Como foi dito e como permeia o artigo anterior outra forma de apontar a diferença entre ambientalismo e protecionismo animal é o tema do valor ético ou importância da espécie versus o valor ético ou importância do indivíduo animal. Um pensamento elementar pode assumir que a somatória da morte por caça de indivíduos pode ocasionar o fim da espécie. Isso parece uma verdade óbvia, mas na realidade só acontece em casos especiais. A caça pode ter sido causa principal da extinção de alguns animais muito grandes durante a pré-história e, mais recentemente, também no caso de espécies das ilhas do Pacífico e, claro, agora ameaça alguns animais africanos ou asiáticos refugiados em poucos lugares por culpa da expansão da agricultura e da pecuária. Mas, em geral, a caça, ou melhor dito, a morte de indivíduos ou exemplares não conduz à morte (ou extinção) da espécie.
O exemplo mais ilustrativo é o da pecuária, em todas suas formas. A humanidade come carne de boi, ovelha, porco e frango desde os alvores da civilização e assim mesmo essas espécies ainda existem e são mais numerosas que antes na história do planeta. Cervos, porcos selvagens, tartarugas ou onças e pumas têm sido caçados por milênios e, apesar disso, até agora existem. A morte dos indivíduos de uma espécie não leva necessariamente à sua extinção. Ademais, a grande maioria das extinções de espécies animais, inclusive nas ilhas, foi ocasionada pela destruição dos seus habitats e de suas fontes de alimento e locais de refúgio e não por efeito da caça. Não é que a morte e a forma de executá-la não sejam importantes. Mas, isso não é o fator determinante da sua extinção na face da Terra. Ocasionar a morte de um ou de muitos indivíduos não implica assumir o papel de um deus do universo, muito menos quando os próprios deuses da maior parte das crenças da humanidade decidiram que o ser humano seja onívoro.
O ambientalismo considera que um aspecto chave da ética ambiental é evitar que a extinção das espécies de outros seres vivos seja porque elas são obras divinas, porque a extinção é uma perda irreversível, porque todas as espécies têm um papel a desempenhar na trama da vida sobre a Terra ou, simplesmente, porque muitos acreditam que a espécie humana não tem o direito de exterminar outras espécies. Por isso, o ambientalismo defende a conservação de amostras dos ecossistemas e da biodiversidade neles contida e a manutenção dos equilíbrios naturais dos que depende a vida no planeta. Na medida em que o uso dos animais e plantas não implica um processo de extinção dos mesmos, o ambientalismo cumpre sua função básica. O ambientalismo também defende a importância de usar de forma sustentável os recursos da natureza. Sua finalidade é beneficiar a humanidade de modo durável. Usar sustentavelmente os recursos naturais implica, simples e cruamente, ter que matar plantas e animais sem extinguir ou exterminar sua espécie, sua raça ou seus genes. O ambientalismo, por conseqüência, tampouco se opõe à atividade pecuária nem à agricultura, se estas respeitam regras que evitem, precisamente, a extinção de espécies. O ambientalismo não implica necessariamente crueldade para com os animais.
Claro é que os protetores dos animais tampouco querem a extinção das espécies. Eles acreditam que evitando a morte dos animais contribuem a essa finalidade. Mas, como antes explicado, a transformação da humanidade ao “vegetarianismo” muito provavelmente acelerará a destruição de ecossistemas terrestres e a perda conseqüente de espécies. A expansão e intensificação da agricultura para suprir o déficit de proteínas e gorduras provindas da carne implicam em maior uso de agroquímicos e em especial de agrotóxicos, o que não é bom para o entorno natural nem para os animais, em especial os aquáticos. Obviamente, já existe gente pensando que a agricultura deve ser completamente “orgânica”, seja lá o que isso significa, mas, como está demonstrado até a exaustão, esses métodos muito louváveis são de alto custo e de utilidade local e não permitiriam alimentar a mais de 6 bilhões de humanos.
A caça de baleias é um dos casos em que parece haver coincidência entre ambientalistas e protetores de animais. Nele se combina a caça de espécies muito grandes, fáceis de ser exterminadas e por isso em franco processo de extinção (o que preocupa aos ambientalistas), com um método de caça cruelmente ostentoso (o que preocupa mais aos defensores dos direitos animais). Isso pode ter contribuído a confusão entre ambientalismo e protecionismo animal. Também contribuiu as fotografias inquestionavelmente dramáticas, das matanças de adoráveis bebês focas sobre a neve e o gelo, tingidos de sangue. O fato curioso é que, apesar do espetáculo deprimente, essa é a forma mais humana de matar esses bichos. A questão com as focas é, outra vez, se elas têm o direito a existir como espécie e, até onde se sabe que as focas não estão ameaçadas pelas caçadas e sim pelas mudanças climáticas, em companhia de muitos dos outros animais dessa região, como o urso polar.
A ética permeia ou deve permear todas as atividades e atitudes humanas. E, obviamente, existe uma ética ambiental que se reflete no comportamento social, inclusive muitas vezes imposta através do direito ambiental. Evidentemente, a ética ambiental, que abarca uma enorme variedade de temas transcendentes, como os relativos aos bens comuns e ao bem estar humano, também inclui o comportamento da sociedade para com os animais (um elemento da chamada bioética) e implica em evitar o trato cruel aos mesmos. É obrigação legal em todos os países do mundo dar aos animais que servirão de alimento um trato o menos cruel possível, inclusive uma morte indolor.
