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Um outro Brasil chamado Felipe

As Filipinas e o Brasil abrigam alguns dos ecossistemas mais diversos do mundo, mas também compartilham a ineficiência no combate às agressões ambientais.

2 de agosto de 2005 · 19 anos atrás

A República das Filipinas localiza-se a sudeste da Ásia. Constitui-se de um arquipélago belíssimo, formado por 7.107 ilhas e habitado por uma gente de tez oriental, nome espanhol e religião católica (com uma minoria muçulmana importante). Na capital Manila, as influências da colonização espanhola podem ser vistas por toda parte, na arquitetura, na culinária, nos costumes. Por si só, toda essa riqueza cultural já justificaria uma visita àquela parte do globo. Mas, ainda que tenha ficado encantado com a Fortaleza de Santiago no bairro histórico de Intramuros, não foi em busca de suas raízes ibéricas que este colunista viajou às ilhas de Luzón e Mindoro. O que me atraiu ao arquipélago foi a extrema biodiversidade que o país alberga e que o coloca como um dos 34 hotspots do mundo.

Hotspots, como se sabe, são os pontos do globo terrestre de maior biodiversidade, cuja viabilidade enquanto ecossistema encontra-se ameaçada. De modo a encontrar soluções criativas e -sobretudo- eficientes para combater o desmatamento, a caça e a degradação em geral, que ajudem a salvar a Mata Atlântica e o Cerrado, os dois hotspots brasileiros, tenho procurado nos últimos anos visitar esses pontos cálidos ao redor do mundo, especialmente aqueles que por estarem no hemisfério sul ou por se localizarem em um contexto de subdesenvolvimento econômico, possam ter suas situações mais facilmente comparáveis aos ecossistemas brasileiros.

Meu interesse pelas Filipinas começou na Austrália, quando fui convidado pela Professora Corazón Sinha para proferir uma conferência na Universidade de Western Sydney. Durante a década de 1990, Corazón havia sido diretora de Áreas Protegidas e Fauna Silvestre do “Ibama” filipino. Em sua gestão conseguira finalmente declarar uma moratória na exportação de macacos selvagens para os Estados Unidos.

A medida, que impediu a exportação de 15 mil primatas por ano (números de 1987), não foi fácil. Sofreu forte oposição da Associação Norte Americana de Pesquisas Médicas que já havia perdido suas fontes de primatas com moratórias anteriores declaradas pela Índia, Bangladesh, Malásia e Indonésia. Apesar dessa vitória, Sinha tinha mais histórias de derrotas do que de triunfos para contar.

Durante seus anos à frente do Departamento filipino de Recursos Naturais e Meio Ambiente, Corazón viu as florestas serem dizimadas a passos largos, testemunhou a extinção de animais e observou o aumento da fragmentação do riquíssimo ecossistema de seu país, cujo endemismo alcança mais de 6000 espécies de vegetais, 170 de pássaros e 100 de mamíferos. Sua luta contra esses males incomodou poderosos interesses econômicos e resultou em enorme pressão que, aliada a esporádicas ameaças de morte, acabou por convencê-la a emigrar para a Austrália.

O país que o colunista viu está muito perto daquele contado por Sinha em torno de um capuccino após minha palestra para seus alunos. Na entrada do século XX, florestas primárias cobriam 2/3 do arquipélago, já na virada do século XXI, assim como a nossa Mata Atlântica, só restam de pé cerca de 6% da área original do hotspot filipino. O caso filipino, no entanto, é mais grave que o brasileiro já que as Filipinas abrigam o único ecossistema que, além de estar ameaçado, também é um sítio megadiverso.

Os sinais da devastação estão em toda parte. Morros carecas, rios assoreados, erosão e enchentes são lugares comuns nas Filipinas. As taxas de desmatamento, da ordem de 200 mil hectares por ano, são em termos relativos equivalentes às da Amazônia. A rapidez da degradação ambiental não está sendo bem assimilada pela fauna do arquipélago que hoje tem pelo menos 91 espécies ameaçadas de extinção, das quais 44 estão praticamente sem salvação e deverão desaparecer para sempre.

As Filipinas também são riquíssimas em sua fauna subaquática que, segundo pesquisadores da universidade americana de Old Dominion, conteria a maior diversidade coralínea do mundo. Mas embaixo d’água a coisa também não está boa. Desde 1920 a área ocupada por manguezais foi reduzida à menos da metade, para dar lugar a fazendas comerciais de peixes. A conseqüência é a redução da capacidade de filtragem dos mares costeiros motivando mortes de determinados corais.

Outra causa de morte é associada à poluição provocada, em parte, pelo desmatamento que aumenta a erosão e o carreamento de resíduos de terra para as águas litoâneas e, em parte, pelo rápido crescimento de uma população pobre e desprovida de saneamento básico e rede de esgotos. Por fim, ainda é comum nas Filipinas o uso de dinamite para a pesca, com resultados que são bem conhecidos: fica-se com o ovo, mas mata-se a galinha. Para piorar, o aquecimento global também está causando seu impacto, com crescentes casos de branqueamento de corais.

Por outro lado, medidas que poderiam ajudar a preservação por meio da conscientização dos habitantes de áreas ecologicamente sensíveis, tais como o ecoturismo, não estão sendo muito bem aplicadas. Nesse sentido, o caso das operadoras de mergulho de Porto Galera, umas das mecas de coral da Ilha de Mindoro, é paradigmático. A vasta maioria dos instrutores e guias é composta de estrangeiros, muitos sequer com visto de trabalho. Não parece haver o menor esforço para capacitar os filipinos para exercer as tarefas mais bem remuneradas do negócio. A eles resta limpar o chão, pilotar as lanchas, e fazer “massagens” em turistas menos interessados em mergulhar.

Nem tudo, entretanto, são más notícias. Em dezembro de 2004, depois que os estragos causados pela combinação de quatro tempestades tropicais sucessivas e morros desmatados causaram a morte de 1300 pessoas, a presidente das Filipinas, Gloria Arroyo, declarou moratória total a qualquer atividade madereira que implique em retirada de árvores.

Infelizmente, contudo, as similaridades entre Brasil e Filipinas não param na colonização ibérica, na megadivesidade, no catolicismo, ou no clima tropical. Em recente conferência que reuniu a Comunidade Européia e a ong ambientalista filipina Haribon, os participantes concluíram que não é por falta de legislação adeqüada que as matas do país continuam a ser suprimidas. Espera-se que as tristes semelhanças com o Brasil terminem aí e a moratória realmente saia do papel.

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