Andar sob as chuvas nas grandes cidades é um desafio. As águas correm sobre os pisos, se acumulam em algumas ruas, alagam os percursos dos pedestres, ciclistas e motoristas. Durante uma chuva, sob uma poça estava um padrão zigue-zague preto e branco: era o desenho do “piso paulista”, que reproduzia o Estado de São Paulo, criado por Mirthes Bernardes para um concurso da Prefeitura em 1965 – durante a gestão de Faria Lima –, que elegeria um padrão para as calçadas da cidade. E para a criação, a artista havia se inspirado nas ondas cariocas de Copacabana.
As icônicas “ondas copacabanensis” nem sempre acompanharam as do mar. As ondas da estreita calçada da orla eram perpendiculares à praia em 1906. Mas o padrão foi alterado nas reformas da década de 1920, para enfrentar as ressacas marítimas, invertendo e encorpando as agora paralelas ondas. No início de 1970, com consultoria de Lúcio Costa e Burle Marx, a largura do calçadão dobrou e as ondas foram amplificadas. O padrão “mar largo” do Rio de Janeiro agora incorporava uma brasilidade. Mas, apesar de parecer único, já ocorria anos antes no meio da Amazônia.
Em 1901 as ondas já fluíam no largo em frente ao Teatro Amazonas, em Manaus. O Teatro fora inaugurado em 1896, no auge do Ciclo da Borracha. O látex das seringueiras foi usado inclusive no calçamento em torno do Teatro, para amenizar o som das charretes que carregavam o público para as Óperas. Apesar de estar há mais de mil quilômetros do Oceano, as ondas pretas e brancas manauaras representam o encontro dos rios Negro e Solimões, que ali próximo se unem para formar o Rio Amazonas – por onde, séculos antes, adentraram os portugueses.
O “mar largo” original, representando outro encontro das águas – do Rio Tejo com o Oceano Atlântico –, foi calcetado por volta de 1850 na Praça do Rossio, em Lisboa. O mosaico português, de calcita branca e basalto negro, se tornaria uma tradição portuguesa, sendo reproduzida em diversas de suas colônias.
Mas foi na mesma São Paulo do “piso paulista” que surgiu um século depois outro mosaico popular: o piso de caquinhos. Nos anos 1950 a Cerâmica São Caetano, no ABC Paulista, produzia ladrilhos pretos, amarelos e vermelhos (o mais barato e popular). O processo simplificado gerava muitas perdas, acumulando resíduos que eram descartados – até que a catação dos cacos foi permitida pelos funcionários para o uso em seus quintais. Os pisos de mosaicos artesanais foram se popularizando pela classe operária até serem demandados pela classe média. E assim, o que era um resíduo se tornava um produto: inicialmente custando um terço das peças originais e subindo com a oferta e demanda – até se tornarem mais caros e forçar a quebra proposital de peças íntegras para atender o consumo.
Mas afinal, o que estes pisos têm a ver com as águas (além de se acumularem sobre estes nas chuvas)? Assim como cada pedrinha dos pisos de caquinhos e das ondas do “mar largo” formam mosaicos complexos, as soluções para que as chuvas não se acumulem nas calçadas e ruas também não devem ser centralizadas em peças únicas. Soluções descentralizadas precisam se tornar cada vez mais comuns nas cidades, como um mosaico de serviços ecossistêmicos múltiplos. Um pequeno Jardim de Chuva pode parecer insuficiente, mas vários Jardins podem fazer a diferença.
O Dia Mundial da Água, 22 de março, foi criado pela ONU durante a Rio-92, visando a preservação e a conscientização sobre os recursos hídricos. E no Dia Mundial da Água de 2023, a proposta é sermos como o beija-flor da fábula, que se esforça para apagar um incêndio na floresta carregando a água gota a gota em seu bico: fazendo aquilo que está ao nosso alcance. SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER VER NO MUNDO!
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