Banco presta serviço. Serviço não polui. Então, qual é a relação de bancos e seguradoras com o meio ambiente? Foi essa a pergunta que me veio à cabeça quando recebi o convite para o seminário da FBDS (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável) sobre o assunto. Eu estava totalmente por fora. O setor financeiro tem tudo a ver com proteção ambiental e desenvolvimento sustentável. Afinal, fornece o sangue das economias de mercado. Se deixar de fora as empresas com operações poluidoras ou sem licenciamento ambiental, elas minguarão.
Foi assim que passei o dia, na última quarta-feira, na companhia do mais engravatado grupo de ecologistas que já conheci, os banqueiros verdes. Tudo bem, os ternos eram escuros, os mocassins polidos e as gravatas clássicas. Mas a alma era verde. A mesma cor do dólar. Já ajuda.
Apesar do foco do evento ser sobre os bancos públicos, logo no início, Chris Wells, representante do Banco Real, hoje parte do holandês ABN-AMRO, fez uma apresentação incisiva sobre a importância do tema para os bancos privados. O Real fez uma pesquisa com cinco mil dos seus clientes. Descobriu que existe grande chance de empresas com problemas ambientais também sofrerem má gerência financeira. E isso é perigoso para os bancos.
A mais básica habilidade do setor é estabelecer o risco de crédito dos seus clientes. Quando faz um empréstimo, o banco quer saber se o tomador terá capacidade de pagá-lo. Ocorre que multas ambientais podem levar à falência uma empresa e torná-la inadimplente. Com os novos tempos de duras regulações ambientais se espalhando pelo mundo, banco que não prestar atenção nesse fator pode perder muito dinheiro. Outra maneira de ter prejuízo é receber garantias que podem carregar um passivo ambiental. Nesse caso, quando o banco executa a garantia de um devedor pode ganhar, ao invés de uma compensação, um abacaxi. Por exemplo, um terreno contaminado, dado em garantia, pode acabar tendo um valor negativo e doer no bolso do credor.
É também crescente a tendência dos tribunais co-responsabilizarem os financiadores por prejuízos ambientais. Isso já é uma realidade nos EUA e no Brasil. Mais um forte incentivo para ficar de olho aberto. E se as razões acima já não fossem suficientes para a mudança de atitude da banca privada, as ongs também aprenderam a dar um calor nos bancos por trás de empreendimentos poluidores. Elas comprometem um dos aspectos mais caros a uma instituição financeira, sua reputação e imagem perante o público. Por tudo isso, os grandes conglomerados financeiros estão cada vez mais atentos e formando departamentos técnicos para lidar com a questão ambiental.
No caso dos bancos públicos brasileiros, eles estão comprometidos com o Protocolo Verde, uma declaração de intenções e padrões de desempenho ambiental para o setor financeiro. O protocolo foi criado em 1995, como um desdobramento brasileiro da Iniciativa Financeira do PNUMA (Programa das Nações para o Meio Ambiente) ou UNEP FI. Essa, por sua vez, surgiu com uma declaração da indústria financeira, feita em Nova York, às vésperas da Rio 92. “O Brasil participou desse início através do BNDES”, conta Isaura Frondizi, que foi a representante da instituição no grupo de trabalho da ONU. “Foi uma iniciativa, na época, de Sérgio Besserman e Paulo Sérgio Fonseca. Eles foram os visionários que avistaram o potencial dos bancos públicos na área ambiental. Mais tarde, Raul Jungman, quando foi presidente do IBAMA, incentivou dentro do governo a criação do Procolo Verde”, rememora ela.
Nem tudo são flores. Na prática, existem setores, como a agricultura, onde aplicar restrições ambientais é complicado. O representante do Ministério do Meio Ambiente no evento, Gilney Viana, lembrou da dificuldade de fazer cobranças ambientais dos agricultores assentados pelo programa de reforma agrária. Outro obstáculo é a lentidão com que os órgãos reguladores operam no Brasil, sem prazos para apreciar as licenças. No Chile, por exemplo, esse processo tem um limite de 60 dias. Aqui, quando atrasam, podem impedir que uma empresa tenha acesso aos bancos públicos. Esses, por seu lado, também costumam sofrer pressão dos governos para emprestar aos setores que consideram essenciais. Também falta gente e recursos para fiscalizar a operação dos clientes. “Não tem mocinho nem bandido nessa história. É preciso bom senso na aplicação do Protocolo Verde. Ele foi desenhado para ser implementado de forma gradual e consistente. O importante é persistir nos seus princípios para que eles se tornem cada vez mais conhecidos e usados”, pondera Isaura.
Algumas pisadas feias na bola acontecem. Recentemente, o TCU (Tribunal de Contas da União) sustou a continuação dos desembolsos do BNDES para a Nova Dutra, concessionária da rodovia de mesmo nome. A empresa foi pega devendo licenças ambientais no estado do Rio e de São Paulo, entre elas, autorização do Instituto Estadual de Florestas – RJ para cortar árvores. Adriana Bocaiúva, assessora jurídica do instituto diz que o departamento de meio ambiente do BNDES foi esvaziado nesse governo. “Durante a administração Lula, o que prevaleceu foi o desenvolvimentismo. A área de meio ambiente do banco, que já foi modelo, foi desmantelada. Hoje, o BNDES come mosca porque não tem mais pessoal suficiente capacitado para monitorar financiamentos nesse aspecto”, aponta ela.
O Protocolo Verde não é lei. Trata-se de um ambicioso balizamento das diretrizes ambientais que os bancos públicos devem seguir. Mas existe lei também. É a de número 6.938, sancionada em 1981, e que criou a Política Nacional de Meio Ambiente. Lá está firmado que qualquer empreendimento fora das normas ambientais não terá direito a financiamentos públicos. Na dúvida, basta segui-la.
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