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O voluntário e os Parques Nacionais

Não há falta de gente querendo trabalhar de graça pelo meio ambiente no país. Falta é disposição e planejamento para absorver e utilizar esta mão de obra.

2 de setembro de 2004 · 20 anos atrás

O tema do trabalho voluntário tem aparecido com cada vez mais freqüência nas páginas da grande imprensa. A última notícia que li a respeito, vinha acompanhada de foto mostrando jovens excursionistas limpando as trilhas da Serra da Carioca, no Rio de Janeiro. Trata-se de imagem de peso. Infelizmente, contudo, não reflete uma realidade duradoura ou saudável. No que toca às iniciativas ambientais em nosso país, pouco tem sido feito pelos órgãos institucionais para incorporar no planejamento e na rotina de trabalho dos Parques Nacionais e demais Unidades de Conservação a força de trabalho voluntária.

Temos hoje, no Brasil, uma grande massa de cidadãos dispostos a dar algumas horas de seu tempo em troca da realização de um ideal. Esse movimento normalmente se organiza em torno de ONGs vocacionadas para a tarefa que empreendem; como é o caso do Grupo Terralimpa que mantém algumas trilhas do Rio de Janeiro imaculadas; ou deriva de tarefas voluntárias específicas realizadas por Ongs cuja vocação é outra. Nesse segundo caso, é emblemático o trabalho da União dos Escoteiros do Brasil que durante dois anos fêz a manutenção da sinalização e das condições de transitabilidade da Trilha do Pico do Conde no Parque Nacional da Tijuca.

Fora do Brasil, gerir Unidades de Conservação com o concurso de voluntários já é uma realidade concreta há muitos anos. Na África do Sul, voluntários recebem e guiam turistas no Parque Nacional da Península do Cabo. Na Austrália, onde o setor voluntário congrega dois milhões de pessoas e poupa aos cofres públicos o equivalente anual a 3,5 bilhões de dólares de trabalho remunerado, atividades de erradicação de espécies exóticas, replantio de mata nativa e educacão ambiental são feitas em sua maior parte por essa mão de obra. Nos Estados Unidos, a trilha Apalache tem a totalidade de seus 3.600 km mantidos por clubes excursionistas. Países como o Chile se beneficiam de programas em que jovens estrangeiros visitam seus Parques para trabalhar voluntariamente. Recentemente, vimos o Príncipe William de Gales a limpar latrinas em um desses programas.

No Brasil, entretanto, afora iniciativas esparsas e tópicas ainda que valiosas, essa prática tem tido dificuldade em deslanchar. Muitas parecem ser as razões. Alguns alegam que não é do espírito brasileiro o trabalho voluntário, outros, à boca pequena, mostram-se insatisfeitos com os resultados de experiências piloto: a contrapartida ao trabalho voluntário, normalmente, é a vocalização enfática de demandas e a ingerência na admistração da Unidade de Conservação.

A primeira assertiva não se sustenta a uma análise fria dos fatos. O próprio entusiasmo observado nas experiências esporádicas e a consistência do trabalho de grupos como os Escoteiros e o Terra Limpa são exemplos que provam o contrário.

Quanto ao segundo aspecto, de fato é verdadeiro. Afinal, o trabalho gratuito não é feito em troca de um salário mas da realização de uma utopia. Assim, é natural que o voluntário queira debater as políticas de administração do Parque para o qual está doando seu tempo. É a paga que pede pelo seu comprometimento. Do ponto de vista do administrador público, acostumar-se a essa relação de permanente cobrança é adeqüar-se à democracia em seu sentido mais amplo: aquele em que o administrador público deve explicações a seu chefe, que é tanto o seu superior hierárquico quanto o cidadão que paga impostos, nesse caso representado pela parcela da população diretamente interessada nos desígnios da Unidade de Conservação- o voluntário. Sem dúvida, trata-se de rotina espinhosa e árdua mas da qual o Parque beneficia-se sobremaneira, já que passa a congregar em torno de si um grupo de cidadãos com ele imensamente comprometidos, como, aliás, já o provaram por aqui mesmo, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e sua Sociedade de Amigos.

Naturalmente, gerenciar o trabalho voluntário não é tarefa fácil nem barata. Talvez uma das razões que levam a crer que este tipo de trabalho não funciona é que a maioria das experiências tentadas no Brasil tenderam a aplicar a ele as regras correntes para um relacionamento estritamente profissional.

O primeiro passo para se obter um trabalho de qualidade a partir do braço voluntário é possuir na estrutura da Unidade de Conservação profissional treinado para lidar com as peculiaridades dessse tipo de mão de obra. Não se trata de trabalho simples. O National Park Service americano tem em cada Parque um funcionário treinado apenas para lidar com voluntários, subordinados a uma Diretoria só para esses assuntos, sediada em Washington. Organização e técnicas de liderança são fundamentais. Embora o voluntário tenha alto grau de comprometimento com a causa para a qual devota seu tempo, ele tem que atender também às suas próprias atividades profissionais. Assim, nem sempre será possível garantir sua presença nas horas em que seu trabalho seja porventura necessário. Sem um planejamento flexível e pensado para funcionar mesmo com eventuais ausências de voluntários esperados não se conseguirá atingir objetivo algum.

Analogamente, é importante que o processo decisório seja participativo, pois só assim o comprometimento do voluntariado, marcadamente ideológico, permanece resguardado. No Brasil, algumas organizações como o AFS Intercultura, que lida com bolsas de estudo, vêm adotando essa bem sucedida fórmula há mais de trinta anos e, certamente, teriam muito que ensinar aos gestores de Unidades de Conservação.

O grande desafio que se nos impõe, portanto, não é mobilizar ou recrutar voluntários, mas aparelhar a estrutura institucional para que seja possível coordenar essa massa dispersa de voluntários já existente e organizá-la de modo a instrumentalizar seu trabalho de forma continuada e sustentável, em oposição aos espasmos de hoje, que temos o costume de chamar de mutirões.

É preciso também entender que o benefício do trabalho voluntário não se resume à economia de recursos financeiros, mas é acrescido do aumento da consciência ambiental e da compreensão por parte dos voluntários dos difíceis processos de gestão, funcionando para eles como um grande instrumento de educação ambiental. Para que possamos contar com maior parcela de trabalho voluntário em nossos Parques, todavia, os administradores públicos têm que estar preparados a dividir com esse grupo engajado uma parcela do processo decisório.

O Brasil já conta com quase todos os ingredientes necessários para implantar uma política mais abrangente que contemple o uso de mão de obra gratuita e ideologicamente atuante. Falta apenas o governo fazer, de forma estruturada, a sua parte. Aquilo que em outros países costuma-se chamar de “manejo” e que em nossas terras tupiniquins raramente sai do estágio embrionário de “plano”- um livreto de papel, adormecido nas estantes da sala do Chefe do Parque.

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