Tem havido muita polêmica em torno de um Projeto de Lei Municipal da Cidade do Rio de Janeiro sobre experiências científicas com animais. É desnecessário dizer que é uma briga de cachorro grande. E como macaco velho não mete a mão em cumbuca, não vou mexer no vespeiro. A proteção aos animais pelo direito, para muitos o direito dos animais, de modo geral é bastante ampla em nosso ordenamento jurídico. É no Código Civil que os animais encontram sua classificação jurídica como bens móveis (semoventes), como determina o artigo 82. A classificação dos animais como bens móveis indica que eles não podem ser sujeitos de direito, mas objeto de direito. Essa diferenciação de posição no mundo jurídico indica uma concepção filosófica do legislador – se é que os nossos políticos têm alguma – no sentido de que o direito, tal como concebido no Brasil, existe para reger relações entre sujeitos de direito.
Vamos lembrar que, no Brasil, até pouco tempo nem todos os indivíduos eram sujeitos de direito. Os escravos estavam classificados entre os semoventes e, portanto, equiparados aos animais. Com o advento da Lei do Ventre Livre, gerou-se uma situação inusitada, visto que uma coisa poderia gerar uma pessoa.
Entretanto, já desde muito, o direito brasileiro reconhece que os animais encerram valores relevantes para a sociedade que merecem ser protegidos. Segundo informação de Edna Cardozo Dias, já em 1924 foi editado o Decreto n º 16.590, cujo objetivo era regulamentar as diversões públicas e, pelo qual, foram proibidas as corridas de touro, garraios e novilhos, galos, e canários. Foi em 1934 que surgiu a lei de proteção aos animais, baixada pelo Decreto Federal nº 24.645, de 10 de julho de 1934.
A norma estabeleceu a proteção do Estado para todos os animais existentes no país, fossem eles exóticos, nativos, selvagens ou domésticos. A lei, me parece, não se aplicava aos peixes, aos répteis e aos insetos . Um aspecto inovador daquela norma e que tem passado negligenciado pela doutrina é a disposição do § 3º do artigo 2º, mediante o qual, “os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais.” A lei criou, efetivamente, uma possibilidade processual muito importante para que o MP pudesse ingressar em juízo em nome dos animais, visto que se tratava de “assistência” e não de representação. Tal norma, contudo, não “pegou”. Somente com a Lei n º 6.938/81 é que se voltou a cogitar de atribuir legitimidade ao MP para a defesa de interesses difusos, situação que foi plenamente resolvida com a lei da ação civil pública (7.347/85). É interessante observar que a lei continha disposição vanguardeira, visto que atribuía às Ongs, de então, papel ativo na fiscalização da lei.
Posteriormente, foi editada a Lei de Contravenções Penais que dispunha sobre a crueldade em relação aos animais em seu artigo 64 . Mais recentemente, a contravenção foi transformada em crime, segundo o disposto na Lei n º 9.605/98, chamada lei de crimes ambientais . Existe, também, o Código de Pesca, instituído pelo Decreto-Lei 221, de 28 de fevereiro de 1967, no qual são estabelecidas proibições de pesca. Há, ainda, a Lei n º 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que proíbe a caça profissional e estabelece outras proibições . É interessante ressaltar que a Lei n º 5.197/67 foi além da Lei de Proteção aos Animais, na medida em que dispôs no sentido de que os animais silvestres são propriedade do Estado: “Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.” Do ponto de vista processual, atribuiu-se à União, legitimidade para a defesa judicial dos animais, visto que bens de propriedade federal.
Algumas ações judiciais já foram ajuizadas em defesa dos animais no Brasil. Nesta coluna já falamos sobre a ação em defesa da Baleia Franca , vítima de maus tratos por parte de programa sensacionalista de televisão. Existe, ainda, ação civil pública ajuizada em defesa do mico-leão dourado da Reserva de Poço das Antas que, em segunda instância, foi julgada improcedente e a medida judicial pioneira em defesa do boto cor-de-rosa, julgada procedente. É interessante notar que as ações procedentes foram ajuizadas em face de pessoas de direito privado e a improcedente em face do Ibama. É grande o número de ações de busca e apreensão de animais silvestres, etc.
Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Dias, Edna Cardozo. A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte: Mandamentos. 2000. pg 155. Na minha pesquisa não consegui confirmar a afirmação.
Artigo 17. A palavra animal, da presente lei, compreende todo ser irracional, quadrúpede ou bípede, doméstico ou selvagem, exceto os daninhos.
Artigo 16. As autoridades federais, estaduais e municipais prestarão aos membros das sociedades protetoras de animais a cooperação necessária para fazer cumprir a presente lei.
Artigo 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis. § 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao publico, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo. § 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.
Artigo 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1 ° – Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2° – A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Artigo 35. É proibido pescar: a) nos lugares e épocas interditados pelo órgão competente; b) em locais onde o exercício da pesca cause embaraço à navegação; c) com dinamite e outros explosivos comuns ou com substâncias que, em contato com a água, possam agir de forma explosiva; d) com substâncias tóxicas; e) a menos de 500 metros das saídas de esgotos. §1º As proibições das alíneas “c” e “d” deste artigo não se aplicam aos trabalhos executados pelo Poder Público, que se destinem ao extermínio de espécies consideradas nocivas. §2º Fica dispensado da proibição prevista na alínea “a” deste artigo o pescador artesanal que utiliza, para o exercício da pesca, linha de mão ou vara, linha e anzol. Artigo 36. O proprietário ou concessionário de represas em cursos d’água, além de outras disposições legais, é obrigado a tomar medidas de proteção à fauna. Parágrafo único. Serão determinadas pelo órgão competente medidas de proteção à fauna em quaisquer obras que importem na alteração do regime dos cursos d’água, mesmo quando ordenadas pelo Poder Público.
Artigo 10. A utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de espécimes da fauna silvestre são proibidas. a) com visgos, atiradeiras, fundas, bodoques, veneno, incêndio ou armadilhas que maltratem a caça; b) com armas a bala, a menos de três quilômetros de qualquer via térrea ou rodovia pública; c) com armas de calibre 22 para animais de porte superior ao tapiti (sylvilagus brasiliensis); d) com armadilhas, constituídas de armas de fogo; e) nas zonas urbanas, suburbanas, povoados e nas estâncias hidrominerais e climáticas; f) nos estabelecimentos oficiais e açudes do domínio público, bem como nos terrenos adjacentes, até a distância de cinco quilômetros; g) na faixa de quinhentos metros de cada lado do eixo das vias férreas e rodovias públicas; h) nas áreas destinadas à proteção da fauna, da flora e das belezas naturais; i) nos jardins zoológicos, nos parques e jardins públicos; j) fora do período de permissão de caça, mesmo em propriedades privadas; l) à noite, exceto em casos especiais e no caso de animais nocivos; m) do interior de veículos de qualquer espécie.
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