Análises

Felinos do Pampa, os novos “Farrapos” lutam contra a extinção

O Pampa abrigava as oito espécies de felinos nacionais. A onça-pintada se foi e as demais correm perigo. Seria revolucionário mudar esse rumo.

Fabio Mazim ·
26 de maio de 2015 · 9 anos atrás

Crânio da última onça-pintada encontrada no Pampa, morta por caçadores em 1952. Foto: Fabio Mazim
Crânio da última onça-pintada encontrada no Pampa, morta por caçadores em 1952. Foto: Fabio Mazim

Em uma de minhas expedições pampianas, sob posse de caçadores, encontrei a pele, o crânio e fotos antigas de uma caçada, possivelmente da última onça-pintada (ou jaguar) abatido no Pampa, em 1952. Segundo os caçadores, era um macho adulto com 86 kg, morto por predar uma criação de porcos. Na ocasião, três caçadores o abateram e, logo após, foram buscar um fotógrafo na cidade para bater fotos do animal morto ao lado das espingardas usadas na grande batalha. O ato deve ter sido considerado heroico, já que os caçadores se vestiram de terno e gravata para sair no retrato. Essa fotografia em preto e branco fica exposta na vitrine de uma loja no município de São Lourenço do Sul, distante cerca de 200 quilômetros de Porto Alegre.

Segundo ruralistas e caçadores, após esse abate, nunca mais foi relatada a presença de jaguares no Pampa gaúcho. É possível que eu tenha segurado a pele e o crânio do ultimo exemplar vivo de jaguar a esturrar em solo pampiano, A extinção local da espécie foi eternizada no retrato e na pele furada por chumbo, estaqueada na parede de um galpão.

Até então, antes do desaparecimento dos jaguares e a ramificação do gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus) em duas espécies (L. tigrinus e L. guttulus), o Pampa era o único bioma nacional a abrigar as oito espécies de felinos nacionais. Hoje, todas as espécies sobreviventes desta família constam na lista vermelha estadual.

Os Farrapos de hoje estão na natureza

“A Guerra dos Farrapos não terminou. Apenas, mudaram os personagens e os combatentes. Hoje, a peleia justa é pelo direito de viver dos felinos silvestres, na terra aonde chegaram primeiro.”

A maior revolução já registrada no Brasil ocorreu no Rio Grande do Sul entre 1835 e 1845, conhecida por Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos. Seus motivos eram vários, mas os principais foram às lutas por igualdade e humanidade, a libertação dos escravos, além da redução dos excessivos impostos pagos por um povo esquecido pelo Império, lembrado apenas nos momentos de guerra, quando convinha defender as fronteiras brasileiras. Considerado até hoje como o mais aguerrido exército montado da América, a cavalaria gaúcha ou farroupilha não era abastecida pelo governo imperial com armas e suprimentos, recebendo o nome de “Farrapos”.

Qual é a relação deste movimento com a conservação de felinos? Do meu ponto de vista, a Guerra dos Farrapos não terminou. Apenas, mudaram os personagens e os combatentes. Hoje, a peleia justa é pelo direito de viver dos felinos silvestres, na terra aonde chegaram primeiro. É assim que vejo a luta diária pela sobrevivência desses predadores no Pampa.

Felinos do Pampa

Primeira captura de um Leopardus geoffroyi (gato-do-mato-grande) pintado no Brasil, maio de 2005 (Arroio Grande-RS). Foto: Fabio Mazim
Primeira captura de um Leopardus geoffroyi (gato-do-mato-grande) pintado no Brasil, maio de 2005 (Arroio Grande-RS). Foto: Fabio Mazim

O Pampa na atualidade, ainda é o único bioma nacional contemplado pela presença abundante do gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi), já que existe apenas um único registro recente da espécie no Paraná.

O gato-do-mato-grande ocorre em todas as localidades pampianas, em grande diversidade de habitats. Utiliza áreas florestais ou totalmente campestres, incluindo regiões antropizadas, com matriz composta por lavouras de arroz e soja, além da periferia de grandes cidades. Digno de nota é a marcante presença desse felino em áreas de arrozais. Os indivíduos melânicos (pretos) são tratados como uma espécie distinta. O termo gato-do-mato-grande é usado pela comunidade cientifica. Os fazendeiros chamam de gato-crioulo, gato-jaguatirica, gato-bagual ou gato-oveiro.

Mais discretos, porém igualmente comuns, são o gato-maracajá (Leopardus wiedii) e o gato-mourisco (Puma yagouaruondi), que ocorrem amplamente pelo Pampa. Eles necessitam de florestas para os momentos de descanso. O gato-mourisco é mais comum em regiões de relevo ondulado, com mosaicos formados por matas ciliares, matas de encosta e campos sujos. Também é conhecido como gato-irara ou gato-serena, devido à coloração esbranquiçada na ponta dos pelos, que parece uma camada de sereno.

