Nas últimas cinco colunas tratamos do Caminho do Ouro que corta o Parque Nacional da Serra da Bocaina. Apesar de sua relevância histórica e de seu potencial turístico, permanece em estado de abandono e segue sendo dilapidado pelas forças da natureza e pela mão destruidora do homem. Pena. Se estivesse localizado em outro país seria tratado como patrimônio histórico e manejado como tal.
Em fins de dezembro do ano passado, ao caminhar por recantos pouco freqüentados das florestas de Eurobdalla, a montanhista australiana Liz Innes tropeçou em uma trilha histórica toda em pé-de-moleque. Tão logo voltou à civilização, notificou as autoridades. Estuda daqui, pesquisa dali, chegou-se a conclusão de que o trecho pavimentado de 770 metros descoberto por Innes era uma parte da “Old Buckenbowra River Road”, uma estrada construída com o suor do trabalho forçado de degredados ingleses nos idos de 1850. Construída longe do litoral para evitar a necessidade de transpor os rios em seus pontos mais largos, a estrada caiu no esquecimento à medida que pontes foram sendo edificadas e uma nova estrada mais moderna e mais próxima do litoral foi sendo completada.
Imediatamente após inspecionar a descoberta de Innes, o Governo designou um arqueólogo para estudar o achado. Este determinou a pronta remoção de raízes e outros elementos desestabilizadores, de modo a impedir maior erosão do caminho antigo. Para o futuro, o Serviço Florestal do estado da Nova Gales do Sul já avisa: a “Old Buckenbowra River Road” será manejada para transformar-se em atração turística.
-“Não se pode comparar um trecho de 770 metros com uma estrada de 70 quilômetros, que é o caso do Caminho do Ouro”, bradarão logo os mais exaltados. É fato. Na mesma Austrália, contudo, a “Great Old North Road”, construída em 1836, também por prisioneiros, para ligar Sydney a Newcastle, teve 43 quilômetros de seu traçado preservados. O trecho cruza hoje os parques nacionais de Yengo e Dharug e é percorrido anualmente por diversos grupos de montanhistas que gostam de aliar a paixão pela natureza com o interesse pela história do próprio país. Ao longo do percurso, palmilham longos quilômetros pavimentados em pé-de-moleque, atravessam pontes em cantaria e apreciam as ruínas de antigos albergues que existiam às margens da estrada. Tudo isso vem com o bônus que uma floresta primária e outra secundária em avançado estágio de regeneração, uma vez transformadas em Parques Nacionais, podem oferecer. Diversas espécies florísticas somam-se ao regalo visual proporcionado por revoadas de cacatuas, saltos de canguru, escaladas de coalas e buracos de vombates (espécie de marsupial). É uma caminhada para ninguém botar defeito.
Seu manejo não é exatamente o que chamaríamos de dispendioso ou complicado a ponto de exigir um grande e detalhado plano. Resume-se a placas de madeira de sinalização direcional e placas de metal espaçadas ao longo do caminho que contam a história da estrada colonial e discorrem sobre Yengo e Dharug.
Esporadicamente, guardas florestais percorrem a estrada, repondo o que estiver danificado e fazendo a manutenção da estrada em si, isto é: retirando as raízes que brotam entre os pés-de-moleque de modo a evitar a desagregação da velha rodovia. Além disso, há a patrulha noturna, feita em fins de semana, feriados e dias escolhidos aleatoriamente, quando é verificado se os excursionistas estão acampando somente nos quatro locais especialmente designados para o pernoite e se não estão fazendo fogueiras. Este procedimento simples e barato garante que o pisoteio do solo derivado do campismo selvagem e a poluição causada pelas fezes humanas se restrinjam a poucos locais previamente selecionados pela direção dos Parques. Isso é manejo, o resto é planejar.
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