A última coluna foi sobre como a Prefeitura do Rio trata o corte de árvores urbanas. A política atual é de impor custos pesados a quem decide por uma remoção dentro do próprio terreno. Para obter a licença de retirada de uma árvore, é preciso encarar até dois meses de burocracia da Fundação Parques e Jardins, mais cerca de R$1.000,00 em taxas. A intenção dessas dificuldades, claro, é preservar árvores. Será que é esse o efeito?
A melhor forma de evitar uma encrenca é não entrar nela. Assim, se no futuro você pode ser punido por plantar uma muda hoje, talvez o melhor seja não arriscar. A atual política ajuda a salvar as árvores já existentes, mas reduz novos plantios. Quem ler o texto anterior, verá que, conversando por aí, não foi difícil levantar histórias de como as pessoas não querem novas mudas e até derrubam as que nascem espontaneamente, com medo de taxas e multas futuras.
Vou arriscar formalizar a racionalidade por trás dessas especulações, mostrando que a mera redução das punições pode aumentar o valor de uma nova árvore. Os números abaixo são a título de exemplo. Peço paciência ao leitor com os caminhos tortuosos da mente depravada de um economista. Mas acho que vale à pena ir até o final.
Imagine que o morador de uma casa com terreno livre no município do Rio de Janeiro quer plantar um jacarandá. É uma decisão estratégica. Ele espera gostar do resultado, mas pode ser também que, no futuro, queira construir mais um quarto na casa e precise cortar a árvore.
Eis um modelo da situação. Existem duas possibilidades para a conseqüência dessa ação, uma boa e outra não. Foi o próprio dono que decidiu levá-la a cabo. Logo, ele deve imaginar que a probabilidade do melhor resultado ocorrer é grande. Podemos atribuir um valor monetário a cada resultado. Então, a nossa história fica assim. Um sujeito planta um jacarandá no seu quintal. Se tudo correr bem, ele jamais precisará removê-lo. Na sua avaliação subjetiva, esse jacarandá equivale a um benefício de R$1.000,00. Ele imagina que a probabilidade de tudo dar certo (R1) é de 80% (ou 80/100=0,8). Logo, ele encara como 20% (ou 20/100=0,2) a probabilidade de no futuro ter que cortar o jacarandá (R2), o que gerará custos de R$500,00.
O valor esperado dessa ação é o somatório da probabilidade de cada resultado vezes o seu valor. Remover o jacarandá (R2) tem um valor negativo. Assim, temos:
Valor esperado = (R$1.000 x 0,8) − (R$500 x 0,2) = R$800 − R$100 = R$700
Ou seja, a racionalização matemática dessa decisão, com esses valores, diz que o jacarandá tem um valor esperado de R$700,00. Conclusão, o projeto vale à pena.
Bem, chega a Prefeitura do Rio e diz que as taxas de remoção serão de R$1.000,00. Agora, se o dono do terreno quiser remover a árvore isso custará os R$500,00 anteriores mais as taxas, ou R$1.500,00.
Valor esperado com taxas =
(R$1.000 x 0,8) − (R$1.500 x 0,2) = R$800 − R$300 = R$500
As taxas reduziram o valor esperado do jacarandá de R$700 para R$500. O incentivo para plantá-lo diminuiu.
Meus amigos ambientalistas me dizem que o cidadão médio detesta ou dá pouquíssimo valor às árvores urbanas, por isso é preciso dificultar e taxar o corte. No modelo acima, isso significa que vamos mexer com o valor de R1, que é a situação em que a árvore fica. Imaginemos que o valor de R1 cai de R$1.000,00 para R$200,00. Plugamos os números de novo e obtemos:
Valor esperado com taxas de um sujeito que valoriza pouco o jacarandá=
(R$200 x 0,8) − (R$1.500 x 0,2) = R$160 − R$300 = − R$140
O jacarandá agora tem um valor negativo de R$140,00. Plantá-lo seria o equivalente a perder essa quantia.Quer dizer, isso não acontecerá.
Espero que você ainda não tenha morrido de tédio ou de desprezo por essas contas imaginárias. Pode-se brincar com os números à vontade, mas a conseqüência dessa simulação é que quanto menos as pessoas gostarem de árvores, mais sensíveis elas serão às taxas de corte e, logo, menos propensas a plantá-las.
A Prefeitura deveria encarar essa situação pela ótica oposta. As árvores privadas geram benefícios (externalidades positivas) à sociedade. Deveríamos premiar os proprietários que as cultivam. Mas essa coluna está ficando grande e penosa. Termino o assunto na próxima, com sugestões de como aumentar o verde doméstico nas cidades.
Leia também
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →