Análises

A Necessária Recuperação das Instituições da Agenda Socioambiental

Preparamos este documento sobre as instituições responsáveis por apoiar a agenda socioambiental de forma a refletir, com base em informações técnicas, e recomendar decisões e ações para melhor servir à sociedade

Nós, especialistas, cientistas, ex-dirigentes de instituições e representantes de organizações, preparamos este documento sobre as instituições responsáveis por apoiar a agenda socioambiental (como ICMBio, Ibama, Funai, Incra, Fundação Palmares, ANA e SFB, entre outras) de forma a refletir, com base em informações técnicas, e recomendar decisões e ações para melhor servir à sociedade brasileira.

Mensagem 

Não podemos continuar a construir políticas sociais e econômicas sem considerar, imediatamente, o compromisso com a qualidade ambiental, a conservação da natureza e os direitos sociais, inclusive dos povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais. Não podemos pensar em enfrentar a emergência climática e a ameaça de extinção de espécies, a perda de habitats e a degradação de ecossistemas sem políticas públicas adequadas à realidade e à necessidade do país. Tampouco podemos seguir com políticas de conservação sem o reconhecimento do papel fundamental e dos direitos e conhecimentos dos povos indígenas e comunidades tradicionais. A conservação deve ser instrumento de equidade, inclusive de redução das desigualdades sociais

Defendemos o bem-estar da sociedade, o enfrentamento da emergência climática, a defesa dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, o enfrentamento da crise de biodiversidade, a promoção do desenvolvimento em bases sustentáveis, inclusive com turismo responsável, valorização do patrimônio natural (inclusive genético) e cultural (inclusive simbólico diverso, histórico e arqueológico) do Brasil, conservação da biodiversidade, reconhecimento e valorização da sociodiversidade, promoção e realização de pesquisas associadas e vários outros potenciais.

Para o bem da sociedade, especialmente considerando a sua maior porção constituída pela população urbana e rural de menor poder econômico, dos povos indígenas e comunidades tradicionais e dos sistemas naturais (assegurando a qualidade dos ciclos ecológicos), precisamos recuperar e fortalecer as instituições, agentes de Estado, de competência na agenda socioambiental (as ambientais e as responsáveis por políticas públicas para a afirmação dos direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, como ICMBio, Ibama, Funai, Incra, Fundação Palmares, ANA e SFB, entre outras).

Essas instituições precisam de novos concursos, para pessoal qualificado, o mais rapidamente possível, para reestabelecer um quadro bem dimensionado, com competência técnica e gerencial. É necessário assegurar orçamentos adequados à complexidade envolvida nessas ações – ressaltando que não basta reestabelecer esses recursos em níveis insuficientes, pois eles precisam ser amplificados de forma significativa, em curto e médio prazos. Suas atribuições, responsabilidades e autoridades, legais e legítimas, precisam ser recuperadas imediatamente, garantindo sua relativa autonomia operacional, no plano do contexto institucional e legal vigente. 

De outra parte, nos próximos anos, devem ser pactuados planos estratégicos para que suas capacidades de ação sejam fortalecidas e ampliadas e os serviços dessas instituições possam ser melhor internalizados pela sociedade brasileira, com possibilidade real de melhor servi-la.   

