A gente se acostuma a ouvir as palavras e, pouco a pouco, elas são assimiladas e utilizadas nos diferentes ramos da atividade humana. Existem palavras que, em inglês, são chamadas de buzzwords. Buzz pode ser traduzido como um som persistente ou um murmúrio confuso. Buzzword faz referência a palavras ou expressões freqüentemente sonoras, tão persistentes quanto confusas e que são, em geral, uma casca vazia ou apenas substituem outras palavras e expressões que seriam perfeitamente adequadas.
Provavelmente, nenhuma atividade tenha mais buzzwords que a área ambiental. De todas – e são centenas de palavras e frases – a mais notável é “desenvolvimento sustentável”, com suas variações e aplicações. Com efeito, fracassaram todos os esforços para convencer que “desenvolvimento sustentável” é diferente ou melhor que o velho “desenvolvimento”, ou que seu predecessor imediato, o “desenvolvimento racional”. Dentro de certos limites, o conceito de sustentável ou, pelo menos, de duradouro, é inerente ao de desenvolvimento. Se levado ao extremo, como foi mesmo a pretensão dos que inventaram o termo desenvolvimento sustentável, é uma impossibilidade física, matemática e biológica. Isso de crescer sem limites num espaço limitado com recursos proporcionalmente limitados simplesmente não existe. De outra parte, o termo anterior, “desenvolvimento racional”, era tão pouco racional quanto o novo, “desenvolvimento sustentável”. Com efeito, sendo o desenvolvimento (econômico e social) exclusivo à espécie humana e sendo esta uma espécie racional por definição, desenvolvimento racional vira uma redundância.
Algum gênio – e há muitos em torno das Nações Unidas – achou que o conceito de “desenvolvimento sustentável” era pouco e complementou-o com a palavra “humano”. Assim, há pouco mais de uma década, o já improvável desenvolvimento sustentável passou a ser chamado “desenvolvimento sustentável humano” ou “desenvolvimento humano sustentável”. Os iluminados que cunharam esse curioso complemento parecem ter esquecido, outra vez, que a única espécie viva conhecida que pratica “desenvolvimento” é a humana. Se eles queriam dizer que o desenvolvimento deve ser humanista, ou coisa parecida, resulta óbvio que eles não conhecem a descrição elaborada pela Comissão Brüntland, encomendada também pelas Nações Unidas, já superlativamente humanista, embora pouco racional.
Como se sabe, na aplicação do desenvolvimento, hoje, tudo é ou deve ser sustentável. Tem economia sustentável, sociedade sustentável, indústria sustentável, agricultura sustentável, mercado sustentável. Nas ciências florestais, por exemplo, o manejo florestal, que por definição aplicada durante séculos se refere à produção de bens e serviços florestais, passou a receber, também, o complemento de sustentável. Assim, hoje, é exigido fazer “manejo florestal sustentável”. A mesma coisa aconteceu com todas as ciências agrárias. É pura redundância!
A aplicação mais curiosa do conceito de desenvolvimento sustentável foi a criação, na legislação brasileira, de unidades de conservação denominadas “reserva de desenvolvimento sustentável”. Nunca foi explicado por que deve se “reservar” o desenvolvimento sustentável quando o que se preconiza é sua aplicação universal. Trinta anos antes, outros iluminados, dessa vez baseados na Unesco – o braço das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura – haviam criado outra categoria esquisita que batizaram, pomposamente, de “reservas de biosfera”. Curiosamente, nelas não se preserva a biosfera, existindo no seu interior enormes extensões sob intensa utilização e, inclusive, grandes cidades. A única coisa preservada nas reservas de biosfera são as unidades de conservação que existiam previamente. As reservas de biosfera são outro caso de redundância que também é perigosa, pois faz acreditar que a natureza pode ser preservada destruindo-a.
