Análises

Metas para 2025: propagar a cultura oceânica e proteger, cada vez mais, o ecossistema marinho

No ano em que a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia aborda a cultura oceânica, a importância dos oceanos para a humanidade ganha destaque no Brasil

Eduarda Antunes Moreira ·
30 de janeiro de 2025

Em 2025, ano que marca o ponto médio da Década do Oceano (2021-2030), a cultura oceânica foi escolhida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) como tema da 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), que deve ocorrer entre outubro e novembro, colocando os ecossistemas marinho e costeiro no centro dos debates por todo o país.

O anúncio foi feito pela ministra Luciana Santos e pela diretora de Popularização da Ciência, Tecnologia e Educação Científica, Juana Nunes, ainda durante a 21ª SNCT, que ocorreu em Brasília entre os dias 5 e 10 de novembro de 2024. Tatiana Mazzo, professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) que atua em projetos de extensão voltados à cultura oceânica desde 2015, estava entre os participantes do evento e comemorou o anúncio: “Nós ficamos muito felizes! O oceano regula o clima, influencia em todas as águas, é bioeconomia, é agronegócio… as pessoas ainda não enxergam isso e acham que é um tema restrito, mas pelo contrário: é extremamente amplo! Será uma ótima oportunidade para o Brasil entender essa conexão”.

A essência da cultura oceânica é, justamente, a compreensão tanto da influência do oceano sobre a sociedade, quanto das consequências das ações humanas para os ecossistemas marinho e costeiro. Norteada por sete princípios básicos, ela aborda principalmente os aspectos socioambientais, mas também culturais e emocionais da relação entre a humanidade e o mar.

Fonte: Cultura oceânica para todos: kit pedagógico – Publicado em 2020 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco)

Maré de Ciência

O Maré de Ciência, programa de extensão da UNIFESP – Campus da Baixada Santista, é um dos principais agentes de propagação da cultura oceânica no Brasil. O programa surgiu em 2018 como um projeto de letramento científico e ciência cidadã voltado às crianças atendidas pelo Instituto Arte no Dique, localizado na Vila Gilda em Santos – SP. Com o passar dos anos, a ação pontual se tornou um programa amplo que hoje engloba diversos projetos de educação e conscientização.

O coordenador do Maré de Ciência, professor Ronaldo Christofoletti, pesquisador no Instituto do Mar da UNIFESP, também preside o Grupo Mundial de Especialistas em Cultura Oceânica, ligado à UNESCO. Por sua ampla atuação na área, Christofoletti foi o principal contato do MCTI para o planejamento de ações relacionadas à Década do Oceano, como as oficinas nacionais realizadas em todas as regiões do país, que culminaram na construção colaborativa do Plano Nacional de Implementação da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável.

“A cultura oceânica engloba todas as discussões que precisam acontecer para a concretização das ações da Década”, constata Tatiana Mazzo, que reafirma a grande relevância da 22ª SNCT: “É muito estratégico ter esse tema nesse momento, porque estamos exatamente no meio da Década do Oceano, além de ser o ano em que teremos a COP30 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas) em Belém do Pará”.

Mazzo participa do programa desde o início e ressalta o importante papel desempenhado pela iniciativa através de ações de ciência cidadã, participação em discussões sobre políticas públicas e aproximação com agentes do setor privado que tenham interesse em colaborar com a propagação da cultura oceânica.

Atualmente, os maiores projetos coordenados pelo programa são:

Olimpíada do Oceano (O2): projeto educacional voltado a pessoas de todas as idades, envolvidas ou não em instituições de ensino, com o objetivo de promover a cultura oceânica através de iniciativas divididas em três modalidades: conhecimento, projeto socioambiental, e produção artística, cultural e/ou tecnológica;

Escola Azul Brasil: um conceito que nasceu em Portugal e trabalha o tema oceano dentro do currículo escolar de forma transversal, desenvolvendo o pensamento crítico e criativo para engajar ativamente a comunidade escolar na cultura oceânica;

Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica: rede de gestores dos setores público e privado engajada e mobilizada na implementação de ações com foco na promoção da cultura oceânica.

Fonte: Site do Programa Maré de Ciência

A equipe do Maré de Ciência também participou ativamente da criação da chamada Lei da Cultura Oceânica (Lei Municipal nº 3.935/2021), que prevê a inclusão do tema no ensino formal das escolas municipais da cidade de Santos. O projeto, de autoria do vereador Marcos Libório, foi construído em parceria com pesquisadores da UNIFESP e tornou Santos a primeira cidade do mundo reconhecida pela UNESCO por estabelecer a cultura oceânica como política pública no currículo escolar. De acordo com Mazzo, atualmente cerca de 20 municípios brasileiros já possuem legislação semelhante.

