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O impasse em Juruena

Consultas públicas deviam ser dirigidas aos interesses da nação, não só a madeireiros e pecuaristas. A prática gera fracassos inadmissíveis, como o Juruena.

24 de março de 2006 · 18 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

No mesmo momento em que acontece a COP-8, com uma série de seminários, exposições, discursos cheios de boas intenções e trabalhos que mostram como se está destruindo e acabando com a Amazônia e seu negro futuro, foi realizada a consulta pública para a criação do Parque Nacional de Juruena. Esse potencial parque nacional, com 1,85 milhões de hectares, localiza-se no norte de Mato Grosso e sudeste do Amazonas, entre os rios Juruena e Teles Pires. A consulta pública realizada em Apiacás (MT) foi um fracasso, se olharmos sob o prisma ambientalista. Não era para menos, pois foi assistida essencialmente por madeireiros, pecuaristas e políticos locais.

Este negócio de consultas públicas locais para a criação de unidades de conservação de uso indireto dos recursos naturais não dá em outra. Os parques nacionais não são bem vistos porque a terra tem de ser do poder público, exigindo desapropriação. Qualquer atividade de uso direto dos recursos naturais é proibida. Parques são para proteger a biodiversidade, os recursos hídricos, as paisagens. Só são permitidas em seu interior as atividades de pesquisas, ecoturismo e educação ambiental.

As consultas públicas são sempre respostas que traduzem os interesses locais em detrimento dos nacionais ou da humanidade. Infelizmente, para a pretendida criação do Parque Nacional do Juruena não se pode escapar de ouvir os madeireiros e políticos locais, porque assim reza a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Já escrevemos várias vezes aqui em O Eco a respeito dessa dificuldade de se convencer as comunidades do entorno em aceitarem áreas protegidas mais restritivas, como é o caso de parques nacionais.

Unidades de Conservação ou Áreas Protegidas de uso direto dos recursos naturais passam tranquilamente, e talvez esse seja um dos motivos do porquê de este governo estar preferindo criar mais florestas nacionais, reservas extrativistas e áreas de proteção ambiental do que parques. A outra saída é criar-se reserva biológica ou estação ecológica, que são categorias que excepcionalmente escapam das consultas públicas.

Interesse da nação

As consultas públicas deveriam ser dirigidas ao interesse da nação e não somente de madeireiros e pecuaristas. Pois quem, em sã consciência prefere a destruição dessa enorme área que a sua proteção? Só aqueles indivíduos que necessitam explorá-la para trazer mais dinheiro para por no bolso. Alegam que o estabelecimento do parque nacional trará prejuízos financeiros para a região. Isso é pura falácia, que lhes convém.

Quando o mundo científico vem demonstrando, com uma série de trabalhos indiscutíveis, o quão é importante se preservar os recursos hídricos, a biodiversidade, as paisagens para o desenvolvimento, vêm esses madeireiros, pecuaristas e políticos de meia tigela tentar, com enorme barulho, impedir a criação do parque nacional. Vão conseguir, pois o governador de Mato Grosso deu uma de Pôncio Pilatos para tentar agradar a gregos e troianos, e principalmente os candidatos a cargos políticos que necessitam de votos de lá, e fizeram coro aos madeireiros e pecuaristas.

Nem mencionaram que os municípios seriam breve e diretamente favorecidos com recursos de dinheiro vivo provenientes do ICMS ecológico e de não governamentais, instituições de pesquisas, agências multilaterais e ambientais. Tampouco consideraram o que o turismo ou ecoturismo poderiam trazer de benefícios no futuro, naquela região horrorosamente maltratada pelo desmatamento, pelas queimadas e pelas doenças. Nem falar sobre os benefícios indiretos como o da proteção dos recursos hídricos, paisagísticos, de flora e fauna silvestre, ou dos benefícios para a ciência, ou para a humanidade que necessita de recursos genéticos para se produzir o básico de nosso dia a dia, ou seja, alimentos, remédios e água.

O Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), elaborado pelo governo brasileiro com suportes técnicos e financeiros de várias agências como o WWF, Banco Mundial-GEF, GTZ e Funbio, foi previsto para ser executado em 10 anos. Tem como metas, entre outras, a criação de 28,5 milhões de hectares de novas unidades de conservação de uso indireto na Amazônia e 9 milhões de hectares de unidades de conservação de uso direto, ou melhor, dizendo, como reza a Lei, de uso sustentável.

Há recursos para isso e parece que há vontade política de alguns governantes. Mas o caso do pretendido Parque Nacional de Juruena é um bom exemplo do quanto as concessões políticas atrapalham aquelas metas. Sua primeira proposta, que data de 2002, lhe dava uma área total de três milhões de hectares. Já na última proposta perdeu 1 milhão de hectares. Assim mesmo, seu futuro é incerto.

Bichos não votam

Pobre país que assiste impávido à maior destruição de florestas tropicais do globo e mansamente deixa os governos decidirem, junto com os politiqueiros de plantão, sobre o impasse do estabelecimento de verdadeiras áreas protegidas. Aí então partem para as falsas, aquelas de “desenvolvimento sustentável” seja lá o que isso signifique. E nelas injetam os parcos recursos financeiros ora alocados para o manejo das unidades de conservação. Já as verdadeiras unidades de conservação ou aquelas de uso indireto de recursos naturais, como os parques nacionais, ficam a mingua. Claro, os bichos não votam.

Pobres ainda dos coitados dos três funcionários do Ibama que lá foram defender, com argumentos sólidos, a criação do Parque Nacional do Juruena. Contra a força não há argumentos, eles já sabem disso. Contra um ano eleitoral tampouco. O argumento é o número de votos.

Onde estão as não governamentais que labutam na Amazônia? Ou as instituições científicas que deixam os funcionários do Ibama desamparados? Onde estão os grandes jornais que não entram numa campanha como esta que só poderia engrandecê-los à luz da história?

O não estabelecimento desse parque nacional é assunto sério e triste. A paisagem resultante será aquela que estamos vendo na mídia quase todos os dias e parece que ninguém se importa: desmatamento, fogo e doenças, especialmente ao longo da rodovia BR-163, que une Cuiabá a Santarém. Deus, até quando?

Enquanto os mandatários, ou os que têm o real poder de mudar a situação estavam lá na COP-8 fazendo irreparáveis discursos para proteger a biodiversidade, os três pobres funcionários do Ibama enviados para a consulta pública da pretendida criação do Parque Nacional do Juruena enfrentaram sozinhos e desassistidos a sanha dos que lucram com madeiras e eleições.

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