Já o gato-maracajá é mais comum e mais bem distribuído que o gato-mourisco. Ocorre por todo o bioma, inclusive na linha de fronteira com o Uruguai, onde adentra o país vizinho. Não necessita de grande esforço para ser registrado. No Pampa, tem revelado não ser tão dependente de formações florestais como diz a literatura. Ocorre em zonas de banhados e arrozais com quase nenhuma vegetação florestal. A ocorrência do gato-maracajá é corriqueira em regiões do Pampa onde as matas nativas se resumem a estreitas faixas ciliares, com largura máxima variando de 10 a 50 metros de largura em relação aos corpos d´água. Não existe nomenclatura popular para essa espécie. Os fazendeiros locais não costumam diferenciar as espécies pintadas de pequeno porte. É comum chamar de “jaguatirica” os pequenos felinos pintados do Pampa.

O gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus) ocupa uma faixa restrita do bioma, mais precisamente a extremidade norte, onde o Pampa e a Mata Atlântica estão em transição. Nessa região, ocorrem indivíduos híbridos de gato-do-mato-pequeno com gato-do-mato-grande.

Captura de Leopardus pardalis (jaguatirica) em 2011, com coleta de dados e implantação de rádio-transmissor. Foto: Fabio Mazim
Captura de Leopardus pardalis (jaguatirica) em 2011, com coleta de dados e implantação de rádio-transmissor. Foto: Fabio Mazim

Os últimos registros de jaguatirica (Leopardus pardalis) no Pampa datavam da década de 1890, sempre ligados às regiões com maior cobertura florestal, onde estão presentes os maiores rios e, logo, as maiores áreas de floresta ciliar. Após esse intervalo secular de registros, em 2013, o amigo Felipe Peters, filmou uma jaguatirica no extremo sul do bioma, numa região de pântano desprovida de mata nativa, situada próxima à fronteira com o Uruguai, onde nunca houve registros históricos da espécie. No mundo, esse é o registro contemporâneo mais austral de jaguatirica, e talvez um atestado de recolonização da espécie no Pampa.

O puma (Puma concolor), conhecido regionalmente por leão-baio, até a década de 1900 ocupava todo o território pampiano. Hoje possui três registros, baseados no encontro de pegadas e observação visual, reunidos por este autor. Foram feitos entre 2004 e 2010, em regiões ermas, onde figuram os grandes latifúndios destinados a pecuária extensiva e tradicional, sempre em zonas de relevo ondulado, com paisagem formada por matas ciliares e campos sujos arbustivos. Nas regiões onde a agricultura domina o uso da terra, o puma não é mais registrado. No norte do Rio Grande do Sul, fora do Pampa, onde estão presentes os campos com capões de araucária, o puma é perseguido por predar os rebanhos de ovelhas. Possivelmente, o mesmo ocorreu no Pampa.

Entre as sete espécies de felinos ainda ocorrentes no Pampa está o gato-palheiro, ou “Pampa’s cat” (Leopardus colocolo). É a espécie com maior risco de extinção local, a julgar pelo isolamento genético, pelos constantes atropelamentos em rodovias, pela perseguição de criadores de aves domésticas e, sobretudo, pela destruição de seu habitat preferencial – os Campos.

Atropelado: exemplo dos poucos registros do gato-palheiro ([i]Leopardus colocolo[/i]) no Pampa. Foto: Fabio Mazim
Atropelado: exemplo dos poucos registros do gato-palheiro ([i]Leopardus colocolo[/i]) no Pampa. Foto: Fabio Mazim

Embora tenha ocorrido em todas as regiões pampianas, hoje seus registros são pontuais e se concentram no oeste do Pampa. A base de dados sobre a espécie parte de animais atropelados nas rodovias. Como diz meu grande amigo Javier Pereira, “o gato-palheiro já nasce atropelado”. Há raros registros visuais ou fotográficos, apesar de uma gama de pesquisadores se dedicar a inventariar as áreas de ocorrência desse gato. Estudos genéticos apontam um considerável isolamento desta subespécie – restrita ao Pampa brasileiro e uruguaio – em relação às demais subespécies ocorrentes no Cone Sul. Os registros indicam uma redução de mais da metade da área original de ocupação pelo gato-palheiro dentro do Pampa.

 

 

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Comentários 1

  1. Maxuel Morales diz:

    sou de Sant'Ana do Livramento,só neste mês de janeiro já teve duas ocorrências,uma de ataque a um cavalo, e outra de avistamento de puma na zona rural da cidade.ele esta retornando a um dos seus habitats,complementando a fauna e o bioma dos pampas !