Hoje em dia o ambiente de Brasília anda muito poluído. Não tanto pela fumaça das suas indústrias, que quase não existem; nem pela seca, que ainda não é agressiva; ou menos ainda pela falta de áreas verdes, já que o Distrito Federal mostra uma das mais altas percentagens de áreas mais ou menos protegidas em relação a sua extensão territorial. O ar de Brasília está poluído ou chafurdado na corrupção e na má reputação de políticos e autoridades e, por injusta extensão, na de todos seus cidadãos.
Esta bela cidade, patrimônio da humanidade, é freqüentada por uma plêiade de habitantes de outros rincões da nação, que sequer nela vivem, mas que fazem a sua má fama. São os políticos, ou os que se dizem políticos e que andam disfarçados de deputados e senadores, com seu frondoso entourage de puxa sacos disfarçados de assessores, bem como de homens e mulheres do alto escalão do executivo ou de outros poderes, que nem sempre têm por vocação o serviço público. E quem leva a má fama? A cidade e todos seus habitantes! A tal ponto que, os que moramos ou nascemos em Brasília, às vezes temos vergonha de dizer em alto e bom som que somos brasilienses, ou seja, orgulhosos cidadãos da capital do Brasil.
Sob as circunstâncias atuais, que já são tão freqüentes, balbuciamos bem baixinho, quase inaudível: Sou de Brasília. Aí já sentimos que os nossos interlocutores nos julgaram como ricos e quase seguramente corruptos, com base na reputação deste ou de outros governos. Vem cá gente…. A maioria dos nossos representantes e do nosso governo não é de Brasília, nem sequer a conhecem, nem muito menos seus arredores ou a sua cultura. Eles detestam e desprezam Brasília. Vêem aqui apenas para fazer fama, dinheiro ou ambos e, em contrapartida, deixam a má reputação e levam o dinheiro.
Os exemplos deste desconhecimento de Brasília e do bioma onde está inserida são às vezes hilários. Dos que mais gosto é os freqüentes incidentes com o pequi, uma fruta bem típica do Cerrado. Um conhecido senador, depois de dois mandatos, não conseguiu fugir do popular arroz com pequi e, claro, o imprudente mordeu o dito cujo, com todos seus espinhos. A machucada língua do senador, por uma vez sem movimento, apareceu na televisão e na imprensa nacional. O ridículo da cena da enfermeira, tirando da humilhada “sem osso” os espinhos da abençoada fruta, foi uma doce vingança local. O pequi, apesar de seus espinhos, é um importante alimento dos povos do Cerrado, que o comem in natura ou preparado em várias formas. Dele se faz sabão, óleo, licor e além do mais, muitos animais silvestres dele se alimentam. Mas o nobre senador não é um animal nativo do Cerrado e sequer sabe do bioma onde se situa o Congresso Nacional, a sua fonte de renda.
Tenho a impressão que a maioria dos políticos e acólitos que pululam em Brasília nunca foi ao Parque Nacional de Brasília, com seus mais de 30.000 hectares, a apenas poucos quilômetros da rodoviária e nem sabe que a água que bebem vem da barragem Santa Maria, cuja bacia de captação está totalmente protegida pelo Parque; ou muito menos já viu, na Reserva Biológica de Águas Emendadas, que engloba as nascentes das bacias da Amazônia, Paraná ou do Prata, ou sequer visitou o Jardim Botânico ou a Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou tantas outras unidades de conservação.
Muito menos visitaram as imensas favelas que florescem ao redor da cidade, problema deixado cuidadosamente nas mãos manhosas do atual governador do Distrito Federal que, aliás, tampouco é brasiliense e que, por isso pouco se importa com o agravamento dos problemas da cidade, em especial com os ambientais. Esses falsos políticos não ficam em Brasília nem um minuto a mais que o necessário para seus compromissos, negócios e prazeres e não dão a mínima para conhecer a realidade local e ajudar a resolver seus problemas. Assim, se acumulam semanalmente no aeroporto, em especial no fim do expediente das quintas feiras, ostentando seus ternos luxuosos e seus telefones celulares de última geração, em patética réplica de aves migratórias prestes a arribar para longe.
E quem sofre com isso? Os brasilienses ou, melhor dizendo, todos aqueles que nos últimos 40 anos decidiram aqui viver e criar seus filhos. A pecha de que a cidade abriga só ricos corruptos ou coisa pior é ofensiva, injusta e triste para com as mulheres e os homens de bem que nela moram e para os que muito fizeram, em cargos públicos ou outras atividades, o bem para o Brasil para Brasília. O que é triste com ondas de corrupção como a atual é que todos se molham, todos os brasilienses e, pelo que se vêem nas notícias mundiais, todos os brasileiros.
Em Brasília, além de uns poucos políticos dignos desse nome, perdidos na massa suja, existem inúmeros funcionários públicos respeitáveis, que fizeram da sua vida uma dedicação sacrificada a causas nobres e que, muitas vezes contra a corrente, construíram o que nosso país tem de bom e de melhor. Que dizer então dos cientistas e professores de universidades, que ganham uma miséria e são os responsáveis pela educação de nossos jovens filhos e, também, de futuros políticos? Da imprensa que descobre ou pelo menos divulga as maracutaias? De organizações não governamentais sérias que chamaram a atenção do mundo sobre a riqueza biótica e a necessidade de se preservar o Cerrado, este patinho feio e maltratado do país?
Brasília não é só a ilha da fantasia percebida pela maioria da população. Ela abriga gente como a que existe nas demais cidades. Gente de bem, de várias classes sociais, que não merece o desprezo dos outros brasileiros e não pode ser confundida com os corruptos, que por aqui passam e dela se locupletam.
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