Análises

Eleições e Sustentabilidade: reflexões para uma agenda política

A variável “sustentabilidade” se demonstra marginalizada na cena política e, ao mesmo tempo, relevante para compreender boa parte dos principais problemas das sociedades modernas  

Mauro Guilherme Maidana Capelari · Elimar Pinheiro do Nascimento ·
11 de abril de 2022 · 2 anos atrás

A agenda da sustentabilidade historicamente é marginalizada em pleitos majoritários e proporcionais em vários países, inclusive no Brasil. Normalmente, temas de interesse dos candidatos giram em torno de debates sobre crescimento econômico, educação, saúde, emprego e, mais recentemente, sobre segurança pública, corrupção e inflação. A pouca relevância desta agenda é derivada de sua baixa capacidade de atrair votos ao aspirante a político.

De fato, a defesa de um modelo de desenvolvimento com características sustentáveis tem uma probabilidade elevada de retirar votos dos candidatos. Deriva, em complemento, da inexistência de um grupo social definido, coeso e mobilizado que lhe dê sustentação, na medida em que se trata de um tema difuso, vago. A estagnação e mesmo a queda de desempenho de partidos que carregam essa bandeira – PV e REDE, por exemplo – parecem sinalizar como a sustentabilidade é um tema marginal, um peso negativo no debate político. 

Paradoxalmente, cresce a sensibilidade do cidadão, sobretudo jovem, de grupos de interesses, da mídia, da academia e de setores econômicos, em particular grandes empresários, ao tema da sustentabilidade. O avanço de problemas socioambientais e os impactos gerados por estes na rotina da população parece ser um dos pontos cruciais desta inflexão. Crises hídricas, eventos climáticos extremos (secas e tempestades), desastres naturais, vulnerabilidade alimentar, migração e perda da qualidade de vida são alguns dos problemas que aparecem cada vez com mais frequência na vida do cidadão comum. Além disso, os riscos climáticos colocam em alerta a capacidade do Estado em lidar com ações adequadas de mitigação e de adaptação, ao mesmo tempo em que erguem dúvidas sobre a habilidade do setor econômico em manter-se na rota de crescimento em meio a um ambiente amplamente degradado. 

Nesse cenário ambíguo, em que a variável “sustentabilidade” se demonstra marginalizada na cena política e, ao mesmo tempo, relevante para compreender boa parte dos principais problemas das sociedades modernas é que se torna importante indagar: como transformar a sustentabilidade em uma agenda política relevante com representatividade no legislativo? 

Ainda que inicial e incompleta, parece que o caminho da relevância política, e sobretudo eleitoral, da sustentabilidade perpassa os seguintes aspectos:

  • Descaracterização da sustentabilidade como uma agenda de reivindicação do espectro político de esquerda. É necessário pensar a sustentabilidade a partir de um debate mais amplo e enraizado em múltiplas demandas e interesses da sociedade. 
  • Concepção da sustentabilidade como algo muito além da dimensão ambiental, presente em outras dimensões como a social, a cultural, a econômica e a geográfica, por exemplo. Pautas, portanto, sobre democracia, desigualdade, raça, gênero, diversidade cultural, emprego, cidades, moradia, mobilidade, saúde, instituições políticas são todas pertencentes à sustentabilidade. 
  • Aumento da participação de políticos no legislativo com perfil dedicado a esta agenda. Nos últimos anos, o perfil do legislativo veio se concentrando no que foi denominado de bancada BBB – bala, boi e bíblia. Na esteira dessa concentração, o retrocesso socioambiental foi gritante. Não há como construir um desenvolvimento com perfil sustentável com um legislativo primordialmente antisustentabilidade. É necessário e urgente a ocupação do legislativo por políticos mais representativos, primeiro da diversidade da sociedade (mulheres, negros, indígenas), e segundo, das demandas difusas reivindicadas pela sociedade em geral, como é o caso da sustentabilidade.
  • Criar mecanismos de comunicação política no âmbito da sociedade, com intuito de difundir a importância da proteção ambiental e exploração racional dos recursos naturais, como a manutenção da floresta em pé, garantindo a produtividade da agricultura do centro-oeste, contribuindo para a redução dos efeitos das mudanças climáticas, gerando emprego no reflorestamento e exploração de novos produtos como o açaí, que gera riqueza sem desmatamento. 

Essas indicações são apenas um anúncio breve e sucinto do que se pode e deve fazer para casar o sentimento social da importância da sustentabilidade e sua presença positiva e estimulante no mundo da política.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Elimar Pinheiro do Nascimento

    Sociólogo, professor dos programas de pós-graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Centro de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Amazonas

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