A história recente da diminuição de parques estaduais em Mato Grosso é escandalosa. Em apenas dois anos, três parques estaduais importantes foram e estão sendo drasticamente mutilados em suas extensões territoriais originais, para dar lugar a mais plantios de soja. Estes não são, lamentavelmente, fatos novos na história do Brasil. Mas, ao contrário de outros casos anteriores, justificados pela presença de índios (Parque Nacional do Araguaia) ou pela necessidade de energia (Parque Nacional de Sete Quedas), neste caso não parece existir nenhuma imperiosa “razão de Estado” que justifique as reduções. O que há, para um ataque tão violento como rápido contra o patrimônio dos mato-grossenses, é a ambição fora de controle dos novos coronéis da soja.
O mais recente causo é o do Parque Serra de Ricardo Franco, que deverá ser amputado em 100.000 hectares para dar lugar às atividades econômicas (leia-se soja) de 50 proprietários rurais que estão em seu interior. Este Parque foi criado em 1997 com 158.000 hectares e o argumento para sua redução é que “o governo não tem dinheiro para indenizar os proprietários rurais que estão inseridos na proposta original”. Claro que o argumento é econômico. De uma parte é uma vergonha que esses proprietários não tenham sido indenizados. Mas de outra, esse mesmo fato resulta de uma economia míope, que só vê o presente e não mede os benefícios econômicos e sociais de longo prazo, nem mede tampouco os benefícios indiretos e os serviços ambientais fornecidos por uma área protegida. Menos, ainda, medem os custos sociais e ambientais da soja, em comparação com aqueles mencionados. Por esse critério, mais da metade das unidades de conservação do Brasil deveriam ser extintas.
Evidentemente, para executar este novo atentado ambiental, o Governo se ampara numa consulta pública. Esta foi realizada na terça feira, dia 9 de novembro, no município de Vila Bela da Santíssima Trindade, a 550 km de Cuiabá. O pessoal da região e as autoridades municipais, devidamente adestradas, adoraram a proposta. O prefeito de Vila Bela saiu com essa: “Nós somos favoráveis ao Parque, desde que não esteja em áreas produtivas”. Ô, cara pálida: primeiramente a biodiversidade não entende o jargão de “terra produtiva” e, segundo, com a moderna tecnologia e os transgênicos, onde estão essas áreas não produtivas? Ele tampouco se importa que seu município vá perder anualmente 156 mil reais pelo conceito de ICMS ecológico. Claro, para ele o que interessa é plantar mais soja. Possivelmente ele mesmo o faça, pois está deixando o cargo dentro em pouco.
O governo estadual oferece uma barganha: diminui o Parque em 100.000 hectares e cria uma APA de 70.000 hectares. Aqueles que não estão familiarizados com todos estes termos e categorias podem até pensar que o negócio da barganha não é tão ruim. Mas em um Parque o uso direto dos recursos naturais é proibido e a terra tem de pertencer ao Poder Público. Assim, nesta categoria a proteção da biodiversidade é total. Já em uma APA, a terra é de domínio privado em geral e se pode usar diretamente os recursos naturais. Pode-se inclusive plantar soja, que é o que eles querem. É sob o ponto de vista ambientalista um péssimo negócio, isso sim.
Bem, mas o causo do Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco não é isolado em Mato Grosso. Um decreto do Legislativo já pretendeu diminuir o Parque Estadual do Xingu de 135.000 hectares para 94.000 hectares. Digo pretendeu pois há uma querela jurídica em torno do assunto, isto é, se um decreto do Legislativo tem mesmo ou não, perante a nossa Constituição, o poder de diminuir uma unidade de conservação. Claro que na prática o estupro já foi cometido. O Parque Estadual do Xingu foi criado em 2001 e seu decreto de redução é de 2003. Antes se pensava que os Parques eram museus vivos para o uso da ciência e que eram para sempre. Agora duram poucos anos… O decreto é de autoria do deputado Riva, o mesmo que já propusera anteriormente a redução do Parque da Serra de Ricardo Franco. Pode-se falar tudo deste deputado, mas que ele não trabalha, não. O cara vive preparando projetos de decretos legislativos para acabar com os Parques de seu estado.
Como se não bastassem os fatos acima, há outros. Tramitou no Tribunal de Justiça de Mato Grosso o mandado de Segurança para cancelamento do decreto de criação do Parque Estadual Igarapés do Juruena, com área de 222.000 hectares, em uma ação aparentemente movida por madeireiros, pois a área é rica em madeira de lei. E o Legislativo aprovou por unanimidade decreto que tornou sem efeito o ato de criação deste Parque.
Mesmo sabendo que o Estado de Mato Grosso é o que mais queima e arrasa os recursos naturais no Brasil, cabe perguntar: o que vem depois, se nem as unidades de conservação sobrevivem? Os plantadores de soja que tanto dinheiro ganham e as autoridades constituídas deveriam, isso sim, pensar de forma mais moderna e serem os primeiros a proteger parcelas dos magníficos biomas que o estado abrange, senão como uma compensação pelo tanto que destroem, pelo menos para justificar o seu orgulho de ter uma natureza exuberante, com o Pantanal, Cerrado e Amazônia. Ou será que o Rei da Soja quer, de verdade, ser lembrado como um Átila — “Depois de mim, só a soja”?
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