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Parques auto-sustentáveis

Os parques nacionais estão paralisados por falta de recursos e autonomia administrativa. A mão-de-ferro com que são controlados de Brasília precisa ser revista.

5 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

A maior parte dos parques nacionais brasileiros vive à míngua. Pudera, não tem dinheiro próprio. Aqueles que estão abertos à visitação e cobram ingressos repassam a sua arrecadação para o tesouro nacional, que os transfere para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o IBAMA, principal órgão responsável pela conservação ambiental na esfera federal.

Hoje, o orçamento anual do IBAMA gira na faixa de R$20 milhões, um valor a ser distribuído entre muitas atribuições, das quais a conservação dos 53 parques nacionais é apenas uma. O ideal seria fazer uma análise mais elaborada, com números como, por exemplo, o total que o IBAMA gasta com parques nacionais, a arrecadação de cada um e o quanto lhes é permitido manter. Mas esses dados não estavam disponíveis na data de fechamento dessa coluna. Os técnicos do IBAMA prometeram levantá-los e repassá-los ao ECO em poucos dias, para que esse exame possa ir adiante.

Os parques nacionais têm os mais diversos tamanhos e necessidades. Mas para provocar alguma reflexão, joguemos um pouco com os números. O Parque Nacional da Serra da Bocaina, entre os estados de Rio e São Paulo, não tem arrecadação e recebe em média R$40.000 por ano do IBAMA (salvo salários dos funcionários) para cuidar dos seus 110 mil hectares. Dá R$0,37 por hectare. Por sua vez, Itatiaia, de 30 mil hectares, um dos mais visitados parques do Brasil, cobra ingresso e tem situação financeira bem melhor. A visitação excede os 100 mil visitantes por ano, que pagam R$3,00 de entrada. O total arrecadado chega a R$400 mil ou R$13,00 por hectare. Nem toda a arrecadação de Itatiaia fica no parque, uma parte vai subsidiar parques mais pobres – de novo, os números não estavam disponíveis para o fechamento. O dinheiro de Itatiaia primeiro passeia em Brasília, mas parece que boa parte volta. Apesar de não haver um percentual definido da arrecadação própria que os parques podem manter, para incentivar a boa gerência local, o IBAMA costuma devolver aos parques “ricos” uma parte substancial do que geram.

Mas ter arrecadação própria como Itatiaia não é uma regra, muito pelo contrário. Dos 53 parques nacionais brasileiros, 15 não estão abertos à visitação e 9 só podem ser visitados com autorização especial. Na prática, isso significa que 24 parques estão fechados ao público e, logo, não podem obter receita com a venda de ingressos e outros serviços ligados à visitação. A principal razão é que esses parques não têm o chamado plano de manejo, pré-requisito para abrir qualquer parque ao público. De acordo com o IBAMA, 26 parques ainda não finalizaram essa etapa. Esse documento é considerado fundamental, porque levanta a situação ambiental e do patrimônio histórico do parque e, baseado nesse diagnóstico, traça um plano ecologicamente racional de administração dos seus recursos, incluindo as áreas que devem ser abertas e serviços oferecidos ao público.

A complexidade do plano de manejo torna a sua elaboração complicada e cara. Em geral, cada um leva anos para ser elaborado. No caso do Parque Nacional da Serra da Bocaina, o IBAMA aceitou fazer uma parceria com a ONG Pró-Bocaina e, após seis anos de trabalho, em 2002, o plano ficou pronto. O chato é que o parque foi criado em 1971. Foram necessários 31 anos para que fosse dado o passo administrativo mais importante para que o seu desenvolvimento deslanchasse.

Enquanto isso, o Parque da Bocaina ficou sem possibilidade de levantar recursos próprios. Isso atrasou também a sua implantação: o processo de consolidação fundiária, nas mãos do governo federal, de todas as terras dentro dos limites do parque. Na Bocaina, dos 110 mil hectares que o compõe, até agora, só 26 mil já foram adquiridos pelo governo federal. A situação fundiária dos outros 74 mil sequer foi levantada com precisão. Medida que, essa sim, muito mais que o plano de manejo, deveria ser um pré-requisito para a criação de um parque. Sem saber se haverá recursos para comprar e consolidar seus limites, criar um parque por decreto é, no mínimo, temeroso. Pior ainda é comprar 26 mil hectares e não prover recursos nem para defender seus limites. É o triste caso da Bocaina. Com verba curtíssima, as áreas do parque mais afetadas por invasões de posseiros são as que já pertencem ao governo federal.

Esse é só um exemplo. A situação dos parques nacionais é muito preocupante. Um grande impulso para mudá-la seria dar mais autonomia às administrações de cada parque para gerar recursos e administrá-los, sem ter que enviá-los para Brasília e ficar esperando o troco de pires na mão. Longínquo, com pouco dinheiro e sob constante pressão de políticos e grupos de interesse dos mais diversos, o IBAMA jamais terá capacidade de fazer uma administração centralizada eficiente dos parques. No máximo, pode fiscalizar a qualidade das administrações locais, baseado em regras e critérios bem estabelecidos. Se eles forem criados.

O assunto continua na semana que vem.

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