O Porto Sul pegou os baianos de surpresa, como os monstros marinhos de antigamente. Saiu do nada, no dia 31 de dezembro, embrulhado numa licitação que entregava à estatal Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., do Ministério dos Transportes, os estudos de uma ferrovia ligando ao Oceano Atlântico a sertaneja Caetité, a 757 quilômetros de Salvador.
Caetité, que até agora viveu de boi, urânio e manganês, foi promovida a exportadora de minério de ferro para alimentar recordes chineses de desenvolvimento insustentável. E a escolhida para pagar por isso foi Itacaré, melhor endereço turístico do litoral baiano.
O projeto chega esbanjando fôlego. Está montado em R$ 4 bilhões. É uma Parceria Público-Privada. Tem na fachada a Bahia Mineração Ltda. Embaixo, 300 milhões de toneladas de minério. E, na retaguarda, a sombra incomensurável de Hash Lakshmi Mitall, uma espécie de Eike Batista indiano, elevado à potência de US$ 50 bilhões. A infra-estrutura fica por conta do governo. E ela implica, fora a estrada de ferro, uma plataforma de embarque avançando mais de um quilômetro mar adentro e um novo aeroporto. Sua construção ameaça despertar do sono histórico os manguezais da região com uma usina de pelotização – que, sozinha, bastaria para garantir toda a poeira necessária para filtrar o sol dos hóspedes em hotéis cinco estrelas a mais de 20 quilômetros de distância.
Apesar do porte gigantesco, o projeto anda depressa e discretamente. Do réveillon para cá, recebeu do governo estadual um decreto, datado de 4 de janeiro, destinando-lhe uma das melhores paisagens à beira-mar e outro, no dia 18 de fevereiro, entregando-lhe 1.780 hectares em Ponta do Ramo – praia citada por cerca de 80 mil páginas turísticas na internet. Tudo isso enquanto o País achava que a Bahia estivesse tratando exclusivamente de organizar seu carnaval.
Os hectares que o governo quer desapropriar ficam numa área de proteção ambiental, a Lagoa Encantada, entre matas que sobreviveram à prosperidade do cacau e ganharam muito, desde os anos 90, com o curso que a economia regional conseguiu dar à própria decadência.
Mas o porto parece decidido a ignorar esses detalhes. É obra do PAC. E PAC não se discute, como tudo que é concebido no silêncio dos gabinetes e desovado em público com ensurdecedor cacarejo publicitário. O desmatamento da ferrovia, pelo menos, começou em Caetité antes de qualquer licença, denunciou na Assembléia Legislativa o deputado Paulo Câmera (PTB).
Tudo isso seria normal, pelo figurino do PAC. Mas, ali, o programa resolveu bater de frente com políticas públicas que vinham dando certo, para livrar Ilhéus da praga que a vassoura-de-bruxa jogou há 20 anos sobre a sua economia. É que o cacau arruinado deixou de herança aos baianos a cabruca, “floresta de chocolate” em que as plantações cresciam à sombra de árvores nativas. E essa rara combinação de mata com mar foi vista a tempo como um trunfo turístico, criando parques, reservas e pousadas que levaram à região, em 2007, cerca de 540 mil visitantes. Nada mau para um ano em que o governo do Estado investiu R$ 500 mil em turismo, ou menos de R$ 1 por cabeça.
Agora, as autoridades baianas fizeram a sua parte: anunciaram um porto que, por enquanto, serviu para paralisar investimentos de R$ 600 milhões em hotelaria.
Leia artigo da Instituto Floresta Viva sobre os danos do Porto Sul.
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