Envolver o jovem em questões sócio-ambientais talvez seja uma boa receita para um novo sabor de mudanças do mundo. Há uma geração atrás não havia a noção do perigo pelo qual o planeta estava passando. Muitos curtiam a natureza, passando férias em fazendas e em áreas naturais, mas sem preocupações conservacionistas. Não havia a consciência explícita das ameaças e das perdas, a não ser entre pessoas mais atentas ou especialistas em determinadas questões.
No Brasil, mais de 70% da população vive no meio urbano, o que leva as pessoas a se distanciarem da natureza. Somado a esse fato, toda nossa cultura é impregnada de um etnocentrismo exacerbado que predomina no mundo ocidental há milênios. Ao um ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, é atribuída uma superioridade frente às demais espécies, o que acaba refletindo na forma com que é conduzido nosso desenvolvimento e priorizadas as nossas ações. Em nome do progresso, muito tem sido devastado e a insustentabilidade impera em todos os cantos da Terra.
O lastimável é que o Brasil tem uma riqueza biológica singular que merecia maiores cuidados dos que têm recebido. É um dos líderes de biodiversidade e são inúmeros os dados que mostram sua riqueza natural. Está entre as nações de maior número de espécies em todas as formas de vida: plantas, mamíferos, répteis, aves, e anfíbios. Em seus biomas mais representativos, conta com inúmeros ecossistemas que abrigam espécies com riquezas singulares. Entretanto, há uma falta de consciência e a devida valorização deste patrimônio natural, o que provoca perdas contínuas inestimáveis.
Uma nova abordagem talvez esteja no envolvimento do jovem brasileiro. O pesquisador Hermes Zaneti, em seu livro Juventude e Revolução, mostra que na lista de anseios, em primeiro lugar o jovem quer um Brasil melhor. Dinheiro aparece em sexta posição, o que é um alento, pois riqueza financeira muitas vezes representa ganhos a curto prazo com a destruição e o uso insustentável dos recursos naturais. Mais de 50% estão interessados em contribuir e se envolver em algum projeto que transforme a realidade, mas muitos não sabem bem como.
Meios para envolver os jovens
Um condimento que poderia ser adicionado ao cardápio educacional seria encontrar meios que viabilizassem esse envolvimento. Sair da inércia para o ativismo ético e responsável; despertar a motivação no jovem de modo a que pudesse trabalhar em prol de uma causa maior ajudaria à evolução deste caminho. O jovem, ainda não completamente contaminado pelo sistema vigente, pode representar um ponto de partida com potencial mais aberto a mudanças. Um elemento importante é o acúmulo de energia que caracteriza essa faixa etária, que nem sempre é canalizada para o bem.
É aí que residem os perigos das drogas e outros meios que encontram para que se afastem da realidade. Está certo que a realidade atual está longe de ser promissora, mas a forma com que o jovem a enfrenta pode ser decisiva. Em vez de sentir a necessidade de se esconder por detrás de artifícios destrutivos, poderia ter a satisfação de melhorar o que é de todos. Se passar a se perceber como um ser capaz de transformar a realidade, pode, por exemplo, ajudar a proteger o que merece orgulho da população brasileira: nossa biodiversidade. Esta talvez seja uma das chaves de se encontrar o caminho para a felicidade pessoal.
Interessantemente, a felicidade apareceu na pesquisa de Zaneti em 5º lugar. Este é outro ponto a ser considerado no processo educacional do jovem brasileiro. Se a educação fosse dirigida para uma felicidade integral, não poderíamos aceitar a desigualdade social e nem a destruição do meio ambiente, comuns em nossos dias. Uma condição para se ser verdadeiramente feliz é saber que todos os seres têm chances de evoluir e aflorar em sua magnitude. Só assim a felicidade poderia ser vivenciada plenamente. Por isso, a educação deveria adotar também o objetivo felicidade.
É curioso notar que há uma certa ilusão de que o acesso à tecnologia traz felicidade. Avanços tecnológicos, sem dúvida, representam eficiência em diversos campos e a redução de esforços para se desempenhar determinadas funções. Mas, comparar os avanços dessa natureza com estágios de felicidade é um equívoco. O conforto hoje é inquestionável, mas somente uma minoria tem acesso a recursos capazes de obtê-los.
Mesmo em ambientes abastados a felicidade nem sempre está presente. Alguns países desenvolvidos têm altos índices de suicídio, de pessoas sofrendo de depressões profundas, de stress e com alto consumo de drogas, principalmente entre os jovens. Por isso, atingir níveis de felicidade nem sempre é um processo simples e condicionado a bens materiais. Se assim fosse, seria um processo de fora para dentro, o que não condiz com o inverso, que é necessário para que a felicidade de fato exista.
