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Não é velocidade, é legitimidade

A legitimidade do licenciamento reduziu-se a pó. Isto tem tudo a ver com as mudanças no ministério. É preciso construir um grau de consenso quanto à “correção” do processo.

13 de junho de 2008 · 17 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

As mudanças no Ministério do Meio Ambiente, vistas com desconfiança por uns, com esperança por outros é mais um elemento no complexo tabuleiro das atividades utilizadoras de recursos ambientais no Brasil. Uma leitura atenta do noticiário “ambiental” nos demonstra que o licenciamento ambiental é uma atividade que passa por uma imensa crise de legitimidade que, no entanto, está sendo tratada como se fosse de velocidade. Com efeito, a quantidade de licenças e procedimentos de licenciamento ambiental que são suspensos ou paralisados em decorrência de liminares concedidas em processos judiciais é muito grande e merece uma reflexão mais profunda. Na verdade, o que vem sendo demonstrado é que a “presunção de legitimidade” dos atos administrativos, em matéria ambiental foi extremamente relativizada e que a posse de uma licença ambiental, na atual realidade, é muito pouco ou quase nada. A segurança que o licenciamento deveria conferir ao empreendedor reduziu-se a pó. O que isto tem a ver com as mudanças no MMA? Muito. Em minha opinião, a principal tarefa é a construção de um grau mínimo de consenso legítimo que seja capaz de dar aos diversos atores da cena ambiental um conforto quanto à “correção” do licenciamento; conforto que, francamente, ainda não existe. É necessário que se admita, abertamente, que existem bases objetivas e subjetivas para a crise de legitimidade. Cabe ao MMA estabelecer as bases objetivas e as subjetivas virão naturalmente em decorrência da utilização de novos instrumentos.

O novo ministro, deputado Carlos Minc, tem se manifestado com bastante veemência sobre a necessidade de aceleração do licenciamento ambiental, sem que ele perca a sua qualidade ambiental e que, lentidão não é sinônimo de licenciamento bem feito. Sua Excelência tem razão em ambas as hipóteses. Contudo, o problema da legitimidade é muito mais profundo e não se resume aos aspectos temporais. É de se prever que a saída da Senadora Marina Silva do Ministério implicará em um recrudescimento das ONGs e, portanto, das medidas judiciais com vistas a arrostar licenciamentos ambientais já concedidos ou em vias de concessão. Certamente, aos olhos de muitos atores do cenário ambiental, a atual gestão do MMA é menos legítima do que a anterior. A velocidade, maior ou menor do licenciamento, é importante, contudo é aspecto menor, marginal, diante da necessidade de legitimidade social. A falta de reconhecimento social do licenciamento ambiental chegou ao ponto de que mesmo os membros do Judiciário e do Ministério Público – profissionais do direito que sabem da presunção de legalidade dos atos administrativos – não se impressionam com licenças e outros atos administrativos exarados em procedimentos ambientais. Isto, na prática, faz com que as licenças ambientais acabem se transformando em autorizações precárias.

Quais são os elementos que fundamentam tal sentido de ilegitimidade? A resposta certamente não é simples e, seguramente, os limites de um artigo em O Eco não são suficientes para enfrentar todas as questões. Isto para não se falar na incompetência do signatário. Penso que alguns pontos podem ser apontados e que, em minha opinião, mereceriam reflexão por parte da nova equipe do MMA e demais interessados. Permito-me apresentar alguns.

Audiências Públicas. Estão, em meu ponto de vista, localizadas equivocadamente no procedimento de licenciamento ambiental. Usualmente, as AP são realizadas após a apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental para que os cidadãos possam dar sua opinião sobre o EIA/RIMA. A inadequação é flagrante. Como a AP está localizada no fim do procedimento de licenciamento, ela passa a concentrar em si uma tensão excessiva e desnecessária. Penso que deveria ser estabelecida uma forma de consulta pública para a discussão dos Termos de Referência para o EIA/RIMA, possibilitando-se que a sociedade apresenta-se ao órgão ambiental e ao empreendedor os pontos que, em seu modo de entender, devessem ser analisados. Com isto evitaríamos as constantes discussões sobre o que está o que não está e o que deveria estar no EIA/RIMA. Muitos problemas seriam superados e, certamente, as licenças ambientais seriam fortalecidas. A Administração Pública não tem se valido do artigo 321 da lei nº 9784/99.