Cada congresso internacional desenvolve um enorme esforço para inventar um slogan que chame a atenção. Assim surgiram, por exemplo, Forest for People (“Florestas para as Pessoas”) e Parks for People (“Parques para as Pessoas”) que, quando analisadas, são expressões ocas ou tão contraditórias como o conceito de desenvolvimento sustentável. É evidente que, se o ser humano cria ou cuida das florestas e da natureza, está fazendo isso para as pessoas. Para quem mais poderia ser? Os autores desses slogans procuravam obviamente salientar o ponto de que a preservação dos recursos naturais não pode ser feita excluindo as pessoas. Mas são as pessoas, ou parte delas, que, querendo ou não, destroem a natureza. Conseqüentemente, se é necessário preservar a natureza para que as pessoas possam desfrutar dela ou de seus benefícios, devem ser excluídas aquelas pessoas que a destroem. Então, é óbvio que a mensagem desses congressos era exatamente contrária ao que esses mesmos eventos aparentemente buscavam, ou seja, proteger a natureza dos abusos das pessoas. E, por isso mesmo, esses eventos representaram, há pouco mais de uma década, o lançamento de uma imensa campanha de destruição da natureza, baseada na ilógica idéia de que é possível manter a natureza destruindo-a, o que é muito conveniente para exploradores e utopistas sociais, tão freqüentemente colocados em um mesmo saco e unidos contra a natureza.
Como resultado, apareceram os projetos que procuram a “conservação baseada na comunidade” (community based conservation) que, com algumas e muito honrosas exceções, apenas contribuíram para acelerar a destruição dos recursos naturais, desta vez com dinheiro que, na teoria, é dedicado à preservação ambiental. Atualmente, muitas agências internacionais não aceitam outorgar fundos para cuidar do ambiente que não sejam “projetos de conservação baseada na comunidade”, cujos recursos vão para postos médicos, escolas, pequenas indústrias, saneamento e habitações. Para cuidar da natureza, que os comunitários exploram, sobram apenas os discursos. É evidente que as fotografias dos alegres beneficiários destes projetos “ambientais” são mais politicamente corretas que as da flora e fauna que existiam antes.
Tampouco fica claro por que em português e espanhol se fala de “meio ambiente” em vez de dizer simplesmente ambiente. É outra redundância, uma vez que tanto “meio” quanto “entorno” e ambiente podem significar a mesma coisa. Prova disso é o uso freqüente das frases “ambiente econômico” e “ambiente político” pelos economistas e políticos respectivamente. Mais redundância.
Não se deve confundir as buzzwords com outra série de termos inventados recentemente e que cumprem, eles sim, alguma função. Por exemplo, “biodiversidade” abrevia bem diversidade biológica, assim como “efeito estufa” e “resgate de carbono” resumem, de modo bastante adequado, os fenômenos que descrevem. Pode-se aceitar que o termo “megadiversidade” e “países megadiversos” são igualmente úteis. Porém, outras palavras usadas recentemente são menos claras. Esse é o caso dos hotspots (“pontos quentes”) que se referem aos lugares que, mundialmente, destacam-se por sua concentração de diversidade biológica. E, agora, alguém inventou os coldspots (“pontos frios”) para indicar os lugares nos quais se concentram espécies em perigo de extinção. O fato de que hotspots e coldspots quase sempre coincidem faz pensar que um desses termos está sobrando.
Há muitas outras “buzzwords” por aí que foram criadas apenas para ornamentar uma palestra, dar um título atrativo a um livro novo, seduzir a gente e, obviamente, para chamar a atenção sobre um enfoque ou um ponto de vista aparentemente original sobre um tema antigo e bem conhecido. Isso é normal, lícito e até bem-vindo. Porém, como muitas destas palavras e frases, em geral ocas ou contraditórias, são apenas substitutos confusos de termos e conceitos pré-existentes, se transformam em dogmas que chegam até a servir como fundamento da legislação e de outras regras de conduta social. É bom, antes de acreditar cegamente nelas, analisá-las.
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