É impressionante constatar a pouca intimidade que nosso povo tem com o mato e, principalmente, com os animais silvestres. Podem ser desde pequenas pererecas, morcegos, sapos, aranhas, ratos, até animais de grande porte como lobos-guarás, onças e, evidentemente, cobras. Todos são vistos, em geral, como perigosos ou repugnantes.
Não é que não se aprecie animais de toda forma e cor nos programas tecnicamente espetaculares das TVs, ou em revistas e livros. Mas, no mato, que pode ser o Cerrado, a Caatinga ou o Pantanal, até a Mata Atlântica ou a Amazônia, todo mundo morre de medo dos bichos e por isso não consegue apreciar as belezas que esses diferentes ecossistemas oferecem. Fazer um passeio ecológico significa chegar de carro até a beira da praia com as ondas já lambendo os pneus, ou caminhar, de preferência pouco, em uma trilha larga e muito limpa, com guias preferencialmente armados. Mesmo os peões de sítios e fazendas matam todas as cobras que encontram pois, invariavelmente, na visão deles, são mortíferas. Qualquer bela cobra-cipó, ou a útil caninana e a linda jibóia viram nojentas jararacas na visão de homens do campo. Todo e qualquer morcego é um vampiro de telenovela, por mais que se explique que muitas espécies são frugívoras ou insetívoras e que não só não causam nenhum dano como são essenciais para o nosso bem-estar.
Agora, virou moda pensar-se que todos os ratos silvestres transmitem a hantavirose e que o melhor é queimar o mato ao redor das casas ou muito além. Os cidadãos não percebem que é por isso mesmo que os ratos silvestres chegam às suas casas. Os bichinhos vão à procura de alimento, fugindo de seus lares destruídos e enfraquecidos. Podem até ser vítimas de enfermidades e realmente contaminar seres humanos com a hantavirose. Mas, daí a achar que tomar um banho de cachoeira é mais perigoso que atravessar uma grande avenida em São Paulo ou Brasília… tem muita bobagem no meio.
E nós, os ambientalistas, temos a ilusão de que nossa gente vai aprender a amar e defender os parques nacionais. Que vão se emocionar com a visão de uma onça ou um lobo-guará, uma ariranha, um tamanduá-bandeira ou uma sucuri. Que vão adorar dormir ao ar livre, acampando. Bem, campings no Brasil viraram aqueles locais cheios de jovens de classe média alta, que chegam com seus potentes carros, que se enrascam em qualquer elevação e que, com poderosos aparelhos de som, se dedicam a fazer churrasco, beber muito e fazer farra, sem se preocupar se estão afastando os animais silvestres, estressando-os ou matando-os. Acordam muito tempo depois que belos pássaros poderiam ser vistos, ou outros animais de nossa fauna silvestre. Afinal, eles estão ali para descansar das reiteradas farras e noitadas e não para apreciar um bicho na natureza e, menos ainda, a natureza toda. Poderiam acampar e fazer o mesmo em qualquer outro lugar superpovoado, então por que vão para o mato?
As crianças, que muitas vezes gostam da natureza, são tão advertidas por seus pais e mestres dos perigos que passam também a temer e gritar até quando uma libélula ou uma borboleta aparece.
Lembro-me de um fato que me fez rir por muito tempo. Preparamos, amigos e eu com nossos filhos, uma ida ao Parque Nacional da Emas. Isso uns vinte anos atrás. O preparo foi cuidadoso e nossa ansiedade era tanta que devo ter passado a uma das amigas a fantasia de que o Parque Nacional das Emas era algo como um grande parque de diversões. Após 15 horas de viagem, chegamos exaustos com a criançada na sede do Parque, que não tinha sequer energia. A decepção da minha amiga foi tamanha que ela não se conteve e lascou: “Tereza, isso é Emas? O que nós viemos fazer aqui?”.
Lembro-me, ainda, quando levei um presidente do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal para visitar o Parque Nacional de Brasília. Era maio, o melhor mês para ver o Cerrado pois as sempre-vivas estão floridas, bem como as canelas-de-emas, as margaridas e tudo parece um jardim bem bolado por um grande paisagista. Além do mais, as águas subterrâneas que afloram e tornam a submergir, o famoso “peito de moça”, que é uma vazão em um topo de morro, os solenes buritis, as orquídeas terrestres, tudo é tão espetacular… no fim do dia lhe perguntei: “Então, o que você achou?”. E ele me respondeu: “Um cerrado bom para o gado, desperdiçado no Parque!”.
Recentemente, um vizinho meu disse que havia atropelado uma jibóia e concluiu que foi muito difícil matá-la, que ele teve de retroceder o carro para atropelá-la outra vez. Imaginem como pode se sentir uma ambientalista ouvindo estas asneiras que, aliás, são comuns e bem documentadas por pesquisadores em todo o Brasil!
Os motivos dos comportamentos relatados acima, relativamente habituais, são explicados por cientistas e muitos até dizem que, no fundo, a origem é a nossa religião que mostra, predominante, o mato e a fauna como “coisas dos demônios”.
Mas o que fazer para reverter este quadro? Como podem as crianças gostar e não temer o mato? Este é um grande desafio da educação ambiental: mostrar àqueles que representam o futuro, a beleza que só especialistas ou pessoas de rara sensibilidade estão acostumados a apreciar. Ensinar o belo, a natureza e as feras. Ensinar a ética de entender que não estamos sós neste planeta e que precisamos respeitar os outros seres vivos se queremos um futuro para nossa própria espécie.
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