Na esteira da atividade de perfuração exploratória que a Petrobras pretende realizar na Bacia da Foz do Amazonas, alçada a polêmica palaciana após as desastrosas declarações do Presidente Lula acerca do trabalho realizado pelo Ibama, um tardio debate tem se realizado acerca dos caminhos do desenvolvimento do país e, por que não, do mundo.
O Diretor-Executivo de Transição Energética e Sustentabilidade da Petrobras, Maurício Tolmasquim, expôs sua opinião acerca da viabilidade de aumentar a produção nacional de petróleo e gás mantendo o Brasil como liderança global no necessário processo de transição energética que o mundo precisa realizar e com o qual já se comprometeu no Acordo de Paris. As ideias foram expostas no jornal Folha de São Paulo, no último dia 18.
Tolmasquim, que possui larga experiência no setor energético, defende que a demanda mundial por petróleo seguirá alta mesmo que as metas globais de combate à mudança climática sejam atingidas, uma vez que essa matéria-prima, que é uma das grandes vilãs do aquecimento global, possui diversos usos não energéticos e menos intensivos em emissões. O Diretor Executivo argumenta, ainda, que o principal setor emissor de gases de efeito estufa – GEE no Brasil não é o de combustíveis fósseis, mas sim o desmatamento – e a conversão das áreas florestais em outros usos, o que implica diretamente o agronegócio nacional, mas isso é outra faceta de um debate complexo. E para arrematar, Tolmasquim destaca que o petróleo brasileiro é menos intensivo em emissões de GEE, de modo que a produção brasileira teria papel relevante no combate às mudanças climáticas. Sim, esse argumento está sendo colocado na mesa.
Embora reconheça a emergência climática que o planeta já enfrenta, assim como diversos outros defensores da produção de petróleo, Tolmasquim parece não a levar muito a sério. Como integrante de uma empresa petrolífera, ele defende os interesses de quem lhe paga as bem escritas palavras, destacando os investimentos da Petrobras em energias renováveis e a necessidade de diversificação da carteira de produtos da indústria de petróleo em geral. Porém, em pleno 2025, quando a barreira de 1,5º C de aumento de temperatura global já foi ultrapassada, ninguém deveria ter orgulho de destinar apenas uma pequena fração dos investimentos para alternativas renováveis. Para colocar em números, o Plano de Negócios 2025-2029 da Petrobras prevê investimentos de US$ 111 bilhões, sendo que somente US$ 16 bilhões serão para renováveis. Prenúncio de uma transição lenta, gradual e que não verá a luz do dia. Isso sem considerar o cenário político nacional, que pode pegar a contramão da história já em 2026, assim como os EUA acaba de fazer com a eleição de Donald Trump.
A época dos negacionistas científicos definitivamente ficou para trás, já que há consenso entre os cientistas que as mudanças climáticas são uma realidade e o aquecimento global tem a ação humana em sua raiz. No entanto, assim como no passado recente, o grande marco climático a ser evitado era a concentração de 400 ppm de CO2 na atmosfera, o que foi ultrapassado ainda em 2023, à medida que os efeitos da crise climática se agravam, o negacionismo também se torna mais elaborado. Se antes era possível simplesmente afirmar que era tudo uma “invenção-comunista-globalista”, hoje é preciso lançar mão de termos como “petróleo de baixa emissão”, ou mesmo “petróleo verde”, o que seria uma grande piada, não fosse catastroficamente levado a sério. Esse negacionismo dissimulado e travestido de dados, muitas vezes confusos e pouco transparentes, tem sido a tônica do debate atual. Enquanto isso, a humanidade segue enredada nesse emaranhado de retóricas midiáticas bem elaboradas, que servem aos interesses das empresas e governos que seguem lucrando, enquanto botam o pé no acelerador do colapso climático.

Resta evidente que a imensa maioria dos líderes mundiais e as grandes empresas que os sustentam não darão conta da responsabilidade que têm nas mãos. Não por incompetência ou inabilidade, mas pela incapacidade de contrariar seus interesses em manter lucros e poder no curto prazo. Reduzir o uso de combustíveis fósseis é parte de uma mudança cultural necessária, uma mudança que atinja a nossa relação com os processos de produção e consumo e a própria lógica econômica vigente, pois foi ela que nos trouxe à crise climática mundial.
É urgente repensar nossa relação com os recursos naturais, reconhecendo verdadeiramente o papel fundamental que os coabitantes do planeta, plantas e animais não humanos, exercem para o equilíbrio e sustentação da vida. Devemos nos mirar nos exemplos que populações indígenas e comunidades tradicionais nos mostram todos os dias, mas que enxergamos como “atraso”. Não se trata aqui de pregar um retorno ao passado ou abandono completo de tudo que a humanidade construiu, mas sim de uma correção de rota, que considere nos parâmetros de desenvolvimento o equilíbrio socioambiental, as funções ecológicas de cada espécie e ecossistema e o reconhecimento das características e vocações de cada país.
Nesse sentido, ao invés de almejar ingressar em grupos que colaboram com a crise atual, é urgente que o Brasil trabalhe para que uma aliança de países florestais e megadiversos tenha o mesmo peso de uma Opep na arena global. Só assim será possível diversificar ambições globais, reduzir disputas e equilibrar a corrida contra a mudança climática. Uma corrida na qual, a cada dia, a catástrofe se aproxima da linha de chegada, enquanto nós mal nos demos conta do tiro de partida.
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