Até a geração passada, as pessoas não eram educadas para a felicidade, e sim para responderem às expectativas da sociedade. Felizmente, esta falha está sendo reconhecida por muitos que passaram a educar com objetivos de incentivar as pessoas a se desenvolver, a buscar o que realmente gostam; aquilo que faz o coração bater mais forte, o olho brilhar e a sensação de vida pulsar. Quando se trabalha no que se gosta de verdade, se faz bem, e o sucesso passa a ser um resultado natural – não uma finalidade, mas uma conseqüência. A felicidade contagia, e quem é feliz aprende a dar o que tem de melhor. A felicidade e a realização pessoal estão intimamente ligadas, são inseparáveis.
Shumacher, quando descreve a economia budista em seu livro Small is Beautiful, mostra como o trabalho e a evolução pessoal estão interligados. A pessoa cresce nas relações e é na sua realização profissional que desperta seu potencial individual. Ganhar o máximo fazendo o mínimo, hoje comum, não é aceitável de acordo com esses princípios. As profissões devem ser escolhidas não porque levarão a um emprego, mas porque representam um trabalho inspirador, uma fonte de realização.
Exemplos
Em termos práticos, nossa instituição, o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas está repleto de exemplos de jovens envolvidos em causas que os fazem sentir salvadores do mundo. Com certeza estão dando uma bela contribuição para a melhoria de vida de comunidades que dificilmente teriam chances de alcançar mudanças significativas para seus familiares e o meio ambiente em que vivem, além de literalmente estarem ajudando a salvar espécies e habitats ameaçados de extinção.
Um bom exemplo vem do Pontal do Paranapanema, uma região conflituosa, mas que tem sido palco de um trabalho de educação abrangente contínuo desde os anos 80. Dentre os muitos jovens que vêm se juntando à nossa equipe, destaco a Maria das Graças de Souza, a Gracinha, que trabalha há quase 20 anos em educação ambiental e é uma das fundadoras do próprio IPÊ. Nascida em Teodoro Sampaio, começou como estagiária quando cursava o primeiro ano do segundo grau. É possível que nunca tivesse tido a chance de perceber seu imenso potencial transformador se não fosse dada a ela uma série de oportunidades. Hoje, sua energia inesgotável é direcionada à coordenação de diversos projetos de educação ambiental de grande responsabilidade. Seu brilho vem se espalhando pelo mundo adora, pois já participou de curso na Inglaterra e especialização de um ano na Universidade de Colúmbia em Nova York. Acabou recentemente um mestrado na USP com um trabalho que envolveu estudantes, professores e cientistas no interior de São Paulo. Seu potencial é inquestionável e, hoje, creio que ela própria não questiona sua capacidade própria. Porém, a descoberta desse potencial talvez tenha sido uma das chaves de seu sucesso.
Nas questões ambientais a oportunidade é enorme para o jovem se engajar em causas que sinta valerem a pena. Foi esta a missão que levou a Gracinha e tantos outros jovens a se envolverem em desafios sócio-ambientais com comprometimento, seriedade e total entrega. Quando o jovem sente que é capaz de mudar algo, sua energia é redobrada e seu poder de convencimento, contagiante.
Quantos jovens com o potencial da Gracinha e outros que têm passado pelo IPÊ não existem no Brasil? Muitos, talvez a maioria, não tiveram e não terão as oportunidades de se descobrirem. A questão é ajudar a pessoa a perceber do que é capaz, sempre respeitando a individualidade e as características de cada um.
O desafio é, portanto, descobrirmos meios de facilitar processos em que o indivíduo desperte para o seu poder transformador. Se o sistema de educação incluísse tais princípios, as mudanças teriam mais chances de ocorrerem com maior rapidez. Somado a isso, a busca da Felicidade (com letra maiúscula) só poderia contribuir para que o jovem se sentisse inteiro – com o potencial de se tornar um adulto atuante, solidário e plenamente feliz.
A educação deve, assim, ser pautada na noção de que o aprendiz precisa buscar seu caminho de realização plena – seu caminho para a Felicidade. A chave pode estar na valorização da vida. Quando se valoriza a vida, se valoriza o ser humano e se valoriza a natureza. Trabalhar para valores é um processo educativo que pode parecer mais lento do que aumentar conhecimentos. Mas, para haver mudanças que realmente surtam efeitos é necessário tocar os valores das pessoas, sensibilizá-las, incluir a paixão como um condimento especial na dieta do saber. Pensar a coletividade é pensar solidariamente. Este é um processo educativo que pode valer a pena, pois as transformações dependem de um novo modo de nos relacionarmos com o mundo.
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