Recomendações de ações mais urgentes 

  • Iniciar imediatamente a recuperação, tanto orçamentária (por exemplo, a muitos anos não se considera a desapropriação de terras em unidades de conservação que supõem o domínio público) e do quadro de pessoal (não só com recuperações pontuais, mas ampliando significativamente), com o restabelecimento de suas autoridades e competências (por exemplo, deixando de submetê-las às forças armadas).
    • (Não esperar a reconstituição do orçamento de todas as outras áreas prioritárias para, só depois, tratarmos da necessidade de recuperação das instituições responsáveis pela agenda socioambiental. Ver fundamentação ao longo do documento abaixo.) 
  • Definição de ações emergenciais para redução do nível de violência e ilegalidade, em temas como garimpos, desmatamento, ocupação e retirada de madeira, entre outras atividades, ilegais, em áreas como sudoeste do Pará, especialmente na área do rio Tapajós e entorno da BR-163, sudoeste do Amazonas, inclusive na área do rio Madeira, vale do rio Javari e Terra Indígena Yanomami, fronteiras amazônicas, entre outras, priorizando as instituições mais adequadas para cada caso (como Ibama, Polícia Federal, forças armadas), mas em conjunto e restabelecendo a autoridade das instituições competentes quando for o caso (Ibama, Funai, Incra etc.)  
  • Restabelecer e priorizar as instâncias colegiadas de governança, com participação da sociedade, seja de áreas protegidas, de programas ou políticas (como a PNGATI), seja de diretrizes de políticas públicas (como Conama e CNPI) ou das instituições (criando no caso que não existam).
    • Restituir o funcionamento do Conselho de Gestão (CG) da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), definindo objetivos, metas e indicadores que promovam ações para a implementação de todos os eixos dessa política, assegurada a participação indígena. 
    • Retomar o funcionamento da Comissão Nacional das Reservas Extrativistas Federais (Conarex), com preparação para propostas de melhor funcionamento das reservas extrativistas e similares (RDS, flonas, APAs).
  • Priorizar as condições para a possibilidade de que povos indígenas e comunidades tradicionais assumam funções públicas, com devido apoio a formação correspondente, inclusive no caso das reservas extrativistas e similares (RDS, flonas, APAs) e dos assentamentos ambientalmente diferenciados.

