A China deveria entrar em alerta máximo por causa da piora da poluição ambiental e da deterioração ecológica. Quem disse isso foi o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao. Ele fez essa declaração na reunião que a Agência de Proteção Ambiental chinesa divulgou um relatório sobre o que chamou de “contas nacionais verdes”, com dados reveladores. A poluição do ar, da água e de resíduos sólidos teve um custo econômico para a China de US$ 61 bilhões, em 2004, correspondendo a 3% do PIB chinês. Essa análise do PIB chinês levou em consideração o impacto econômico da crise ambiental, a partir de um conjunto de indicadores ambientais e de pesquisa em empresas de todos os setores importantes da economia. É a primeira iniciativa de governo desse tipo, com tal alcance. Wen Jiabao concluiu, em nome da cúpula chinesa, que a proteção ambiental deveria ser a maior prioridade no movimento pela modernização do país.
A política na China ainda tem todos os cacoetes do comunismo autoritário. Lá, quando um tema é considerado desimportante pela cúpula dirigente, ele fica sob a responsabilidade de escalões inferiores, daqueles que se sentam no fundo da platéia nos congressos do Partido Comunista Chinês. Quando uma questão é julgada inconveniente, ela é censurada, e quem insiste em falar dela publicamente cai no ostracismo. Portanto, o que as autoridades de cúpula falam e a agência oficial Xinhua publica, é de alta relevância para o governo. Por isso merece toda atenção, a declaração do primeiro-ministro. É claro, como sabemos, que quem manda mesmo é Ju Jintao, o presidente. Na China é tudo ao contrário. Mas o primeiro-ministro é parte da cúpula dirigente e serve como seu porta-voz em muitas ocasiões.
A prioridade ambiental na China não deriva de preocupações científicas, nem de uma postura humanista ou ecológica. Nasce da necessidade. O país já está diante dos limites físicos determinados pela pegada excessiva da sociedade sobre o meio ambiente. A hipótese dos ambientalistas de que a pegada ecológica desmesurada levará à crise societária, na China já é realidade. E não é por acaso. O espantoso crescimento do país, por vários anos, usando recursos locais e mundiais em quantidades alarmantes, encurtou o espaço de tempo em que a agressão continuada ao ambiente se volta contra o desenvolvimento.
Os problemas são tão monumentais quanto o crescimento chinês. O documento oficial não poderia ser mais explícito, mesmo considerando a linguagem típica do Partido Comunista: “embora o crescimento econômico caracterizado por alto consumo, alta poluição e alto risco, tenha seu próprio significado histórico para a China, a economia chinesa, atualmente enfrentando um gargalo de recursos e energia, não pode suportar mais riscos de exaustão de recursos”. E diz mais, “a sociedade chinesa também entrou em um período de emergência de vários conflitos, com uma renda per capita em torno de US$ 1000 – US$ 3000 (sic), e não poderia tolerar quaisquer problemas sociais causados pela poluição ambiental. O Comitê Central do Partido Comunista Chinês estabeleceu o conceito de desenvolvimento científico e construção de uma sociedade harmônica na China, para construir uma sociedade amigável ao ambiente e voltada para a conservação de recursos”.
O documento do governo chinês reconhece que o levantamento ainda é parcial, portanto nem todo o custo ambiental foi considerado. E se compromete a aprofundá-lo, para chegar à melhor estimativa possível. Ainda assim, os dados são suficientes para se saber que a China já enfrenta os graves problemas sociais causados pela poluição ambiental, que o governo diz que não seriam toleráveis. Segundo esse levantamento, 300 milhões de chineses, o equivalente a 1,6 vezes a população brasileira, não têm acesso a água potável segura, nas áreas rurais. Nas áreas urbanas, 400 milhões respiram ar “pesadamente poluído”, mais de duas vezes a população brasileira, e 15 milhões sofrem de doenças respiratórias causadas pela poluição ambiental. Segundo a Administração Estatal de Florestas, a desertificação de 18% do território chinês afeta atualmente 400 milhões de chineses, mais de 170 milhões de hectares, causando perdas econômicas de quase US$ 7 bilhões por ano. Uma tempestade de areia, em abril passado – só este ano foram 17 de gravidade-, cobriu 1/8 do território chinês e despejou mais de 300 mil toneladas de areia em Pequim. As tempestades de areia e a desertificação são fenômenos naturais, porém na China muito agravados pelo desmatamento e pela destruição de campos naturais, que são barreiras naturais à areia.
