A Amazônia brasileira atravessa uma transformação histórica que pode redefinir o seu papel no clima do planeta. Depois de milênios funcionando como um gigantesco regulador atmosférico, absorvendo bilhões de toneladas de gás carbônico, partes significativas da maior floresta tropical do mundo começaram a fazer o movimento inverso: liberar mais carbono na atmosfera do que conseguem capturar.
As evidências científicas mais recentes, mostram um cenário complexo e regionalizado. Enquanto áreas do leste e sudeste da Amazônia já cruzaram a linha, transformando-se de aliadas em adversárias no combate ao aquecimento global, outras regiões mantêm sua capacidade de absorção intacta, especialmente territórios sob proteção indígena e unidades de conservação bem manejadas.
Diferentemente do que se imagina, a mudança não acontece de forma uniforme. A floresta amazônica demonstra alta resiliência em regiões onde a pressão humana é menor. O que a ciência demonstra é um mosaico de situações: enquanto algumas áreas já mostram sinais críticos de degradação, outras permanecem como importantes sumidouros de carbono.
O processo de transformação segue dinâmicas complexas e se aproxima do que os cientistas chamam de “tipping point” ou ponto de inflexão, que representa um limiar crítico que, quando ultrapassado, leva a grandes mudanças no sistema climático. O desmatamento reduz a cobertura florestal, o que diminui a evapotranspiração e consequentemente as chuvas locais. Com menos chuva, o risco de incêndios aumenta dramaticamente. Essa combinação cria um ciclo que se autoalimenta, empurrando trechos inteiros da floresta para além do ponto de recuperação natural. Uma vez ultrapassado esse limiar crítico, os danos se tornam extremamente difíceis, senão impossíveis, de reverter.

O aspecto mais revelador dos estudos é que as principais ameaças à estabilidade amazônica vêm de atividades humanas diretas e controláveis, e não das mudanças climáticas. Desmatamento, extração ilegal de madeira, grilagem de terras e uso indiscriminado do fogo representam as forças mais destrutivas atuando sobre o bioma. Esta constatação traz uma perspectiva paradoxalmente otimista: se os principais fatores de degradação estão sob controle humano, isso significa que também podem ser revertidos por ações humanas. A diferença entre um cenário de colapso e outro de recuperação pode estar nas políticas públicas adotadas neste e nos próximos anos.
A transformação parcial da Amazônia de sumidouro em fonte de carbono representa uma mudança considerável no orçamento climático mundial. A floresta armazena o equivalente a várias décadas de emissões humanas de gases de efeito estufa. Sua conversão progressiva em emissor efetivamente aumenta enormemente a quantidade de carbono que precisa ser compensada por outras medidas de mitigação climática.
A comunidade científica converge em um ponto: ainda existe uma janela de oportunidade para reverter as tendências mais preocupantes, mas ela está se fechando rapidamente. Os próximos 10 a 20 anos serão decisivos para determinar se a Amazônia retomará integralmente seu papel de reguladora climática global ou se continuará sua transformação em fonte adicional de emissões.
O sucesso dessa empreitada dependerá fundamentalmente da capacidade de reduzir drasticamente o desmatamento, fortalecer as Unidades de Conservação, as Terras Indígenas e os territórios de povos e comunidades tradicionais, proteger as terras públicas não destinadas e implementar políticas eficazes de combate aos crimes ambientais e aos incêndios florestais. A resiliência da floresta oferece esperança, mas apenas se as pressões humanas forem significativamente reduzidas. A questão central não é mais se isso é possível, mas se haverá vontade política e social suficiente para tornar essa possibilidade uma realidade antes que seja tarde demais.
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