Corria o ano de 1990. Era um daqueles dias abafados e calorentos de fevereiro. No início da tarde alguém soou o alarme. Flamas gigantes lambiam as turfas da Reserva Biológica de Poço da Antas, no interior do estado do Rio. Rapidamente os funcionários do IBAMA postaram-se para combater as labaredas, mas logo verificaram que a tarefa estava além dos seus recursos. O Corpo de Bombeiros foi então acionado e verificou que havia a necessidade de um grande efetivo para atacar o incêndio em todos os seus focos. Logo começaram a chegar soldados de vários Grupamentos da região; as prefeituras do entorno do Parque se dispuseram a ajudar e a Marinha do Brasil cedeu um helicóptero para o esforço.
A dimensão do problema foi vista com seriedade pelos bombeiros, mas a falta de conhecimento específico sobre como combater um incêndio florestal acabou por comprometer seriamente o trabalho. Outro empecilho foi a falta de um manual de procedimentos para a gestão de grandes contingentes de órgãos diferentes. Como ficava a cadeia de comando e a hierarquia em um caso destes?
Apesar do esforço de todas as partes envolvidas, 3.000 hectares da reserva ficaram calcinados. O golpe dificultou muito a continuidade do programa de reintrodução do mico-leão-dourado na região e quase comprometeu a viabilidade da sobrevivência da espécie, naquele momento criticamente ameaçada de extinção.
O lado bom da história é que o incêndio de 1990 gerou um saudável processo de auto-crítica no seio do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Ficou claro que um incêndio florestal em muito difere de um incêndio urbano. Também ficou óbvio que os Bombeiros do Rio precisavam aprender mais sobre o tema. Até aí, nada de mais! O incrível é ver que, em um país acostumado a planejar, planejar, planejar e nada fazer, uma constatação levou à ação.
Em setembro de 1990, para evitar que tragédias como a de Poço das Antas se repetissem, foi inaugurado, no Alto da Boa Vista, o Grupamento de Socorro Florestal e Meio Ambiente (GSFMA), unidade inteiramente dedicada ao tema. Inicialmente, contudo, o GSFMA tendeu a operar como uma unidade urbana designada para combates a incêndios florestais. Não havia entre os bombeiros fluminenses oficiais ou praças com suficiente conhecimento especializado para incêndios ambientais. Aprenderam na marra. Nos anos que se seguiram, novos incêndios assolaram Poço das Antas, Itatiaia, Serra dos Órgãos, Pedra Branca e a Reserva Florestal do Grajaú.
Também aprenderam nos bancos escolares. A estratégia foi formar os mais jovens. Criar na instituição um grupo de oficiais especializados em meio ambiente, uma turma “verde”. Começar a treiná-los ainda como tenentes, para que pudessem fazer carreira direcionados para a prevenção e combate a incêndios florestais. Assim foi feito. Jovens tenentes e capitães foram enviados à Curitiba, aos Estados Unidos e a Portugal onde aprenderam, na sala de aula e na prática, as melhores técnicas para se lidar com o fogo em áreas ambientais. Ao voltar ao Rio de Janeiro, passaram o conhecimento adquirido a oficiais mais novos, sargentos e soldados. Transformaram o GSFMA em uma escola viva.
Em 1998, veio a primeira prova de que o esforço estava dando resultado; 119 bombeiros do Grupamento foram eviados a Roraima para auxiliar no combate daquele que é até hoje considerado o maior incêndio florestal da história do Brasil. Nominalmente estavam sob o comando de um general do Exército. Na prática, aquele grupo de agora já majores e capitães fluminenses dirigiram as ações. Avaliaram o problema, traçaram a estratégia, orientaram as tropas no solo. Graças a eles, o desastre não foi pior.
Em 2000, a tragédia atingiu o próprio quintal do GSFMA quando a Floresta da Tijuca foi varrida pelo pior incêndio de seus 100 anos de existência. Logo a notícia das dimensões do fogaréu vazou para os diversos rincões do Estado. Estava claro que seria necessário um efetivo muito grande para combater – e vencer – aquele incêndio. Antes de serem chamados, oficiais com passagem pelo GSFMA – e treinados a combater incêndios florestais – começaram a se apresentar voluntariamente na sede do grupamento, no Alto da Boa Vista. Queriam se antecipar à máquina burocrática que convocaria reforços nos quartéis do Grajau, Vila Isabel, Humaitá, Barra da Tijuca. Se isso acontecesse, o fogo seria combatido por oficiais treinados para debelar incêndios urbanos. O resultado talvez não fosse o melhor possível.
À época, o quartel era comandado por um Tenente Coronel. Ainda não havia entre a turma “verde” dos bombeiros fluminenses ninguém de tão alta patente. Quem entendia de incêndio florestal eram oficiais mais jovens; majores, capitães e tenentes. Deram um show de competência. Driblaram a burocracia para trabalhar em coordenação com a Marinha, o Ibama e a Guarda Municipal e fizeram valer o que haviam aprendido ao longo da década anterior. O oficial superior, comandante do GSFMA, formado na teoria e na prática de combate a incêndios urbanos, teve o bom senso de ouvir seus comandados e por eles ser conduzido. Sua atitude foi sábia. Salvou da destruição muitos hectares de Mata Atlântica.
Passados mais quatro anos, finalmente os primeiros “verdes” chegaram ao poder. Depois de militarem em silêncio e conquistarem algumas vitórias nos bastidores (lograram convencer o Governo do Estado a comprar um avião para combate a incêndio, criaram no Corpo de Bombeiros um grupo de especializado em pesquisas e políticas de meio ambiente, o Grupo Executivo de Ações de Meio Ambiente (GEAMA), além de um segundo grupamento operacional de meio ambiente- o 2 GSFMA), os pioneiros da turma ecológica começaram finalmente a ser promovidos a Tenente Coronel, posto em que um oficial pode comandar um Grupamento.
Primeiro o Tenente Coronel Wanius Amorim foi nomeado para comandar o GEAMA e o Grupamento de Operações Aéreas. A seguir, Fábio Meirelles e, posteriormente, Valdinei, foram indicado para dirigir o 2 GSFMA, filhote da Unidade do Alto da Boa Vista. Por fim, Gilberto Mendes assumiu em 31 de janeiro último o comando do GSFMA. É o primeiro Tenente Coronel “verde” da história da unidade.
Muda muito. Gilberto tem cabeça ambiental, vê a questão maior. Como Tenente-Coronel, planeja a política operacional do Grupamento. Com vasta experiência no próprio GSFMA e cursos nos Estados Unidos e na Austrália, Gilberto também ocupou postos de comando na Guarda Municipal do Rio de Janeiro: sabe a importância da cooperação entre as instituições quando acontecem as grandes tragédias. Entre seus projetos estão o aquartelamento de bombeiros nos Parques Nacionais e Estaduais, a ênfase na prevenção, com manutenção de trilhas e abertura de aceiros; e a parceria mais estreita com o IBAMA e com o IEF, inclusive com empréstimo de pessoal e equipamentos. Parecem idéias óbvias e, de fato o são. Conseguir tirá-las do papel é que vai ser fogo. Ainda bem que lidar com fogo é a especialidade de Gilberto. Seu período à frente do GSFMA promete. Vamos aguardar.
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