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Rochas ornamentais

As pedras do Espírito Santo geram conflitos ambientais, legais e econômicos. Para saná-los, que tal definir as áreas para conservação e incentivar o alpinismo?

2 de dezembro de 2005 · 19 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Na semana passada O Eco publicou um artigo de Rafael Corrêa sobre mineração no estado do Espírito Santo e das conseqüências negativas para o meio ambiente e, especialmente, para a prática do montanhismo ou alpinismo ou seja lá o nome que se queira dar para o esporte praticado por aqueles que gostam de montanhas.

Como já pude dizer aqui em O Eco, pratiquei montanhismo no Clube Excursionista Carioca e fiz muitas escaladas, aliás, uma coisa boa do artigo foi ter reencontrado o meu guru de Alpinismo, o Nat, que deveria ser entrevistado nesta folha eletrônica. Não sei por que não fazem a tal entrevista. Fica aqui o meu protesto indignado. Sou amigo da secretária de Meio Ambiente do Estado do Espírito Santo, a Drª Maria da Glória, a quem todo mundo só chama de Glorinha. Acho que nem ela própria se lembra que se chama Maria da Glória. Neste exato momento estou terminando um trabalho para o governo do Espírito Santo que é um decreto visando à reformulação do licenciamento ambiental daquele estado. Por conhecer os dois lados da questão, acredito que possa dar uns pitacos.

Sei que as chamadas pedras ornamentais são um dos maiores problemas enfrentados pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e pela sua presidente – que lá é a secretária de meio ambiente. Este foi um dos temas mais debatidos nos grupos de trabalho que organizamos com vistas à elaboração das novas normas de licenciamento. O primeiro ponto a ser observado é que mineração é uma competência da União e, portanto, quem concede os alvarás é a União mediante ato administrativo do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O estado não tem competência para proibir mineração em seu território. O máximo que pode fazer é multar por danos ao meio ambiente, como tem sido a jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal (STF) desde a antiga Constituição (1). É verdade que o mesmo STF tem reconhecido, também, desde longa data, a competência dos estados para multar em casos de danos ao meio ambiente (2).

O fato, contudo, é que a concessão de lavra possui valor econômico e, uma vez concedida, gera direito a indenização caso a exploração da jazida seja obstaculizada por este ou aquele motivo atribuível à administração ou a terceiros, conforme tem sido decidido pelo mesmo STF (3). Assim, estamos diante de um problema complexo e que, como quase todos os problemas ambientais, diz respeito aos conflitos de usos e interesses. Há um outro fator interessante. O Código de Minas proíbe que o próprio Poder Judiciário, no curso do processo judicial, determine a paralisação das atividades de lavra (4). Se constitucional ou não, o fato é que existe a presunção de constitucionalidade das leis e, enquanto não houver a declaração de inconstitucionalidade, tal norma tem plena eficácia jurídica. Ora, se o Poder Judiciário não pode determinar a paralisação da lavra, parece-me que a administração fica em uma posição desconfortável. É importante frisar que o Iema não tinha, até este ano, um quadro próprio de servidores, visto que nunca realizou um concurso público para a contratação de pessoal. Este ano, a administração estadual fez um concurso e está implantando um quadro de pessoal. Também, sob a direção da Glorinha, está sendo promovida uma reforma administrativa bastante interessante.

Assim, não há omissão do estado do Espírito Santo. Ao contrário, o que há é uma tentativa de, nos limites de sua atribuição, organizar a questão. Um dos pontos importantes em toda a problemática de pedras ornamentais é o fato de que elas são de “moda”. Assim, a pedra que hoje é valiosa, amanhã não vale mais nada, pois saiu da moda. O governo do estado está buscando manufaturar as pedras no próprio Espírito Santo, como forma de aumentar o valor do produto e, em conseqüência, arrecadar mais, gerar mais empregos e retirar menos pedras. Muitas indústrias estão começando a sentir a pressão dos diferentes grupos e estão aprimorando métodos para um controle ambiental mais eficaz. A solução, contudo, ainda está distante.

Pessoalmente, estou disposto a não utilizar pedras ornamentais para proteger as montanhas do Estado do Espírito Santo. Lembro, porém, que como praticante de alpinismo, já fui acusado de ser destruidor de bromélias. É o caso daquele gravatá que arrancamos quando levamos uma queda e, na falta de algo melhor para segurar, não pensamos duas vezes em pegá-lo. É um ponto de vista respeitável, embora me pareça equivocado. Entendo que a rapaziada do alpinismo é altamente defensora do meio ambiente e, no caso do Espírito Santo, estão trazendo um ponto relevante para debate. Que tal um acordo com o DNPM, o estado do Espírito Santo e o pessoal das rochas ornamentais para definirmos áreas de exclusão e incentivar uma temporada capixaba de alpinismo?