Recomendações de ações mais importantes, estratégicas

  • Construção de planos estratégicos para fortalecer as capacidades das instituições da agenda socioambiental, para uma gestão mais aberta, inclusiva, eficaz e equitativa, incluindo:
    • promover e respeitar os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, buscando as sinergias positivas entre a agenda da conservação da natureza e a agenda da sociodiversidade; 
    • promover soluções baseadas na natureza, especialmente para o enfrentamento às mudanças climáticas (evitando consequências tão danosas das enchentes e deslizamentos que se sucedem todos os anos);
    • promover a saúde e do bem-estar, especialmente entre as camadas de menor capacidade econômica nas cidades e áreas periurbanas por meio da melhor distribuição, melhor gestão e melhor uso de áreas protegidas, verdes e azuis;
    • estimular o desenvolvimento da bioeconomia a partir do uso sustentável da biodiversidade brasileira e valorização dos conhecimentos tradicionais associados, fortalecendo medidas de proteção e salvaguarda dos direitos dos povos, comunidades e agricultores indígenas e tradicionais guardiões desses conhecimentos; e
    • priorizar a promoção e distribuição de benefícios locais e regionais no entorno de unidades de conservação e outros tipos de áreas protegidas e conservadas, promovendo o desenvolvimento sustentável das regiões onde elas se encontram.
  • Fortalecer os sistemas de boa governança e participação, considerando a conservação da natureza e sua biodiversidade para a redução das desigualdades sociais e atendimento às questões sociais mais prementes. (Ver recomendação urgente.)
  • Promover parcerias, de múltiplos tipos, inclusive com organizações comunitárias e da sociedade civil, além de outros órgãos governamentais e setor privado, para viabilizar o cumprimento dos seus objetivos.
  • Fortalecer a capacitação para cada área de atuação mais importante, como unidades de conservação e outros tipos de áreas protegidas e conservadas e apoio a povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais, por meio da AcadeBio (do ICMBio), do Centro de Formação em Política Indigenista da Funai e outras estruturas de capacitação das instituições, e sua interação e integração transversais, oferecendo também para estados, municípios, povos e comunidades e privados. (Ver recomendações urgentes.)
  • Fortalecimento da contribuição das instituições da agenda socioambiental nas convenções, nos processos e nos acordos internacionais, especialmente Convenções sobre Mudança Climática, Diversidade Biológica, Patrimônio Mundial e de Ramsar, Mercosul, relações com União Europeia, UICN, EUA e OCDE etc.
    • Elevar a gestão do (sub)sistema federal de unidades de conservação para níveis internacionais, buscando melhor reconhecimento internacional, inclusive por meio de inscrição na Lista do Património Mundial, do reconhecimento como sítios Ramsar e do seguimento do padrão da Lista Verde de Áreas Protegidas e Conservadas da UICN.
    • Buscar a ratificação do Acordo de Escazú, para promover os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais na América latina e caribe, que prevê também mecanismos de proteção a defensores ambientais.
  • Fortalecer ou estabelecer sistemas e rotinas de avaliação e replanejamento da gestão das áreas e territórios e de programas aqui considerados, incorporando elementos fundamentais de governança e equidade, de forma participativa. Para os casos de povos indígenas e comunidades tradicionais, estes deverão ter protagonismo, metodologias adequadas a suas opções culturais e ser apoiados nessas tarefas. (Recomendação relacionada, inclusive, com a boa governança, com as parcerias, com o nível de reconhecimento internacional etc.)
  • Propor e defender que o ICMBio, a Funai e o Ibama sejam consideradas instituições permanentes de Estado (com relativa autonomia administrativa e nas decisões mais sensíveis em relação a ecologia e aos direitos dos povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais, seguindo políticas públicas legalmente definidas e prestando contas à sociedade e ao Congresso Nacional), reconhecendo o papel de polícia administrativa (por similaridade com a Polícia Federal, como polícia judiciária, e outras instituições) e que a escolha de seus dirigentes seja pública, seguindo critérios técnicos, e suas responsabilidades definidas em mandatos estabelecidos de 4 anos – aproveitando a tramitação da PEC 13/2022.
  • Estabelecer incentivos ou gratificações para atuação em locais com maior dificuldade de estabelecimento familiar (educação e saúde para a família, empregabilidade do cônjuge, transportes etc.). Associar a alocação nesses locais com estrutura de carreira e possibilidades de transferência de forma a estimular a presença de servidores, inclusive mais experientes, nesses locais, com compensação na evolução na carreira. 
  • Normalizar e estabelecer relações estratégicas com as instituições de fiscalização e controle, como Ibama, Polícia Federal, polícias militares e civis dos estados, forças armadas, conforme sejam adequadas para desenvolvimento de informações e inteligência, ou preparação para ações mais intensas e de acordo com a situação, sem retirar a competência e a autoridade regular das instituições da agenda socioambiental em cada caso. (Ver recomendação emergencial.)
    • O crescimento das atividades ilegais e do nível de violência, estimulados nos últimos anos, assim como o crescimento da organização e atuação do crime organizado, também vinculado a outras regiões do país, obriga a atuações mais enérgicas. Não obstante, isso deve ser feito escolhendo as instituições de controle mais adequadas para cada caso e fortalecendo a competência e a atuação das instituições responsáveis (como ICMBio, Funai, Incra e outras, conforme seja o caso).  
    • Sempre mantendo, em prazos mais adequados, a priorização das atividades de informação e inteligência e interação cotidiana com a sociedade local, o estabelecimento de sistemas de gestão sistemática dos potenciais conflitos e as possiblidades de solução amigável, quando possível e adequado, pelas instituições responsáveis (como ICMBio, Funai, Incra e outras, conforme seja o caso).  
  • Retomar a função do Ministério do Meio Ambiente na necessária coordenação nacional do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), promovendo, apoiando e orientando os subsistemas municipais, estaduais e federal. Promoção do melhor alinhamento internacional com as decisões e objetivos e metas do Marco Global de Biodiversidade, inclusive regulamentação nacional das áreas conservadas (outros mecanismos espaciais eficazes de conservação). 
  • Reorganizar o Ministério do Meio Ambiente. Retornar a ANA e o SFB para o MMA, indevidamente transferidos para outros ministérios.
  • Defender a conversão, da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) de decreto em lei, aproveitando a tramitação do Projeto de Lei nº 4347/21, elevando o nível do conteúdo do Decreto nº 7.747/2012, além de fortalecer o apoio da Funai para atuação dos povos indígenas nas agendas climáticas, de proteção e acesso aos conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético, em atuação nacional e internacional, inclusive em relação às Convenções sobre Mudança Climática e Diversidade Biológica e outros acordos e instancias (como Agenda 2030 dos ODS, junto à OCDE etc.).

