Os americanos pensavam que a péssima qualidade do ar nos grandes centros chineses ficasse por lá. Não estamos falando de efeito estufa, mas de enxofre, mercúrio e partículas finas geradas por vários processos produtivos. Cimento, por exemplo. Nesse caso, a produção da China representa 40% da global.
Os americanos também achavam barato fazer iPods por lá. Um estudo recente desmembrou o custo de um modelo de US$299. Do total, mais da metade, ou US$163, remuneravam trabalhadores e empresas americanas. A Apple sozinha ganhava US$80 por unidade vendida. O custo da mão-de-obra chinesa que faz a montagem é de cerca de US$3, ou 1% do total.
A Apple ganha muito pela invenção de um produto desejado mundialmente. Um iPod leva 451 componentes. A empresa descobriu uma forma de fazê-los valer juntos mais do que se fossem vendidos separadamente. Experimente desmontar o seu iPod, vai acabar toda a magia.
Idéias como essa são raras e saem da cabeça de profissionais qualificados. Por outro lado, trabalhadores fabris chineses são abundantes. Por isso, a Apple ganha a parte do leão do iPod e os chineses um pedacinho. Para compensar, eles produzem milhões de unidades. A China, incluindo Taiwan, se tornou a grande fábrica de eletrônicos do mundo.
Esse jogo não é ruim. Acusam-se os países ricos, ou pelo menos suas empresas, de explorarem a mão-de-obra barata dos pobres. Mas o comércio é um jogo ganha-ganha. Os países ricos importam produtos baratos, enquanto os pobres que participam do comércio internacional obtêm recursos para investir e aumentar a renda per capita a taxas invejáveis, duas ou três vezes maiores do que a americana, ou européia e japonesa. A redução da pobreza e o aumento de consumo na China e no Vietnã são bons exemplos.
O lado sujo dessa história não é o comércio, mas sim que parte da vantagem de custos chinesa vem de padrões ambientais sabidamente ridículos. Estima-se que a má qualidade do ar na China mate de 300 a 400 mil pessoas e cause 75 milhões de crises de asma por ano.
Mas as conseqüências não param por lá. Elas cruzam o Pacífico semanalmente com as nuvens tóxicas de poeira que se originam no deserto de Gobi, no norte da China, e passam ao longo do país, onde se carregam de poluentes. Destino? A costa oeste americana.
É a globalização da poluição.
Os americanos estão perdendo a capacidade de controlar a qualidade do próprio ar. Cada vez mais, os níveis de ozônio e mercúrio em estados como Oregon e Washington são determinados no estrangeiro.
O mercúrio chega às nuvens e se precipita com as chuvas causadas pela umidade da costa noroeste americana. Ele contamina os rios e impregna os peixes. Um quinto da contaminação do rio Willamette, no Oregon, vem de fora. O consumo de mercúrio causa problemas motores e retardamento mental. Crianças e grávidas são especialmente sensíveis a seus efeitos. Vários peixes comerciais da região já atingiram níveis de contaminação perigosos.
Um terço do aerossol (partículas finas em suspensão) que degradam o ar californiano tem origem na Ásia. Em um famoso destino de férias, Lake Tahoe, estima-se que a totalidade desse poluente vem da China. Um dos seus efeitos é danificar os pulmões. A vanguarda e o esforço californiano em programas para melhorar o ar serão anulados pela poluição chinesa.
E não adianta reclamar em cortes internacionais. A China não reconhece a jurisdição das mesmas. Uma alternativa seria penalizar individualmente empresas poluentes. Mas isso também será difícil. A China não entrega o jogo, deixando de informar as medições de poluentes locais.
Não há uma solução à vista. O que parece mais viável é dar toda a tecnologia e recursos financeiros necessários para que a fome de crescimento chinês não gere uma indigestão nos EUA. Quer dizer, a melhor alternativa a curto prazo é pagar a China para poluir menos.
De outro modo, o iPod vai acabar causando enfisema.
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