Universidade Azul

Voltado à divulgação da ciência oceânica gerada por pesquisadores da costa semiárida brasileira, o projeto Universidade Azul – , oficialmente credenciado pela Unesco como uma ação da Década do Oceano – tem como principal objetivo a propagação da cultura oceânica regional. Coordenada pelo professor Marcelo Soares, pesquisador do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar – UFC), a iniciativa foca em duas principais frentes: a promoção de um curso de extensão sobre cultura oceânica voltado à qualificação de profissionais da Educação Básica, e a realização de exposições interativas que apresentam a cultura oceânica da costa do semiárido a um público amplo e diverso. Com o anúncio do tema da 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a equipe do projeto planeja ampliar ainda mais sua atuação na região, além de apresentar suas ações durante o evento principal da SNCT na capital federal.

A pesquisadora Clarissa Moretz-Sohn, que desenvolve seu doutorado sobre educação oceânica na UFC, é uma das coordenadoras do curso “Educação Oceânica na Costa Semiárida” e conta que a ação é dividida entre oficinas presenciais – com realização de coleta de água do mar, análises das amostras, estudo das correntes e da biodiversidade, entre outras atividades práticas, além das aulas teóricas online. O curso é ministrado por professores das Universidades Federais do Ceará (UFC), Rural do Semi-Árido (UFERSA) e do Delta do Parnaíba (UFDPar). A primeira edição, realizada em 2024 na cidade de Fortaleza, contou com a participação de 50 professores das áreas de ciências, biologia, física, química e geografia, que atuam em escolas municipais da capital e da região metropolitana.

De acordo com Moretz-Sohn, a qualificação de professores da educação básica é essencial para a ampla conscientização da nova geração. “O professor fala para a escola inteira, e isso acelera a disseminação da cultura oceânica. Trabalhando essa consciência desde cedo, isso vai se perpetuando. As crianças incorporam os pensamentos sobre o meio ambiente e ecologia, e isso gera muitos frutos”, analisa a pesquisadora. A segunda edição do curso acontecerá em março deste ano na cidade de Jericoacoara – CE. Pessoas interessadas em participar poderão se inscrever a partir de 10 de fevereiro através do link que será disponibilizado no instagram do projeto.

No mesmo período do curso, Jeri receberá, também, a exposição interativa “Cultura Oceânica na Costa Semiárida”. A atividade, que tem como objetivo apresentar os sete princípios básicos da cultura oceânica para um público externo aos espaços formais de ensino, conta com uma versão fixa, dentro da UFDPar, e outra itinerante, que é levada tanto para escolas quanto para outros espaços públicos, como praças e parques, de diversas cidades. “Pensando na divulgação científica, nós usamos a cultura oceânica como uma ferramenta para ampliar o conhecimento da população sobre a ciência dos oceanos, principalmente da costa semiárida, em espaços formais e não formais de educação”, explica a professora Eveline Aquino, uma das coordenadoras da iniciativa e pesquisadora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).

Willame Quaresma, graduando do curso Engenharia de Pesca na UFC, atua como monitor nas exposições itinerantes e afirma que o projeto atinge todos os tipos de público: nas escolas, são principalmente crianças, mas nas praças e parques os adultos e idosos que estão a passeio também demonstram um grande interesse pela atividade. “Nós ficamos com o sentimento de que todo mundo se encanta com o nosso trabalho, e que as pessoas saem dali com uma perspectiva totalmente nova, repensando seus atos, aprendendo sobre a Década do Oceano e entendendo qual o impacto que nós, seres humanos, estamos causando no meio ambiente” analisa Quaresma, e completa: “Através da cultura oceânica nós queremos popularizar informações científicas e romper barreiras, chegando também às crianças, jovens e adultos periféricos que nunca tiveram contato com esse conhecimento”.

Durante o ano passado, a exposição passou por Fortaleza – CE, Caucaia – CE, Redenção – CE e Mossoró – RN. Aquino enfatiza o fato de que o projeto chega tanto a cidades litorâneas, quanto ao interior: “Nas exposições realizadas no interior nós explicamos que a cultura oceânica não é um assunto só para quem mora no litoral, e que é importante que, mesmo longe da praia, as pessoas se preocupem com o que vão jogar na calçada, porque isso vai atingir o rio, e o rio vai levar para o mar”, exemplifica.

Sobre a Década do Oceano:

A Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, cujo lema é “A Ciência que precisamos para o oceano que queremos”, é um evento global proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a conscientização sobre a importância dos oceanos e a promoção de mobilizações que favoreçam a saúde e a sustentabilidade dos mares.

Sobre a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia:

A SNCT é o principal evento de divulgação científica do Brasil. Criada em 2004, é realizado anualmente pelo MCTI e ocorre simultaneamente em diversas cidades do país, abrangendo todas as cinco regiões, com atividades em locais públicos, escolas, universidades e unidades de pesquisa. Nos últimos anos, passou a contar, também, com um evento âncora em Brasília, com uma mega estrutura e espaços diversos e interativos, visando ampliar ainda mais o público, que é composto principalmente por estudantes da educação básica e suas famílias, além de professores, pesquisadores e divulgadores científicos.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Eduarda Antunes Moreira

    Mestre e doutora em Ciências pela USP, especialista em jornalismo científico pelo Labjor - Unicamp. Bolsista Mídia Ciência - Jornalismo Científico/FAPESP.

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