A globalização da consciência ambiental é um fenômeno recente. No seu livro Red Sky at Morning, o ambientalista americano James Gustave Speth descreve a evolução dessa consciência, as diferenças com relação ao estágio anterior, o estado atual e sua visão de futuro, que pode surpreender muita gente.
Gus Speth, um veterano ambientalista, ocupa hoje o cargo de diretor (“dean”) da escola de estudos florestais e ambientais da universidade Yale, um dos principais centros acadêmicos dedicados ao assunto. No livro Red Sky at Morning: America and the Crisis of the Global Environment (Yale Univeristy Press, 2004, US$ 24), ele procura mostrar que a crise ambiental atual é diferente daquelas do passado recente, e requer uma mudança nas técnicas empregadas para atacar problemas ambientais.
Speth carrega na tinta para descrever a crise que vivemos. A explosão da população mundial e o crescimento prodigioso das economias no século XX produziram ganhos enormes de saúde, educação e padrões de vida (para alguns), mas o custo para o meio ambiente foi muito alto. Agressões tradicionais como a produção de fuligem e de resíduos sólidos e líquidos cresceram, deixando de ser problemas locais e tornando-se regionais ou nacionais; somaram-se a elas os produtos de novas indústrias, como a química e a nuclear. Habitats foram destruídos, e espécies foram extintas.
Mas o que diferencia o momento atual das crises ambientais do passado, segundo Speth, é a posição ética da espécie humana. Em primeiro lugar, a atividade humana atingiu a escala global – tanto do ponto de vista da atividade econômica quando do seu impacto ambiental. A destruição da camada de ozônio pelos gases CFC e o aquecimento global são exemplos desse tipo de impacto. Segundo, muitas das economias do mundo continuam crescendo rapidamente, o que implica em custos ambientais consideráveis. A conseqüência disso tudo para o autor é que precisamos assumir a responsabilidade de gerir ativamente o planeta. O argumento é até certo ponto contraditório, pois Speth afirma que tanto a prosperidade quanto a miséria causam destruição ambiental. Mas essa objeção não chega a desmontar completamente o raciocínio.
O problema, ele argumenta, é que não estamos preparados para assumir essa responsabilidade. A história do movimento ambiental mostra, segundo ele, que foi relativamente fácil obter sucesso quando os problemas eram locais, altamente visíveis, e de solução não tão cara. O último grande sucesso foi o Protocolo de Montreal, de 1987, que limitou a produção dos gases responsáveis pela destruição da camada de ozônio. Speth analisa o caso, que guarda alguma semelhança com o Protocolo de Kyoto, buscando identificar as razões pelas quais ele deu certo. O apoio do governo americano foi decisivo, mas não foi a única razão, segundo ele. As ONGs também tiveram um papel importante na medida em que foram capazes de definir os termos do debate público, auxiliadas pela descoberta do buraco na camada de ozônio sobre a Antártida. E no final das contas a empresa americana DuPont auxiliou a causa quando admitiu que seria capaz de desenvolver substitutos para o CFC em um período curto de tempo.
Infelizmente, as circunstâncias hoje são bastante diferentes. As raízes do processo de deterioração do meio ambiente são mais profundas, e o esforço para colocar o planeta numa trajetória sustentável não estão dando certo. Speth lista dez fatores por trás das tendências de empobrecimento biótico, toxificação e mudança climática: população, afluência, tecnologia, pobreza, falhas de mercado, falhas de governo, crescimento econômico, a natureza do sistema econômico, nossa escala de valores e a globalização da economia. É uma lista heterogênea, e este não é o espaço adequado para discuti-la em detalhe. Mas o próprio enunciado dos pontos transmite um pouco do sabor do argumento. Speth acredita que a economia de mercado moderna é o maior inimigo do meio ambiente, por ser excessivamente dependente do consumo e do crescimento não sustentáveis. Ele reconhece que as falhas de mercado e de políticas públicas também são fatores importantes, mas no final das contas deixa claro que na sua opinião só uma mudança de valores pode nos levar à salvação.
Voltaremos à questão dos valores. Mas diante dessas causas não é difícil imaginar qual o diagnóstico de Speth para o fracasso da governança ambiental global: as forças que levam à deterioração são poderosas e as medidas para contê-las complexas e extensas. Se isso não bastasse, o processo político para fazer valer essa agenda é bastante difícil – tanto na forma quanto na sua essência. Speth critica a tentativa de buscar soluções legalísticas para problemas ambientais. Na sua avaliação, essa abordagem levou a definições excessivamente estreitas dos problemas, atacando apenas os sintomas e não as suas causas. Ele encontra ainda muitos defeitos no processo das negociações internacionais, conduzidas por governos sujeitos a todo tipo de pressão, em um processo excessivamente fechado que tende a ignorar o contexto econômico e social onde se dará a implementação dos acordos.
O que fazer? É preciso atacar as raízes da degradação ambiental, diz Speth. Seriam oito as transições necessárias, das quais seis seriam relativamente fáceis de implementar: Uma população global estabilizada ou em queda; o fim da pobreza de massa; o emprego de tecnologias benignas; preços ambientalmente honestos; consumo sustentável; e conhecimento e aprendizado. Mas sua eficácia será limitada se não forem acompanhadas por duas mudanças maiores, na governança global e nos nossos valores.
Na esfera da governança Speth vê um mundo onde a lei ambiental internacional avança, dentro de um contexto global mais favorável, na medida em que os participantes internalizem alguns princípios fundamentais para o seu funcionamento. Este cenário implica na criação, em um futuro não muito distante, de uma Organização Internacional do Meio Ambiente. Na visão do autor, seria uma progressão lógica dos princípios enunciados na conferência Eco 92.
Mas a ação governamental não basta. A sociedade civil também precisa agir e se organizar, pois já ficou comprovado que a sua ação coordenada é capaz de influenciar profundamente o comportamento de empresas e governos. A organização e formação de redes são fundamentais para aumentar essa capacidade de influência: ganhar escala, na expressão do autor.
O último capítulo do livro é dedicado à “mais fundamental de todas as transições”: a da cultura e da consciência. Speth fala de visões de uma nova civilização, “de liberdade, tolerância e decência sem precedentes”, onde estilos de vida “combinam suficiência material com realização qualitativa”, e onde o crescimento econômico deixa de ser um fim em si mesmo para tornar-se um meio para o atingimento desses objetivos. Ele vê os sinais do surgimento dessa nova consciência nos protestos anti-globalização, nas organizações não-governamentais e nos movimentos sociais do terceiro mundo, como o MST. Essa referência levanta questões de método, na medida em que o viés esperançoso do autor parece colorir sua leitura dos objetivos e formas de atuação desses protestos e movimentos sociais.
Seja como for, ele argumenta que essa transformação não ocorrerá espontaneamente, pois as barreiras são substanciais: nada menos do que o sistema econômico e o sistema político globais. Um primeiro passo seria o re-engajamento dos Estados Unidos, que ficaram para trás em áreas onde já tiveram a liderança.
Apesar de argumentos questionáveis e uma certa confusão de conceitos aqui e ali, Speth constrói uma tese poderosa. A ação humana sobre o planeta nos colocou numa trajetória insustentável, e as estruturas econômicas e políticas tornam uma mudança quase impossível. Nesse contexto, o tom quase religioso do capítulo final do livro é perturbador, pois sugere que a crença do autor numa virada está mais baseada na fé do que nos fatos.
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