiedade de avistar a espécie aumentou junto com a consciência que se tratava do maior predador da região, capaz de abater em instantes um guanaco de 160 kg. Portanto, o respeito pelo animal era essencial naquela aventura, uma das regras de ouro na observação de animais selvagens em ambiente natural.

No terceiro dia, eu sabia que se não avistasse o puma minhas chances cairiam de forma drástica, porque entraria em uma região do parque pouco favorável ao puma, onde suas presas são raras.

Nos dias que se passaram, fiquei maravilhada ao avistar outros habitantes do Parque, os imponentes condores tomando conta dos céus, diversas lebres, ñandus, pica-paus, bandos de guanacos, e muito próximo ao Camping Torres, uma tranquila raposa, provavelmente já adaptada à presença de turistas.

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Um abatedouro natural

“A menos de 2 km da portaria achamos um abatedouro natural de guanacos, com dezenas de carcaças espalhadas próximas à trilha”

Chegávamos ao sétimo dia, o último. Muitos quilômetros deixados pra trás, cansaço físico das longas caminhadas e da última noite mal dormida devido a um frio desconcertante. O peso da mochila era menor, pois havia consumido as latas de atum, de salmão e as várias outras comidas desidratadas. Mas a bagagem na memória não se podia medir nem pesar, e me acompanhará o resto da vida. Foram sete dias de paisagens deslumbrantes. Com elas, um sentimento de felicidade pela existência de lugares no mundo onde é difícil o homem chegar e se estabelecer. Dádiva para a que a natureza permaneça intocada, inviolada!

Cheguei à portaria do Parque e em algumas horas partiria para Puerto Natales – Punta Arenas, e de lá para o Brasil. Feliz por ter completado o circuito e visto tantas coisas incríveis, mas decepcionada por não ter visto o puma patagônico. Conversando com o guarda-parque da portaria, disse a ele o quanto procurei pelo animal. Supreso, o guarda-parque me disse que esse objetivo era raro, que pessoas não procuram pelo puma. Contei que era bióloga e que meu interesse era legítimo. Nesta hora, ele me mostrou uma trilha próxima à portaria, de aproximadamente 4 km. Afinal, o que eram mais 4 km para quem havia andado quase 130 km?

Dezenas de carcaças de guanaco ao longo de uma pequena trilha próxima à portaria do Parque. Foto: Luiz Antonio Gambá
Dezenas de carcaças de guanaco ao longo de uma pequena trilha próxima à portaria do Parque. Foto: Luiz Antonio Gambá
Já era perto das 18h e a temperatura andava a volta de 5º C. Tinha poucas horas de luz para procurar pelo animal. Meu namorado aceitou me acompanhar nesta última oportunidade. Nos agasalhamos bem, pegamos as luvas, gorros, lanternas de cabeça e fomos andar. A menos de 2 km da portaria achamos um abatedouro natural de guanacos, com dezenas de carcaças espalhadas próximas à trilha! Era exatamente ali que pelo menos um indivíduo de puma do Parque se banqueteava. Entre a vegetação baixa e rala e formações rochosas, era um lugar de espreita e abate perfeito!

Estavam lá as três evidências da presença do animal: pegadas, o cheiro marcante da urina e as carcaças de guanaco. Andamos alguns quilômetros sob um vento implacável, a luz do dia se apagando e o horário do nosso ônibus se aproximando. Por um tempo, ficamos no alto de uma rocha para observar toda a planície em volta. Mas sem ver o animal.

Nos últimos minutos no parque, tive a certeza de que o puma pode ter me visto em vários momentos da trilha, mas eu não o vi. Vivi nesses dias um jogo de habilidade injusto, pois durante milhares de anos o felino esculpiu seus sentidos para detectar perigos, presas, espreitá-las, abatê-las, comê-las, ensinar os seus filhotes e esconder-se. O puma patagônico faz tudo isso muito bem, e ele era o anfitrião. Torres Del Paine é a sua casa. Voltarei ao parque, sempre de visita, respeitando os meus limites e o espaço do felino. Para um dia, quem sabe, ter a sorte de passar segundos admirando o puma patagônico.

Puma patagônico ([i]Puma concolor patagonica[/i]). Foto: Thinkstock
Puma patagônico ([i]Puma concolor patagonica[/i]). Foto: Thinkstock

 

*Fernanda Abra é bióloga, doutoranda em Ecologia Aplicada pela ESALQ, amante das montanhas e parque nacionais vive em busca de novos encontros com a vida selvagem.

 

 

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Comentários 2

  1. Legal o relato Fernanda, e uma pena que não conseguiu encontrar o puma. Estou indo pra la semana que vem. Qual dica você dá caso cruzemos com ele? Qual a forma mais segura de lidar com o animal e continuarmos nossa trilha sem grandes transtornos?

    Obrigado!


  2. Henrique Bon diz:

    Visualizei um puma ao lado da estrada que leva à praia em frente ao lago Grey, cinco ou seis km antes do hotel. Eram 19:15 h do dia 06 de setembro de 2016. Ele saltou sobre uma moita e dela saiu com uma lebre entre os dentes. Atravessou o rípio cerca de 10 metros, à nossa frente e desapareceu entre os arbustos. foto, prejudicada pela baixa luminosidade, está no facebook.