1.
Caso 1
RE 77890 / RJ – RIO DE JANEIRO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. BILAC PINTO
Julgamento: 18/11/1975 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação: EMENT VOL-01011-01 PG-00120 RTJ VOL-00076-02 PG-00531
Ementa

LAVRA DE MINERIO. SEGURANÇA PEDIDA EM DECORRÊNCIA DA PRATICA DE ATOS, PELO GOVERNO LOCAL, NO SENTIDO DE CRIAR EMBARACO NA LAVRA DE AREIA QUARTZOSA. SE A UNIÃO CONCEDE AUTORIZAÇÃO DE LAVRA DE PRODUTO MINERAL, NÃO CABE AO ESTADO, O QUAL NÃO TEM PODERES PARA TANTO, TOLHER, DIRETA OU INDIRETAMENTE, A EXECUÇÃO DOS RESPECTIVOS TRABALHOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO, CONCEDENDO-SE A SEGURANÇA.

Caso 2
RE 105569 / SP – SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA
Julgamento: 24/09/1985 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
Publicação: DJ 18-10-1985 PG-18460 EMENT VOL-01396-04 PG-00752
Ementa
– POLUIÇÃO AMBIENTAL. PROTEÇÃO A SAÚDE DA POPULAÇÃO. ATIVIDADE DE MINERAÇÃO. A CETESB TEM COMPETÊNCIA LEGAL PARA APLICAR SANÇÕES AS EMPRESAS QUE EXERCEM ATIVIDADES MINERARIAS, INCLUSIVE PEDREIRAS, DESDE QUE ESTEJAM POLUINDO O MEIO AMBIENTE, AFETANDO A SAÚDE E A SEGURANÇA DA POPULAÇÃO FORA DA ÁREA OBJETO DA PESQUISA E LAVRA. RE NÃO CONHECIDO.

2.
RE 105569 / SP – SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA
Julgamento: 24/09/1985 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
Publicação: DJ 18-10-1985 PG-18460 EMENT VOL-01396-04 PG-00752
Ementa
– POLUIÇÃO AMBIENTAL. PROTEÇÃO A SAÚDE DA POPULAÇÃO. ATIVIDADE DE MINERAÇÃO. A CETESB TEM COMPETÊNCIA LEGAL PARA APLICAR SANÇÕES AS EMPRESAS QUE EXERCEM ATIVIDADES MINERARIAS, INCLUSIVE PEDREIRAS, DESDE QUE ESTEJAM POLUINDO O MEIO AMBIENTE, AFETANDO A SAÚDE E A SEGURANÇA DA POPULAÇÃO FORA DA ÁREA OBJETO DA PESQUISA E LAVRA. RE NÃO CONHECIDO.

3.
RE 140254 AgR / SP – SÃO PAULO
AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 05/12/1995 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação: DJ 06-06-1997 PP-24876 EMENT VOL-01872-05 PP-00907
Ementa
E M E N T A: DIREITO DE PROPRIEDADE – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL – INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM DE LINHAS DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – GARANTIA DE INDENIZAÇÃO PLENA – JAZIDAS MINERAIS EXISTENTES NO IMÓVEL AFETADO PELA SERVIDÃO DE PASSAGEM – RESSARCIBILIDADE DOS DIREITOS INERENTES À CONCESSÃO DE LAVRA – A QUESTÃO CONSTITUCIONAL DA PROPRIEDADE DO SOLO E DA PROPRIEDADE MINERAL – RECURSO IMPROVIDO. RECURSOS MINERAIS E DOMÍNIO CONSTITUCIONAL DA UNIÃO – O sistema de direito constitucional positivo vigente no Brasil – fiel à tradição republicana iniciada com a Constituição de 1934 – instituiu verdadeira separação jurídica entre a propriedade do solo e a propriedade mineral (que incide sobre as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais existentes no imóvel) e atribuiu, à União Federal, a titularidade da propriedade mineral, para o específico efeito de exploração econômica e/ou de aproveitamento industrial. A propriedade mineral submete-se ao regime de dominialidade pública. Os bens que a compõem qualificam-se como bens públicos dominiais, achando-se constitucionalmente integrados ao patrimônio da União Federal. CONCESSÃO DE LAVRA – INDENIZABILIDADE – O sistema minerário vigente no Brasil atribui, à concessão de lavra – que constitui verdadeira res in comercio -, caráter negocial e conteúdo de natureza econômico-financeira. O impedimento causado pelo Poder Público na exploração empresarial das jazidas legitimamente concedidas gera o dever estatal de indenizar o minerador que detém, por efeito de regular delegação presidencial, o direito de industrializar e de aproveitar o produto resultante da extração mineral. Objeto de indenização há de ser o título de concessão de lavra, enquanto bem jurídico suscetível de apreciação econômica, e não a jazida em si mesma considerada, pois esta, enquanto tal, acha-se incorporada ao domínio patrimonial da União Federal. A concessão de lavra, que viabiliza a exploração empresarial das potencialidades das jazidas minerais, investe o concessionário em posição jurídica favorável, eis que, além de conferir-lhe a titularidade de determinadas prerrogativas legais, acha-se essencialmente impregnada, quanto ao título que a legitima, de valor patrimonial e de conteúdo econômico. Essa situação subjetiva de vantagem atribui, ao concessionário da lavra, direito, ação e pretensão à indenização, toda vez que, por ato do Poder Público, vier o particular a ser obstado na legítima fruição de todos os benefícios resultantes do processo de extração mineral.

4.
Art. 57. No curso de qualquer medida judicial não poderá haver embargo ou seqüestro que resulte em interrupção dos trabalhos de lavra.

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