Análises

Encontro inédito reúne comunidades da África, América Latina e Caribe na Semana do Clima da África

Representantes de Uganda, Nigéria, Moçambique e Brasil articulam pauta comum rumo à COP30, destacando direitos territoriais e impactos da mudança climática em seus modos de vida

Tatiana Lobão ·
1 de setembro de 2025

ADDIS ABABA (Etiópia) — A Semana do Clima da África (Africa Climate Week) começou com um encontro inédito que aproximou comunidades locais da América Latina, do Caribe e da África. Representantes de Uganda, Nigéria, Moçambique e do Brasil se reúnem para articular uma agenda comum rumo à COP30, que será realizada em Belém, em novembro de 2025, em um movimento que reforça a centralidade dessas populações no debate climático global.

Participam da agenda Joaquim Belo, enviado especial para a Sociedade Amazônica, diretor de formação do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e integrante da Secretaria de Redação Interinstitucional da Associação Nossa Amazônia (Anama); Guilherme Eidt, coordenador de Políticas Públicas e Advocacy do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN); e Samuel Caetano, presidente do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), membro da Rede Cerrado e integrante da Comissão Internacional de Comunidades Tradicionais do Círculo dos Povos. 

Do lado africano, estão presentes Simon Longoli, liderança entre os povos pastoris da Uganda, vinculado à organização Karamoja Herders of the Horn, que trabalha no advocacy por direitos e modos de vida de comunidades pastoris. Ele também é um dos coordenadores do projeto da conexão entre os povos do Cerrado e das Savanas. Jaoji é uma liderança entre os povos pastoris da África ocidental, vinculado à Confederação de Organizações Tradicionais do Criadores de Gado da África (CORET), que promove a pecuária tradicional como forma de melhor gestão de recursos naturais. Crescêncio Pereira tem um histórico de trabalho com diversos povos tradicionais de Moçambique e tem trabalhado na amplificação de suas vozes nacional e internacionalmente – inclusive esteve no último Colóquio de Povos e Comunidades Tradicionais, compondo uma mesa sobre transição justa. Atualmente, trabalha na organização Athari. Todos lideranças dos povos pastoris que há séculos vivem da criação de animais em áreas áridas e semiáridas, desenvolvendo práticas de manejo sustentável da terra que hoje se mostram fundamentais no enfrentamento à crise climática.

Apesar das diferentes realidades, as falas revelam pontos em comum. Tanto nos cerrados e florestas do Brasil quanto nas savanas africanas, as comunidades enfrentam dificuldades crescentes para acessar e manter suas terras, pressionadas por grandes projetos de exploração agrícola e minerária. “A exploração da natureza pelas grandes empresas não muda só a paisagem, ela impacta diretamente o modo de vida das comunidades”, destacou Crescencio, uma das lideranças presentes. 

O encontro também reforça que a adaptação não pode ser apenas uma palavra de ordem nas negociações internacionais: ela precisa ser justa. Para os participantes, isso significa garantir que as medidas de enfrentamento à crise climática venham acompanhadas de uma discussão séria sobre direito territorial. Sem terra/território, água e vegetação asseguradas, não há futuro possível para os povos que mantêm vivas práticas de preservação e convivência sustentável com a natureza.

“O pastoralismo é, em si, um exemplo positivo de resiliência. Por gerações, nossas comunidades vêm se adaptando às mudanças do clima. Temos experiências e conhecimentos que podem contribuir de maneira concreta para a resposta global à crise climática”, afirma Simon Apalochubakori, jornalista e pesquisador de Uganda.

Na mesma direção, Samuel Caetano ressalta que os povos e comunidades tradicionais no Brasil também carregam séculos de resistência e enfrentamento às transformações ambientais. Para ele, é fundamental que essas populações sejam tratadas como protagonistas: “As comunidades locais sempre estiveram na linha de frente dos desafios climáticos e devem estar no centro das soluções. Reconhecer nossos modos de vida é reconhecer sistemas de produção e de convivência com a natureza que oferecem respostas concretas à crise que o mundo enfrenta”, disse.

Joaquim Belo, por sua vez, lembra que a floresta não é apenas cenário, mas parte viva do enfrentamento às mudanças climáticas. “O modo de vida das nossas comunidades tem tudo a ver com clima. O combate à mudança climática começa onde a floresta vive. A floresta em pé é resultado da forma como nossas populações a habitam e cuidam dela, e esse deve ser um ponto de partida para qualquer estratégia global”, afirma.

A articulação internacional entre as comunidades locais acontece em um momento estratégico. Mais do que somar demandas regionais, o encontro busca construir uma estratégia global com identidade própria, mas capaz de ser adaptada a cada realidade. O desafio é articular vozes e culturas tão diversas em torno de uma mensagem comum, sem perder de vista as especificidades locais. Apesar das diferenças políticas, sociais e culturais, africanos e comunidades brasileiras compartilham semelhanças profundas no modo de se relacionar com a terra, no uso coletivo dos recursos e na preservação da biodiversidade.

Para além de suas diferenças, os representantes reunidos demonstram que compartilham uma mesma urgência: garantir o direito de permanecer em seus territórios e de ter sua voz considerada na construção das soluções climáticas globais. Essa representação, destacam, precisa se traduzir em espaços formais de decisão já existentes, como o Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (FWG da LCIPP), onde três cadeiras seguem desocupadas apesar das declarações já firmadas pelos países. Também passa pela criação de uma constituency de Comunidades Locais formalmente reconhecida pela UNFCCC, capaz de assegurar que as demandas desses povos não fiquem apenas no plano simbólico, mas se transformem em participação efetiva nas negociações.

“Hoje avançamos na construção de bases comuns de diálogo e de critérios para a representação das comunidades locais em nível global. É um passo expressivo porque abre caminho para a formação de uma coalizão internacional que fortalece a demanda desses grupos por representatividade formal dentro dos processos de negociação climática. O que se coloca em jogo não é apenas a inclusão das comunidades como parceiras implementadoras, mas o reconhecimento de que elas são atores políticos, com voz própria e capacidade de moldar soluções. Esse reconhecimento é essencial para assegurar legitimidade e coerência ao regime climático, finalizou Guilherme Eidit, do ISPN.

A reunião foi promovida pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), organização filantrópica que se consolidou como a principal apoiadora de iniciativas climáticas no Brasil. Ao viabilizar o diálogo, o iCS reforça a presença das comunidades locais no debate internacional e amplia as expectativas de que a COP30 seja marcada pela participação ativa de populações que já lidam, há séculos, com os impactos das mudanças climáticas em seus territórios.

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