Quando a filosofia impregna a legislação
A legislação depende das crenças, filosofia ou da atitude da maioria dos que legislam. Essa maioria nem sempre é a que tem melhor ou maior capacidade para fazer as escolhas que beneficiariam uma nação. No Brasil e em outros países, a confusão dos legisladores sobre o que é de uma parte o ambientalismo e, de outra, a defesa dos direitos animais, é evidente. Por exemplo, o artigo 32 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n° 9.605 de 12 de fevereiro de 1998) que enumera os crimes contra a fauna diz, textualmente: “Praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (o sublinhado é nosso) e indica para esses crimes uma pena de detenção, de três meses a um ano, e multa. Dito de outra forma, quem bate num cachorro ou não o alimenta, está submetido a penalidades da legislação ambiental como se essa espécie estivesse correndo risco de extinção e apesar de esses animais serem exóticos e muitas vezes prejudiciais para a fauna nativa. Protetores de animais se opõem, por exemplo, ao abate dos cachorros famintos que atacam a rara fauna nativa dos parques nacionais, como no caso do de Brasília.
O leitor estará pensando que esse texto legal não importa porque ninguém vai pretender aplicar uma bobagem dessas. Mas, se pensa assim está muito equivocado. As autoridades ambientais do país todo estão alagadas de petições desse tipo que abarcam desde queixas dos vizinhos pelos latidos de cachorros, ou denúncias airadas porque o gato da família levou uma pedrada do vizinho furioso pelos ruidosos hábitos amorosos do bicho, até demandas judiciais formais do Ministério Público contra os funcionários dos serviços ou institutos florestais ou do Ibama, que não “dão bola” a esses pedidos de intervenção. O Ministério Público não leva em conta que os funcionários dessas instituições têm que atender, em prazos peremptórios a centenas de assuntos realmente importantes, como desmatamentos sem autorização, tráfico de carvão vegetal, caçadas ilegais, contaminação de rios e lagos, pesca predatória, etc. Como a lei determina que os decibéis do canto do canário da vizinha ou a corta de mangueiras da praça de uma pequena cidade são assuntos ambientais, o Ministério Público não perdoa. De nada serve explicar que canários e mangueiras são seres domesticados, que nem sequer entraram legalmente no país e que, o que se faça ou não, com eles é irrelevante para o ambiente urbano ou natural.
Exceto quando fazem referência a animais selvagens, as normas sobre crueldade contra os animais devem estar incluídas nos corpos legais correspondentes, mas não na legislação ambiental e, menos ainda, na florestal. Comportamentos inumanos com os animais domésticos são crimes comuns e deveriam constar, por exemplo, na legislação criminal, porque praticá-los denigra o próprio ser humano. O comportamento cruel com os animais domesticados está incluído na legislação do setor agrário. Do mesmo modo não são as instituições ambientais e seus funcionários, nem a polícia florestal ou equivalente, as que devem ser chamadas para atender casos de crueldade para com os animais domésticos ou domesticados. A legislação atual está errada e deveria ser mudada.
Conclusão
Os direitos dos animais e a proteção contra a crueldade é um tema importante, embora não esteja diretamente relacionado com a temática ambiental, exceto no caso dos animais selvagens. As propostas do protecionismo animal não contribuem a aprimorar as relações humanas com a natureza, nem com as outras espécies e bem no contrário, como demonstrado, se levadas ao extremo podem ser nocivas ao entorno natural. As crenças e atitudes dos lutadores extremistas pelos direitos animais respondem exclusivamente a uma visão da ética ou da moral, que é respeitável, apenas na medida em que se aplique voluntariamente. O fato de que a humanidade seja majoritariamente onívora não prejudica a aqueles que preferem ser vegetarianos.
De outra parte ser ambientalista, ou seja, se preocupar pelas espécies mais que pelos indivíduos, não exclui poder ser assim mesmo um protetor dos animais e de praticar e defender o cuidado de animais domésticos ou ser vegetariano. Apenas, nesse caso, se deve saber qual é a diferença e o limite entre ambos os conceitos e perceber em que momento eles começam a ser mutuamente excludentes. O próprio autor cuida e ama seus animais domésticos e fez e faz todo o possível por evitar atos que possam implicar crueldade com qualquer animal e jamais perdeu a muitos de seus amigos que são puramente vegetarianos.
O extremismo em relação aos direitos animais revela tantas incoerências morais que resulta quase impossível compreender a sua mensagem. Por que a espécie humana deveria deixar de comer outros seres vivos se essa é a regra básica da vida sobre a Terra desde que existe vida nela? Porque os protetores dos animais não admitem que as plantas também sejam seres vivos e que, como bastante bem demonstrado, também sofrem quando se lhes mata? Porque os extremistas dessa tendência outorgam mais valor à vida animal que a humana? Em que fundamento moral se apóiam para tratar a seus animais domésticos muito melhor que a milhões de crianças pobres no mundo, contra os quais seus animais de estimação competem por recursos? E podem ser feitas muitas perguntas a mais, dentre elas as que foram discutidas em outras seções, como o fato de que os animais domésticos, por serem carnívoros, são muitas vezes prejudiciais a espécies selvagens ou; a falta de preocupação e de respostas dos defensores dos animais a questões como o controle de pragas agrícolas e de pestes humanas.
Pelo dito anteriormente se reitera que é injusto e errado confundir os ambientalistas, inclusive os mais radicais, com os protetores dos direitos animais, pois como explicado, a finalidade do ambientalismo é a melhoria da qualidade da vida da espécie humana através da conservação e uso sustentável dos recursos naturais. Em câmbio, os protetores dos direitos animais, que nem sequer declaram querer melhorar a vida na Terra, se guiam por princípios morais dogmáticos e, às vezes, comicamente ilógicos.
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