No Brasil, quando se fala em políticas de proteção da Floresta Amazônica, muito se atribui apenas ao governo federal a responsabilidade. A partir do momento em que a Presidência da República é ocupada por alguém com visão totalmente antiambiental e anti-indígena, é bem mais fácil jogar todo o ônus da atual devastação do bioma nos ombros de Brasília. Todavia, é importante ressaltar que a Amazônia Legal é formada por nove Estados com governos regionais autônomos, e que esses governos também têm muita responsabilidade direta em proteger a floresta.
Vejamos o que acontece aqui, no pequeno e quase invisível Acre, no extremo oeste da Amazônia brasileira. O Estado, que por 20 anos exerceu certo protagonismo na preservação de sua cobertura florestal, hoje é referência naquilo que há de pior em termos de política ambiental. O ritmo sem precedentes de devastação da Amazônia no Acre é consequência tanto do desmonte das políticas de proteção do meio ambiente promovida pelo governo federal quanto pelo local.
Por aqui, a estratégia de deixar a boiada passar foi adotada com muito mais antecedência pelo governo de Gladson Cameli (PP) do que aquela exposta por Ricardo Salles diante de um país assustado com a pandemia da Covid-19. Ainda durante sua campanha para governador, Cameli tinha como promessa fazer do agronegócio o carro-chefe da economia acreana. Para isso, ele garantia desburocratizar e flexibilizar as normas ambientais do Estado. Também muito se dizia em tirar a fiscalização do pescoço de quem quer produzir.
A principal missão de Gladson Cameli ao assumir o governo do Acre, em janeiro de 2019, era destruir todo o arcabouço institucional de proteção da Amazônia construído durante as duas décadas de governos do PT. Tal política gestada durante o chamado governo da floresta de Jorge Viana (1999-2006), conhecida como florestania, passou a ser o inimigo público número um de Gladson Cameli. Na visão dele, a florestania era responsável por colocar o Acre na miséria, apontando o agronegócio como solução mágica.
Assim foi feito. Num de seus primeiros eventos públicos já como governador, Gladson Cameli desmoralizou a atuação dos agentes do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), afirmando que ninguém precisava mais pagar as multas ambientais porque “agora quem está mandando sou eu”. A fala de Cameli foi o sinal verde para a abertura da porteira, e a boiada avança sem dó desde então. O discurso de Cameli ocorreu no município de Sena Madureira, que hoje figura entre os campeões de desmatamento e fogo dentro da Amazônia brasileira.
De acordo com o último boletim do desmatamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Sena Madureira foi o quinto município da Amazônia Legal que mais derrubou floresta em agosto de 2021. Aliás, o Acre foi o terceiro Estado que mais contribuiu para a destruição do bioma mês passado; foram 236 km2 de Amazônia destruídos no pequeno Acre; em julho, já tinham sido outros 313 km2 de mata devastados.
Conforme o Imazon, entre agosto de 2020 e julho deste ano, o Acre viu desaparecer 927 km2 de Floresta Amazônica. Os números são estarrecedores se tratando de um território tão pequeno como é o Acre, quando comparado ao gigantesco vizinho Amazonas e ao Pará. Até 2019, o Acre ainda tinha ao menos 86% de seu território amazônico intacto. Ao se olhar os dados do Imazon e do Inpe, percebe-se que o desmatamento avança justamente para as áreas com maior cobertura florestal intacta.
Depois de Sena Madureira, Feijó e Tarauacá são os municípios com os maiores registros de áreas desmatadas e focos de calor desde 2019; isso não apenas dentro do Acre, mas entre os demais municípios do Norte.
Quando analisamos os dados das queimadas, observamos que a maior quantidade de focos de calor desde 2019 se concentra justamente nestes três municípios, localizados em regiões de uma Amazônia ainda bem preservada. Em 2021, conforme o Boletim de Queimadas do Inpe, Feijó, Tarauacá e Sena Madureira lideram o ranking do fogo. É sobre essa região do Acre que avança a “fronteira agrícola”, o “arco do desmatamento”.
Após todo o leste acreano ter sido devastado para a abertura de fazendas de gado nos últimos 40 anos – com a política da ditadura militar (1964-1985) de “ocupar” a Amazônia – agora a devastação avança rumo ao oeste de floresta intacta. A exploração madeireira legalizada por meio de planos de manejo nada sustentáveis também causa impactos imensuráveis. Agora, a atividade vai ganhar ainda mais intensidade com a proposta do governo Gladson Cameli de entregar milhares de hectares de florestas públicas para “exploração comercial”.
A política do governo Gladson Cameli de patrocinar projetos de abertura de estradas em regiões hoje isoladas e preservadas é outro fator para um desmatamento quase sem controle no estado. O projeto mais ameaçador é o da construção da estrada entre Cruzeiro do Sul, a segunda maior cidade acreana, e Pucallpa, capital do departamento peruano de Ucayali.
Caso de fato saia do papel, a rodovia provocará a destruição de uma das regiões mais intocadas do bioma por meio da grilagem, da extração de madeira, do garimpo e do tráfico internacional de drogas. A rodovia é uma grave ameaça para a preservação da Amazônia, independentemente das linhas fronteiriças.
E é assim, no caminho de rodovias e com as porteiras escancaradas, que o Acre dá a sua infeliz contribuição para o aumento da destruição da mais importante floresta tropical do mundo – tão importante para mitigar os efeitos da crise climática. Uma crise climática já vivida pela população local com enchentes e secas acontecendo com mais frequência e maior intensidade. De mocinhos passamos a ser vilões na proteção do bioma. A Amazônia no Acre clama por ajuda.
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