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Como se faz para perder a Amazônia

O Imazon, de Belém do Pará, conseguiu juntar num dossiê de 84 páginas tudo o que se precisa ler para saber como e por que o país está perdendo a Amazônia.

26 de junho de 2006 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Pressão Humana na Floresta Amazônica Brasileira é remédio amargo. Ruim para quem o engole. Pior para quem se recusa a engoli-lo. Resume em termos técnicos e muitos gráficos como os brasileiros estão perdendo a Amazônia, enquanto olham para outros lados. Leva a assinatura de seis pesquisadores e o selo de duas ONGs internacionais, o World Resources Institute e a Global Forest Watch, mas tem o sotaque do Imazon, o rigoroso e infatigável banco de dados regionais que funciona em Belém do Pará. Tem números de sobra para todos os desgostos. E até os dados que já passaram pelos jornais parecem mais graves assim, reunidos em suas 84 páginas de papel reciclado.

É dos 4,1 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia que os brasileiros extraem, pelo menos desde a virada do milênio, os recordes anuais que lhes garantem o primeiro lugar no campeonato mundial do desmatamento, com cerca de 42% das árvores derrubabas no planeta. Nesse campo, sem foguetório, estamos mais perto do hexa do que imaginamos. A prática já desmentiu há tempos o mito da floresta impenetrável. Pelo menos 47% da Amazônia têm marcas de “pressão humana”, visíveis da órbita da Terra por satélites de monitoramento. Podem ser sinais de presença “consolidada”, nos 19% ocupados por cidades, indústrias ou fazendas. Ou “incipiente”, nos 28% de clareiras abertas por madeireiras, garimpos ou pelas queimadas de lavouras rudimentares. Mas são o aviso de que praticamente a metade já foi, levada pelo esforço de ocupação que gerou mais atraso que progresso.

Ninguém escapa

Na Amazônia, como na Colônia, o Brasil ainda é conquistado pela pata do boi. A população urbana forma pequenas manchas no mapa. Somando-as, contando inclusive “depósitos de lixo e emissão de esgoto sem tratamento num raio de 20 quilômetros em torno das sedes de todos os 450 municípios amazônicos”, seu alcance mal passa dos 6%. É só 1% maior que o conjunto de assentamentos da reforma agrária. Mas o rebanho bovino quase triplicou na Amazônia Legal desde o começo da década passada. Passa hoje dos 64 milhões de cabeças. São 3,2 bois por pessoa.

Onde há focos de incêndio florestal fica difícil achar inocentes. A maior parte das queimadas concentra-se ao redor dos lugares povoados. Mas “o terço restante está em locais mais isolados”, na vizinhança de “comunidades caboclas tradicionais ou populações indígenas”. E nestes pontos as florestas ainda de pé sofrem “pressões menos intensivas, como a caça, a coleta de produtos florestais não-madeireiros e a exploração deletiva de madeira”. A reforma agrária vai alargando as frentes de desmatamento ao ritmo de 52.500 famílias por ano. Elas ganham lotes de 50 a 100 hectares, cestas básicas, crédito agrícola e dinheiro para levantar uma casa, mas nada é tão garantido quanto a primeira safra, que vem a ser a própria floresta, pronta para colher. Após “o esgotamento dos recursos madeireiros”, segundo o dossiê, suas “receitas tendem a ser relativamente baixas”. E, sem madeira para cortar, muitos assentados saem em “busca de novas frentes de colonização”. No Pará, “estima-se que entre 50% e 60%” dos lotes foram “ilegalmente vendidos”.

A ausência de governo, qualquer governo, é tamanha, que quase 30% das florestas oficialmente protegidas “estão sob pressão humana”. Há derrubadas em reservas extrativistas e territórios indígenas. As dentadas na vegetação chegam a 19% em unidades de conservação integral e a 37% em reservas militares. Graças ao mapeamento do Imazon, sabe-se que a região está cada vez mais picotada por estradas clandestinas, feitas no peito e na raça por madeireiros, fazendeiros e mineradores. Elas servem, antes de mais nada, “para a extração temporária de recursos de alto valor, como mogno e ouro”. Só no Pará, atingem 17 mil quilômetros, a maior parte cortando terras públicas, que cobrem 47% da Amazônia, mas são tratadas como terras de ninguém. Quer dizer, têm “situação fundiária incerta”. Sem deter sequer o avanço dessas rotas de pirataria, as autoridades federais, estaduais e municipais não podem nem fingir que controlam o saque da madeira nativa. O resto, como se sabe, vem atrás.

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