Nota: 

Consideramos a agenda socioambiental incluindo principalmente a conservação da natureza, ou dos sistemas naturais e da biodiversidade, com distribuição equitativa dos seus benefícios à toda sociedade, e os direitos e políticas públicas voltadas aos povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais. Isso inclui as unidades de conservação e outros tipos de áreas protegidas e conservadas, territórios tradicionais, assentamentos ambientalmente diferenciados e fiscalização ambiental, entre outros. 

Defendemos a aliança das agendas climática, ecológica e dos povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais, juntamente com as soluções baseadas na natureza para enfrentar os principais desafios para reduzir as desigualdades sociais no Brasil e buscar o desenvolvimento sustentável. Esse enfoque deve servir para a relação com vários outros temas da agenda prioritária para o Brasil, tais como: produção de alimentos; educação; lazer e cultura; turismo; ciência e tecnologia; abastecimento de água; etc.  

Consideramos importantes as várias instituições do governo federal responsáveis pela agenda socioambiental (ICMBio, Funai, Incra, Fundação Palmares, Ibama, ANA, SFB, MMA etc.) e defendemos a sua recuperação, mas este documento dá mais atenção para algumas delas, seja por acesso a informações em tempo hábil, seja por especialidade ou conhecimento dos/as coautores/as. 

Este é o terceiro de uma série de três artigos, baseados em um documento técnico (disponível, com mais detalhes), de reflexão e difusão, que considera a organização das melhores informações e argumentos técnicos e científicos, entre outros, para orientar e fundamentar as ponderações e recomendações aqui apresentadas (também enviadas ao GT de Meio Ambiente da Transição Nacional). O primeiro artigo tratou da situação trágica da agenda socioambiental. O segundo artigo considerou com mais atenção nas unidades de conservação.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Cláudio C. Maretti

    Especialista em áreas protegidas de experiência internacional; pós-doutorando sobre conservação colaborativa na USP; consultor e voluntário.

  • Marta Azevedo Irving

    Professora titular e pesquisadora sênior do Colégio Brasileiro de Altos Estudos e do Programa Eicos de Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social da UFRJ

  • Sueli Angelo Furlan

    Professora, doutora em Biogeografia e chefe do Departamento de Geografia da FFLCH da Universidade de São Paulo (USP)

  • Maira Smith

    Bióloga, doutora em desenvolvimento sustentável, indigenista especializada, servidora da Funai, na Coordenação Geral de Gestão Ambiental.

  • Maria Cecília Wey de Brito

    Diretora Rel. Institucionais, Instituto Ekos, ex-secretária geral do WWf-Br, ex-secretária de Biodiversidade, MMA, ex-diretora, Instituto e Fundação Florestal do ESP

  • Nilto Tatto

    Deputado federal PT-SP, coordenador da Frente Parlamentar Mista em Apoio aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável; membro da Frente Parlamentar Ambientalista

  • Carlos Minc

    Deputado estadual no Rio de Janeiro, ex-ministro do Meio Ambiente

  • José Carlos Carvalho

    Engenheiro florestal, consultor em meio ambiente e sustentabilidade, ex-ministro de Meio Ambiente, ex-secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais

  • José Pedro de Oliveira Costa

    Primeiro secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e de Biodiversidade do Governo Nacional; pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP

  • Juliana Simões

    Bacharel em Ciências da Educação, foi secretária de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA e atualmente é vice- diretora da Estratégia de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais da The Nature Conservancy-TNC

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Comentários 2

  1. Trajano Gracia Neto diz:

    Análise e propostas de um conjunto de dirigentes e protagonistas na temática ambiental brasileira abrangentes e propositivas. Porém se nosso país continuar pagando a Dívida Pública e sobras de caixas dos bancos com as maiores taxas de juros no mundo, pouco avançará uma agenda de recuperação. Veja em http://www.auditoriacidada.org.br fundamentos macroeconômicos sobre esse quadro preocupante.


  2. Roberto Messias diz:

    Totalmente de acordo com todos os pontos abordados e ações sugeridas