Espaços públicos como parques nacionais e outras áreas dedicadas à proteção de ambientes naturais são delimitadas por governos no Brasil desde 1937, quando o presidente Getúlio Vargas assinou a criação do Parque Nacional de Itatiaia. Seus 30 mil hectares espalhados pela Serra da Mantiqueira marcam a divisa dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.
Nossa história também mostra que outros territórios eram defendidos pelo poder público desde quando éramos uma colônia portuguesa, lá pelo final do Século XVII, por exemplo para garantir a lenha que alimentava fornos de engenhos de açúcar e outras atividades econômicas. Um pouco desse enredo se lê em A História das Florestas (1989), do John Perlin.
Dois séculos depois e já na terra do Tio Sam, em 1864 era decretado o primeiro parque nacional do planeta, o de Yellowstone. Ele fica no estado norte americano do Wyoming e tem 900 mil hectares – trinta vezes mais que o primeiro parque nacional brasileiro.
Esse modelo de apartar pedaços do território, para que não sejam engolidos por atividades humanas como tudo a seu redor, ganhou força e se espalhou pelo mundo. Hoje há espaços voltados especialmente à conservação de ambientes mais selvagens em praticamente todos os países do planeta.
O Brasil só foi empacotar legalmente seu conjunto de parques nacionais, reservas biológicas, áreas de proteção ambiental e outras categorias de áreas verdes protegidas no ano 2000, quando o vice-presidente Marco Maciel validou a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o chamado SNUC. Neste sábado (18), se completou duas décadas de sua publicação.
Mas é costumeiro que muitas leis no Brasil virem contos de fadas por problemas especialmente de espaço político ou de falta de dinheiro para sua execução, seja público ou privado. A lei do SNUC sofre dos mesmos sintomas.
O orçamento da área ambiental não nos deixa mentir e enfrenta queda livre ao longo dos anos. De 2013 a 2018, os repasses ao Ministério do Meio Ambiente despencaram em R$ 1,3 bilhão, de R$ 5 bilhões para R$ 3,7 bilhões. À pasta foram autorizados apenas R$ 2,8 bilhões no ano passado. Os cortes atingem por tabela o ICMBio, órgão responsável pela gestão de todas as mais de 330 unidades de conservação federais.
Enquanto isso, o desmonte de políticas e de órgãos ambientais ganhou força no governo Bolsonaro e ocorre à luz do dia, mesmo sendo alvo de repetidas denúncias. Um novo resumo dos desvarios da gestão ambiental federal chegou esta semana ao Tribunal de Contas da União pelas mãos da Associação Nacional dos Servidores do Ministério do Meio Ambiente. Confira aqui a carta, que resume problemas de uso de dinheiro público a bloqueio de informações.
Mas os ataques governistas à proteção da natureza e de populações cujas vidas estão entrelaçadas à ela vão muito além. Um dos golpes mais duros propostos foi recortar em uma tacada só 60 unidades de conservação para acomodar a construção de estradas, ferrovias, portos e aeroportos. Assim a pequena política e o planejamento desintegrado encolhem o território nacional, forçando empreendimentos a atropelar a conservação de ambientes naturais.
Com esse manual debaixo do braço, governos amparados por parcelas atrasadas do setor privado eliminaram ou encolheram cerca de 90 reservas ambientais desde 1971, mostra análise da ong Conservação Internacional. Outras dezenas de propostas para redução dessas áreas surgiram no mesmo período e seguem tramitando no parlamento federal. O principal alvo são unidades de conservação na Amazônia e a maioria dos casos foi registrado a partir do ano 2000, justamente quando a lei do SNUC foi publicada.
Mas apesar de estarem sempre na mira dessa artilharia pesada, parques nacionais e outras unidades de conservação seguem movimentando economias e turistas através de trilhas, cachoeiras, paisagens e outros atrativos cada vez mais valorizados. O ano que passou viu mais de 15 milhões de pessoas cruzarem os portões de 137 unidades de conservação federais. O aumento é real e também graças a melhor contabilidade dos visitantes.
A visitação nestas áreas verdes cresceu 471% desde a criação do ICMBio, em 2007. Já o resultado do ano passado crava um aumento de 20% em relação a 2018, quando 12,3 milhões de visitantes ajudaram a manter 90 mil empregos, movimentar R$ 2,7 bilhões em renda e outros R$ 3,8 bilhões em valor agregado ao Produto Interno Bruto (PIB) e, ainda, injetar R$ 1,1 bilhão em impostos em economias dos níveis local ao federal.
Para se ter uma ideia do potencial abrigado no turismo de áreas protegidas, a visitação em parques nacionais nos Estados Unidos movimenta US$ 17 bilhões anuais, ou mais de R$ 90 bilhões. E as estimativas são de que mais e mais pessoas aproveitem ambientes naturais no mundo todo quando a pandemia de COVID-19 perder força. Não por acaso, profissionais de saúde e da área ambiental reconhecem que as saúdes humana e dos ambientes naturais são uma só.
Com números e projeções como esses na balança, salta aos olhos a importância estratégica da criação e fortalecimento de nossas áreas protegidas. Estudo publicado esta semana na plataforma ScienceDirect mostra que criar unidades de conservação e terras indígenas não prejudicou a economia de 516 municípios na Amazônia. Pelo contrário, os pesquisadores de instituições de ensino e pesquisa nacionais e de Miami (Estados Unidos) defendem que sua implantação é fonte certa de benefícios ambientais e econômicos.
“Unidades de conservação de proteção integral ou de uso múltiplo na Amazônia têm potencial para evitar o desmatamento de 143.000 Km2 e a liberação de aproximadamente 9 bilhões de toneladas equivalentes de carbono na atmosfera. Estes serviços, por sua vez, poderiam gerar receitas de cerca de US$ 35 bilhões se houvesse mercados para tais serviços. Finalmente, a cada dólar que o Brasil investiu no turismo dentro das Unidades de conservação, recebeu US$ 7 em benefícios econômicos”, ressalta o trabalho.
Ainda jovem e já com tantas boas histórias no currículo, que nosso SNUC encontre vida tão longa quanto os ambientes que protege.
*Publicado originalmente em Conect@ – Jornalismo e Comunicação
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