O levantamento revela, também, que para dispor ou tratar de todas as fontes de poluição consideradas, em 2004, teriam sido necessários investimentos equivalentes a 7% do PIB chinês. De lá para cá, o crescimento continuou na casa dos 10% ao ano, portanto, todos esses valores já são maiores. A conclusão é que o crescimento do país está no mínimo 20% acima do sustentável, tanto ambientalmente, quanto do ponto de vista da disponibilidade de recursos, o que é uma vasta subestimação. A China gasta montanhas de dólares com despoluição, reflorestamento, gestão de desastres, principalmente tempestades de areia, limpeza ambiental de poluentes e de areia.
Não é só a desertificação que afeta a economia chinesa, reduzindo a área agricultável do país. A falta de água para irrigação é um problema dramático. E a chuva ácida já atinge 1/3 do território chinês, prejudicando agricultura e transformando o país em voraz importador de alimentos. Entre janeiro e junho deste ano, a quantidade de matéria orgânica nos esgotos de água subiu 3,7%, em relação ao mesmo período de 2005, totalizando quase 7 milhões de toneladas. A emissão de SO2 (dióxido de enxofre) cresceu 4,2% no mesmo período, ultrapassando 12 milhões de toneladas. O governo diz que esse crescimento se deve ao consumo de energia, urbanização acelerada e aumento do volume de água poluída.
Energia é outro problema angustiante e aterrorizante no pesadelo chinês. Li Tieying, vice-presidente do Alto Comissariado do Congresso Nacional do Povo, descreve a situação energética da China como “grave” e diz que o esforço de conservação está muito aquém das necessidades chinesas. Segundo ele, a maior ameaça atual para o desenvolvimento continuado da economia e da sociedade chinesa e para a segurança econômica do país é a escassez de energia. O setor secundário da economia tem uma participação muito elevada na economia nacional, explica, e ela depende de energias não-renováveis, principalmente carvão e petróleo, além do gás natural. A China consumiu quase 40% de todo o carvão mundial e quase 10% do petróleo, para um volume de produção doméstica bruta que representa apenas 5% da mundial, diz o relatório de Li Tieying sobre a implementação da lei de conservação de energia.
Ele acusa as autoridades locais de colocarem o crescimento de suas províncias acima das possibilidades do país e da conservação de energia. Critica duramente a “incompetência técnica” e a falta de respeito pelas leis de conservação de energia, que levam a grande desperdício energético.
O ministro das Finanças da China anunciou a decisão de aumentar os investimentos em projetos de desenvolvimento de bioenergia e outras fontes alternativas para o período de 2006 a 2010. A decisão está diretamente ligada à convicção das autoridades de que o crescimento chinês está severamente ameaçado pela escassez e dependência de energia e por seu custo ambiental.
O pesadelo ecológico chinês não é um sonho ruim. É uma terrível realidade. O governo chinês está alerta e preocupado. Como lá o poder é hipercentralizado, isso significa que está, também, tomando medidas sérias a respeito. O problema é que o prazo de maturação dessas medidas pode ser maior que o necessário para evitar um colapso econômico por razões físicas, ambientais e de escassez de recursos naturais.
Esse pesadelo se repetirá em outros países, como a Índia e o Brasil, embora entre nós possa demorar mais porque nosso crescimento tem sido lento. A questão chave é se todos vão, como a China, esperar que os custos se tornem insuportáveis, para então agir, ou adotarão um rumo mais inteligente, agindo antes, inspirados pela lição chinesa do apocalipse. a
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