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A água levada a sério

Com 400 mil dólares da Mitsubishi,deslancha o projeto Oásis da fundação O Boticário. Ele pagará aos proprietários para manterem as matas que garantem a água de São Paulo.

1 de dezembro de 2006 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Reunido em Nova York dias atrás, o conselho da fundação Mitsubishi resolveu doar mais de meio milhão de dólares a programas sociais. Deu 150 mil dólares para uma ONG que cuida do Bronx. E distribuiu quantias modestas. Cinco mil para melhoramentos urbanos no Brooklin. Mais cinco para o jardim botânico da cidade. E teve a pachorra de pingar dois mil e quinhentos dólares no cofre de uma rede para comunicação entre estudantes.

Descontados esses caraminguás, o resto do meio milhão vem para o Brasil. Trocando esse resto em miúdos, são 400 mil dólares para gastar em 90 mil hectares na vizinhança da capital de São Paulo, nos próximos cinco anos. Pagarão os “serviços ambientais” de quem ainda guarda retalhos de mata atlântica entorno da região metropolitana, ajudando por tabela a alimentar a represa de Guarapiranga e, com ela, a torneira de uns quatro milhões de paulistanos.

Modelo de filantropia

Mantê-los não chega a ser um favor, porque esses fragmentos florestais se encaixam entre a reserva de Morro Grande e o Parque Estadual da Serra do Mar. Formam uma barreira verde ao avanço dos subúrbios, que transbordam a capital a perder de vista. Ficam em áreas de proteção ambiental, como a APA Capivari-Monos e a Bororé-Colônia. Estão em propriedades particulares que, em geral, têm limites demarcados pelas leis que regulam o uso da terra em beiras de rio, encostas íngremes, altos de morro ou mananciais.

Conservá-los é obrigação. Mas, nem por isso deixa de ser raro e difícil, porque essas leis, no Brasil, nem sempre querem dizer muita coisa. O dinheiro da Mitsubihsi ajudará a Fundação O Boticário, de Curitiba, a premiar em São Paulo as pessoas que fazem o que teriam que fazer, por sua conta e risco. O projeto se chama Oásis. A mensagem da Mitsubishi à Boticário, anunciando sua adoção, falava em mostrar o Oásis no Japão “como modelo de boa filantropia” – o que soa a novidade, numa época em que os brasileiros confundem filantropia com esmola e não enxergam os interesses sociais que se escondem por trás de investimentos no meio ambiente.

O Oásis promete bancar por dez anos a conservação de 2.500 hectares, estrategicamente espalhados pelas nascentes que abastecem São Paulo. Custará, ao todo, 12 milhões de reais. Não foi orçado para enriquecer ninguém, pois não é verba de campanha eleitoral. O dono de um pequeno tufo de mata com 10 hectares, assinando o compromisso de mantê-lo de pé, ganhará 4 mil reais por ano. Se tiver 500 hectares preservados, o contrato lhe renderá 52 mil reais por ano, como “pagamento por serviços ambientais”.

Mas, de quebra, os contratados receberão da Boticário o plano de manejo da reserva particular, ajuda para geri-la e a atenção que faz muita falta a quem se sente sozinho com suas árvores na periferia de São Paulo, espremido entre invasões cada vez mais constantes e autoridades cada vez mais inconstantes. Sobretudo quando se trata de acioná-las para reprimir derrubadas feitas por pobres em terreno alheio.

É uma fórmula que deu certo em outros países, como a Costa Rica. Mas está se aclimatando com atraso no Brasil, onde esse tipo de programa demora a vingar. Paga-se a particulares para manterem a mata porque ela – concretamente, em benefícios que podem ser medidos – melhora a vida de gente que até hoje se comportou como se não tivesse nada a ver com isso. No caso, trata-se de remunerar a “filtragrem natural da água” que os paulistanos consomem. Dito assim, parece simples. Mas o projeto se baseia em cálculos complexos do que vale, para os outros, um pedaço de floresta. Leva em conta a qualidade da vegetação e da água que passa por ela, o curso das torrentes e até existência de uma rede de esgoto no caminho.

Está em gestação há dois anos. Exigiu o cadastramento dos proprietários e acordos prévios com a secretaria estadual do Verde e do Meio Ambiente e com a Sabesp, do governo de São Paulo. Teve que se entrosar com uma universidade e com os comitês gestores das bacias. Deu muito mais trabalho e muito menos notícia do que ir a Brasília discutir com o presidente Lula um governo de coalizão, não se sabe bem para quê. Depois de aprovado pela fundação Mitsubishi em Nova York, irá à FIESP na semana que vem, para se apresentar a empresariado paulista e ver se santo de casa também faz milagre. É um modelo inédito. Se pegar e crescer, expandindo-se para o resto do país, certamente ajudaria mais o semiárido nordestino do que a transposição do rio São Francisco, sem ter os inconvenientes de uma obra eleitoreira, polêmica e faraônica. Só que o Oásis não é conversa de político e empreiteiro.

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