O atual modelo joga toda a tensão do licenciamento para a Audiência Pública que acaba se transformando em uma verdadeira guerra de torcidas ou em diálogo de surdos. Daí, chega-se ao absurdo de ações judiciais com vistas à suspensão de audiências públicas, o que é uma clara afronta ao princípio da publicidade, da participação do público e da democracia.

Participação de terceiras partes. Muito embora se fale em democracia no licenciamento ambiental, a participação de terceiras partes não está adequadamente regulamentada e isto é uma constante fonte de incertezas e dificuldades para as partes interessadas. Atualmente existe a obrigatoriedade da publicação do requerimento de licença ambiental e da entrega do EIA/RIMA, bem como deve ser publicada a concessão da licença ambiental. Tais publicações somente se justificam se forem feitas com o intuito de permitir a participação de terceiras partes no procedimento de licenciamento ambiental. Contudo, tal participação não tem qualquer regulamentação e, usualmente, ela se faz com recursos ao Poder Judiciário com vistas à paralisação do procedimento de licenciamento ambiental, o que acarreta evidentes prejuízos para todos. O artigo 9º 2 da já citada lei nº 9.784/99 define uma série de legitimados a intervir nos processos administrativos e, logicamente, naqueles referentes ao licenciamento ambiental. Uma adequada regulamentação com prazos e etapas para a intervenção seria muito proveitosa, pois os licenciamentos se tornariam muito mais seguros para todos os envolvidos.

Uma terceira parte relevante é o Ministério Público que, não raras vezes, intervém no licenciamento ambiental, muito embora a sua intervenção não mereça nenhum tratamento legal. Isto deveria ser regulamentado, de forma que os questionamentos fossem feitos dentro de regras claras, com prazos e outros mecanismos de controle.

Independência dos órgãos ambientais. Um elemento muito relevante na questão da legitimidade do licenciamento é o grau de independência dos órgãos ambientais em relação ao Poder Executivo. No nosso sistema, a maior parte dos órgãos ambientais está estruturada sob a forma de autarquia ou fundação e a nomeação de seu quadro de dirigentes é feita pelo Executivo sem qualquer participação da sociedade. O melhor que se chega é nomear alguém de uma ONG, em evidente manobra de cooptação e amaciamento. O sistema precisa ser mudado. A adoção de um modelo de nomeação mista com a indicação pelo Executivo e aprovação pelo Legislativo, parece-me o mais adequado, pois a equipe dirigente seria nomeada para o exercício de um mandato por prazo certo e somente poderia ser exonerada mediante determinadas situações específicas. Em princípio, as pressões políticas sobre o licenciamento seriam reduzidas, com amplos benefícios para todos. É ilusório imaginar que um licenciamento “político” se sustente. Com a ampla revisão judicial dos atos administrativos e com a forte militância judiciária ambiental, os licenciamentos “políticos” são arrostados no Judiciário e a “velocidade” administrativa é substituída pela “lentidão” judicial. Isto para não falarmos nas evidentes máculas à imagem dos empreendedores que resultam de seguidos questionamentos.

Estudos Ambientais. Os estudos ambientais e, em especial, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental precisam ser reavaliados. De falta, na maioria dos casos eles são produzidos com muito papel e pouco conteúdo. Aqui não se pode deixar de reconhecer uma tradição nacional. O MMA poderia coordenar um levantamento de todos os distritos industriais existentes no País, de forma que soubéssemos quais são aqueles que possuem e aqueles que não possuem Estudos Prévios de Impacto Ambiental, de forma que tais estudos fossem realizados, de forma que a implantação de novos empreendimentos necessitasse apenas de complementação específica para a nova atividade. Muito tempo e dinheiro seriam economizados com a medida. Da mesma forma, os EIA/RIMA deveriam constituir um banco de dados, de forma que novos empreendimentos em uma mesma região, às vezes “vizinhos de porta”, não precisassem produzir uma papelada inútil, como vem acontecendo.

Muitas outras questões, certamente, devem ser tratadas e apontadas. Talvez se deixássemos de lado a “velocidade” e passássemos a examinar a questão sob o ângulo da legitimidade, os resultados sociais fossem mais consistentes e melhores para todas as partes.

1 – Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo.

2 – Art. 9o São legitimados como interessados no processo administrativo: I – pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação; II – aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada; III – as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; IV – as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos.

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