Análises

Ecologia integral: Igreja e sociedade civil pela preservação dos mananciais da Grande São Paulo

Três anos após nosso chamado à participação religiosa na defesa dos mananciais, veiculado pelo ((o))eco, o diálogo segue ativo a partir do projeto da Cidade das Abelhas

Thiago Lopes Ferraz Donnini ·
25 de março de 2025

Em 2021, ao lado dos fundadores do Parque Ecológico e Cultural Cidade das Abelhas, escrevi para ((o))eco o artigo “Como frear crises hídricas, as atuais e as futuras?”. Na ocasião, alertávamos para o avanço desordenado da ocupação urbana sobre áreas estratégicas de mananciais da Grande São Paulo, em especial o sistema Guarapiranga e Alto-Cotia, que abastecem milhões de pessoas na região metropolitana. Entre outras propostas, sugeríamos que as organizações religiosas, com forte e histórica presença neste território, se somassem de modo mais efetivo aos esforços pela preservação da água e da biodiversidade, atuando em sinergia com iniciativas da sociedade civil.

Desde então, temos mantido e aprofundado esse compromisso. Sob as diretrizes do Movimento Laudato Si’ – iniciativa global inspirada na encíclica do Papa Francisco –, nosso trabalho tem seguido duas frentes. De um lado, colaboramos com organizações da sociedade civil e coletivos que atuam na região sudoeste da Grande São Paulo em ações para conter a degradação ambiental e mediar conflitos socioambientais. De outro, temos focado na formação de crianças e jovens sobre a ecologia integral e a preservação dos mananciais.

Em 2025, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) trouxe novo fôlego a esse trabalho ao eleger a ecologia integral como tema da Campanha da Fraternidade. Nesse contexto, o Parque Cidade das Abelhas decidiu marcar a comemoração de seus 45 anos de atividades na mesma semana de abertura da Campanha, convidando representantes da Igreja Católica para um diálogo sobre os desafios socioambientais do território da Diocese de Campo Limpo. Esta circunscrição da Igreja abrange parte significativa da zona sul da capital paulista e os municípios de Embu das Artes, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba e São Lourenço da Serra – todos inseridos em áreas de proteção aos mananciais muito importantes na Região Metropolitana.

O evento, ocorrido no último dia 8 de março, reuniu Dom Valdir José de Castro, ssp, bispo diocesano e presidente da Comissão Episcopal para a Comunicação da CNBB, além de padres, religiosas e lideranças paroquiais da Diocese. Também foi uma oportunidade para fortalecer o diálogo com organizações da sociedade civil da região, como a tradicional Sociedade Ecológica Amigos de Embu (SEAE), a Sociedade Amigos dos Bairros do Ressaca e Caputera (SABRAC), o Observatório do Turismo de Juquitiba e a Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA). Estiveram presentes, ainda, autoridades civis e lideranças sociais.

Resgate da história local.

Durante as conversas, resgatamos a história de resistência ambiental da região, que remonta à década de 1970, quando a Igreja Católica, por meio dos missionários irlandeses da Sociedade São Patrício, articulou moradores e agricultores para se unirem ao movimento de ecologistas contra a construção de um aeroporto que colocaria em risco a Reserva do Morro Grande. Essa mobilização, somada a diversos esforços da sociedade civil, resultou, em 1979, na aprovação da lei de proteção da Reserva, garantindo a integridade de um dos mais importantes remanescentes de Mata Atlântica em São Paulo e de seus mananciais.

A Cidade das Abelhas, fundada logo após essa conquista dos movimentos ambientalistas, segue como um espaço de educação ecológica que acolhe milhares de crianças todos os anos. Mais do que ensinar sobre a importância das abelhas, o parque busca conscientizar sobre a conexão direta entre a conservação das florestas e a qualidade da água que abastece milhões de pessoas. Logo na entrada, a imagem de São Francisco de Assis saúda os visitantes, refletindo a proposta de unir espiritualidade, ciência e ação transformadora.

As lideranças da Igreja Católica reconhecem que a crise ambiental se agravou nos últimos anos, exigindo respostas cada vez mais firmes neste território ambientalmente estratégico. Um exemplo concreto desse compromisso é a tradicional Romaria das Águas, realizada todos os anos no mês de junho no território da Diocese de Campo Limpo. Nessa ocasião, fiéis de diversas comunidades se reúnem para simbolicamente “abraçar” a represa Guarapiranga, em um gesto público de fé e mobilização pela proteção da Casa Comum e pela preservação dos recursos hídricos que abastecem milhões de pessoas.

A partir do encontro na Cidade das Abelhas, abriram-se novas oportunidades de interlocução e ação conjunta entre a Igreja e as organizações da sociedade civil, impulsionadas pelo contexto da Campanha da Fraternidade. Junto à SEAE – que neste ano completa 50 anos de atividade –, percebemos a importância de mapear áreas que podem ter sua proteção jurídica fortalecida, inclusive como unidades de conservação, diante de ameaças iminentes, como o prolongamento da Rodovia Raposo Tavares (“Nova Raposo”), que poderá afetar drasticamente os mananciais entre Cotia, Embu das Artes e Itapecerica da Serra.

A SABRAC, por sua vez, demonstrou grande capacidade de articulação com autoridades locais, pautando temas cruciais do território, como saneamento, segurança e sinalização ambiental no entorno da Reserva do Morro Grande, que abriga o sistema Alto-Cotia de abastecimento, além de sua riquíssima biodiversidade. O Observatório do Turismo de Juquitiba, com sua excelência técnica, mostrou que é possível implementar atividades econômicas sustentáveis compatíveis com as áreas de proteção aos mananciais.

Na mesma direção, a unidade local da CSA destacou o potencial da agricultura regenerativa e da produção orgânica em um território que, em grande medida, abandonou sua vocação produtiva, apesar da proximidade com o centro da metrópole e do potencial para garantir abastecimento, produção limpa e conservação das águas.

Enfim, uma extensa pauta que, como lembrou o bispo Dom Valdir José de Castro, tem na Campanha da Fraternidade apenas o seu marco inicial. Que assim seja!

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Thiago Lopes Ferraz Donnini

    Advogado e professor de direito administrativo, foi pesquisador na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).

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