Ao tentar explicar a gigantesca vertente de degradação do meio ambiente amparada por governos recentes no Brasil, uma onda de retrocessos sustentada pelos grupos setoriais que mantêm ainda a forte dicotomia entre a conservação e o desenvolvimento, há quem argumente que tal situação tem relação com o fenômeno do pêndulo: quanto mais ele se dirige para um lado, mas energia acaba conseguindo concentrar para, em seguida, gerar um movimento inverso, na mesma intensidade.
Esta argumentação é amparada na inferência de que os governos passados foram excessivamente favoráveis a uma agenda verde, dando suporte a avanços de tal forma importantes para a conservação que provocaram uma reação proporcional adversa. A tese dá conta, inclusive, de que os avanços anteriores, em última instância, representavam um tiro no pé, em função do inevitável revés que já estava previsto. Não deveríamos ter avançado tanto, caberia concluir.
A lógica apresentada parece ter algum amparo na realidade, sendo que nada mais óbvio do que esperar que as pressões políticas majoritárias tenham o poder de reverter uma tendência de avanços na pauta do meio ambiente, praticamente sem grande esforço. E que seguirão nessa toada sempre que possível, enquanto a premissa do desenvolvimento amparado pelo prejuízo coletivizado da degradação ambiental estiver sendo considerado como uma forma aceitável de desenvolvimento.
Mas há um problema de fundo nesse raciocínio, uma vez que os reconhecidos avanços, ocorridos em anos passados não podem ser considerados suficientes nem disruptivos a ponto de mudar cenários. A despeito do valor extraordinário das conquistas estabelecidas, em especial a partir da década de 1980, um processo ainda muito mais amplo de evolução nesse campo é demandado. É importante notar a relevância das conquistas passadas, considerando a frágil posição hierárquica da agenda ambiental e, portanto, sua limitada força política e capacidade de investimentos, que sempre foram medíocres, se comparados com outras áreas de atuação do governo e também da iniciativa privada.
Ou seja: o pêndulo para o lado da conservação se movimentou sim, mas ainda muito aquém das necessidades práticas que um déficit histórico de atenção, de parte de toda a sociedade, hoje somos obrigados e obrigadas a assumir. O que se observa, no entanto, é que mesmo com avanços limitados, essas conquistas geraram uma reação, esta sim, de grandes proporções, para o seu sentido inverso. É possível afirmar, inclusive, que nos últimos quatro anos retrocedemos tanto que a reversão de alguns processos de degradação podem não ser mais possíveis.
A contrariedade em relação à ideia da movimentação equilibrada em forma de pêndulo, nesse caso, é bastante evidente, pois parece não seguir as leis da física, uma vez que um razoável avanço positivo não pode ser usado como argumento para uma reação potencializada de enorme intensidade contrária. Cabe inferir, no entanto, que em nosso país a agenda de destruição nunca deixou de existir, sempre esteve presente e foi pouco controlada. Essa condição demarca, em boa parte, nossa forma de gerar riquezas – e com todas suas consequências negativas, de cunho econômico, social e ambiental.
Não há como justificar que “excessos” na evolução da questão ambiental de anos passados tenham motivado o movimento intenso e descontrolado pela degradação, senão a partir de um oportunismo perverso que abriu espaço para o incremento exponencial desta pauta. De fato, uma reação infundada, absurda e sem propósito. Governantes sem princípios, nem capacidade política mais elementar, que lhes permita mensurar com a devida responsabilidade o custo/benefício de medidas que são impelidos a tomar, sempre sob a pressão de grupos setoriais dominantes, são facilmente identificáveis nas suas práticas populistas correntes. Se de um lado promovem ganhos econômicos, mesmo que pontuais e seletivos, geram, em suas decisões, enormes prejuízos que acabam sendo assumidos por todos nós como uma consequência aceitável a ser assimilada.
Somos o país que sempre abriu precedentes à destruição da natureza a partir de argumentações que nos são muito conhecidas: como o “custo do desenvolvimento” a “necessidade de geração de empregos” o “atendimento a classes menos favorecidas”, o “compromisso de alimentar o planeta”, sem, no entanto, termos conseguido equacionar nossos desafios econômicos, sociais e ambientais, com enormes desequilíbrios que ainda não apresentam perspectivas de mudança na escala suficiente para mudanças de cenários.
Em última instância, nos identificamos bastante com a perspectiva de enriquecimento rápido, ou do “jeitinho”, práticas que se promovem à custa de danos a terceiros, em especial, os ambientais. Colecionamos, a partir dessas práticas, um enorme passivo, acumulado de forma expressiva, ao longo de cinco séculos de degradação. Não há como se estabelecer um enfrentamento aos desafios para reverter o quadro atual senão com uma pauta de ações de magnitude nunca imaginada. Talvez uma forma bastante adequada de perceber essa necessidade seja um movimento de pêndulo na mesma intensidade daquele, invertido, destruidor e intenso, observado nos últimos quatro anos.
A devida proteção do Patrimônio Natural precisa ser admitida com urgência como prioridade nacional, o que representaria uma atitude única na história. Já sabemos que essa pauta conversa com o combate às mudanças climáticas, com a mitigação dos eventos extremos, a adaptação com base nos serviços ecossistêmicos, além da manutenção e restauração dos incontáveis serviços que a natureza nos presta e dos quais dependemos criticamente – embora ainda não reconheçamos essa dependência na prática. E conversa também com o estabelecimento de agendas comerciais mais qualificadas com o universo de países que têm condições de nos garantir estabilidade econômica e uma balança comercial positiva de enormes proporções.
Necessitamos de forma premente do estabelecimento de uma pauta que respeite as prioridades para proteger a natureza nos diversos biomas e ecorregiões brasileiras, com diretivas consistentes, com base na boa ciência e na escala e na agilidade necessárias. Devemos reconhecer que serão pouco efetivas a efetivação das práticas usuais já experimentadas, em geral envolvendo ações demonstrativas, com recursos extremamente limitados e de pouco efeito da busca por mudanças de cenário.
Uma revisão profunda nas estruturas dos órgãos ambientais visando seu fortalecimento e interação efetiva com outras pastas, a busca por fontes de financiamento robustas para ações de envergadura adequada, uma aproximação determinada e colaborativa com o setor privado, que precisa assimilar uma nova forma de conduzir suas atividades, são medidas que, uma vez implementadas com qualidade, serão capazes de enfrentar concretamente as mazelas crônicas geradas pela degradação de áreas naturais no país.
Se o mundo está estendendo a mão para o Brasil, em busca de uma agenda positiva de desenvolvimento econômico, social e ambiental, no qual a conservação do patrimônio natural esteja adequadamente contextualizada, são investimentos ambiciosos, de grande escala, que devem ser oferecidos como oportunidade. A visão não pode estar pautada nas práticas e nas dimensões do que já foi realizado no passado, mas sim no que é necessário mudar no futuro próximo.
Nada menos que isso. E agora!
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