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O que nos faz felizes?

Para o economista Robert Frank, seria socialmente mais justo cobrar uma taxa progressiva sobre o consumo do que insistir no modelo atual de imposto de renda.

15 de abril de 2005 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

O consumismo ou o debate sobre o quanto e o quê é razoável gastar aflige ambientalistas e outros críticos dos excessos modernos. Inspirado pelo debate com meus amigos advogados do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima) da PUC-Rio e pela recente coluna de Rafael Corrêa volto ao tema dos impostos como mecanismo para corrigir possíveis distorções dos mercados.

Um esforço conjunto de economistas e psicólogos está gerando informações sobre o que deveria ser o objetivo principal das ciências sociais: como ser feliz. Os economistas tradicionalmente associam mais riqueza a um maior bem-estar, mas as novas pesquisas mostram que o elo entre os dois elementos é tênue. Os resultados são uma hierarquia de valores onde saúde, família e relações pessoais vêm à frente.

Também parece que os níveis médios de satisfação de um país se estabilizam quando atingem uma renda per capita em torno de US$10 mil por ano. Algo como o padrão de vida da Grécia atual, ou um terço do patamar americano. Em concordância, comparações históricas mostram que americanos e outros povos ricos não são mais felizes do que seus antepassados mais pobres.

Dentro de um mesmo país, níveis maiores de renda estão associados a uma alta satisfação. A classe média se declara mais feliz do que os pobres. E os ricos, por sua vez, se sentem ainda melhor. Entretanto, isso não funciona para comparações entre países. Os mais pobres podem exibir os mesmos níveis de satisfação do que os mais ricos, embora dentro de cada um funcione a relação “quanto mais rico mais feliz”.

Por último, tudo indica que o consumo de novos bens só aumenta a felicidade temporariamente. Alguém que ganhou a mega-sena pode estar exultante no dia seguinte, mas, passado pouco tempo, boa parte dessa felicidade extra se esvai. É possível que exista um fator genético ou de formação psicológica básica na felicidade individual. Nós podemos nos distanciar dessa média temporariamente, mas tendemos a voltar a ela.

Nessa linha de análise entra Robert Frank, economista da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Ele não é marxista nem ambientalista, mas, apoiando-se nesses insights, propõe uma mudança radical no sistema de impostos. O seu ponto de partida é simples: uma boa parte do consumo das pessoas é motivado por puro exibicionismo. Não compramos coisas apenas pelo mero prazer que elas nos dão, mas para competir socialmente. A idéia é antiga e seu mais conhecido teórico foi Thorstein Veblen, sociólogo e economista americano que cunhou o termo “consumo conspícuo” (ou aparente, visível) usado na “Teoria da classe ociosa”, de 1899.

Se Veblen e Frank estão certos, o consumo como forma de competição social distorce a acumulação de riqueza. Não só nos leva a trabalhar e consumir mais do que gostaríamos, como dirige o nosso esforço para a produção de bens cuja principal utilidade é serem exibidos. Assim, se não fosse a corrida consumista, passaríamos mais tempo contemplando a natureza ou visitando os amigos. E produziríamos uma quantidade maior de bens e serviços essenciais, como educação e saneamento. Segundo ele, o comportamento consumista pode ser smart for one, dumb for all (esperto para um, burro para todos).

Mas como saber a priori qual consumo é conspícuo e qual é legítimo, isto é, que dá satisfação direta ao usuário? Uma câmera fotográfica de última geração pode ser uma necessidade para um profissional do ramo e uma ostentação para um playboy em viagem. Um carro mais potente pode ser um grande conforto para uma família grande que mora numa região montanhosa e uma besteira para o pai que quer impressionar quando busca os filhos na escola. Como reduzir o consumismo sem se tornar um ditador?

Frank pretende mudar esse comportamento apelando para uma mudança nos impostos. Sugere que, ao invés da renda, o consumo seja taxado. O imposto de renda costuma ser criticado porque reduz a poupança. Aqueles que economizam e aumentam suas rendas são mais tributados com o passar dos anos. O problema de substituir o imposto de renda por um imposto sobre consumo é que esse último é regressivo, isto é, incide menos sobre os mais ricos. Por exemplo, imaginemos que uma televisão de R$500 embuta R$100 de imposto. Esse montante é relativamente muito mais pesado sobre alguém que ganha mil reais (10%) do que sobre alguém que ganha R$10 mil (1%). Quanto mais rico o indivíduo for, relativamente, menos imposto paga.

A solução de Frank é a criação de um imposto progressivo sobre consumo, substituindo o imposto de renda atual. Como fazer? A operação seria simples. Em geral, impostos sobre consumo, como o ICMS no Brasil, são recolhidos pelos vendedores dos produtos. Uma forma de aplicar a idéia de Frank seria cobrá-los dos compradores. A base de cobrança individual seria a diferença entre a renda declarada e o total poupado durante o ano em aplicações como cadernetas de poupança, ações e aplicações de renda fixa. Quanto maior fosse o consumo, mais alto seria o imposto do contribuinte. Essa mudança de incentivo faria as pessoas pensarem duas vezes antes de gastarem mais, pois acabariam caindo em alíquotas mais altas.

A idéia não é maluca nem totalitária, pois não determina uma lista de bens supérfluos nem limites de gastos. Parece uma mudança factível, porque além de podar o consumismo incentivaria o aumento da poupança. Segundo Robert Frank, o resultado fomentaria um crescimento direcionado para bens como escolas, hospitais, estradas mais bem cuidadas, alimentos fiscalizados por padrões mais altos, entre outros benefícios mais desejáveis à sociedade. Bem mais interessante do que mansões, iates, carrões, e outros bens muitas vezes comprados por serem grandes e caros.

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