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Afinal, qual a diferença entre conservação e preservação?

Conservação e preservação não significam a mesma coisa. Uma protege a natureza em si, a outra desafia o homem a conviver com ela. Ambas são importantes.

2 de fevereiro de 2006 · 18 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

É comum haver confusão entre os termos conservação e preservação. Muitas vezes usados para significar a mesma coisa, na verdade expressam idéias que têm origem em raízes e posturas distintas. Conservacionismo e preservacionismo são correntes ideológicas que representam relacionamentos diferentes do ser humano com a natureza.

Um precursor do pensamento ambientalista foi John Muir, para quem a natureza tinha valor intrínseco. Mesmo que em sua época ainda não houvesse distinção desses termos, Muir hoje seria considerado um preservacionista, pois ficou conhecido pelo seu deslumbramento pela natureza em geral, e compartilhou suas emoções em vários textos e livros que se tornaram marcos do movimento ecológico que se formaria mais tarde. Compreendia a continuidade que é inerente à natureza, como mostra esse seu trecho: “Os dias quentes e ruminantes são cheios de vida e pensamentos de vida por vir, como as sementes que amadurecem contendo o próximo verão, ou uma centena de verões”. Ao enfocar a natureza sem a interferência humana e sem pensar no uso que determinados elementos poderiam representar, Muir se destaca por seu amor pelo mundo natural.

Com o correr do tempo, o preservacionismo tornou-se sinônimo de salvar espécies, áreas naturais, ecossistemas e biomas. Tende a compreender a proteção da natureza, independentemente do interesse utilitário e do valor econômico que possa conter.

Conservacionismo

Já a visão conservacionista, contempla o amor pela natureza, mas permite o uso sustentável e assume um significado de salvar a natureza para algum fim ou integrando o ser humano. Na conservação a participação humana precisa ser de harmonia e sempre com intuito de proteção.

Por volta de 1940, Aldo Leopold deu uma grande contribuição ao conservacionismo, pois demonstrava o amor de um preservacionista pela natureza, mas trabalhou para integrar o ser humano às áreas naturais, atribuindo uma dimensão de maior acessibilidade e importância a elas. Propôs o que na época foi inovador e que continua sendo recomendado até hoje: um manejo que visasse maior proteção do que a ‘intocabilidade’. Leopold introduziu uma nova ética ambiental como no capítulo “Land Ethics” (A Ética da Terra) em seu livro Sand County Almanaque. Precursor da Biologia da Conservação, tratava a conservação como ciência, com os diferentes campos se complementando, de modo a que se atingisse maior efetividade na própria proteção ambiental. Suas idéias expressam a necessidade de se assumir novas posturas que compreendam a integração dos elementos e a noção de longo prazo: “ … a ética da terra transforma o papel do Homo sapiens de conquistador da comunidade da terra, a um mero membro e cidadão dela. Implica em respeito pelos membros-companheiros, assim como respeito pela comunidade em geral”.

Uma outra tendência liderada pelo escandinavo, Arne Naess, vale ser mencionada. Conhecida como ‘ecologia profunda’, considera que o conservacionismo tem uma visão reducionista, pois, segundo o autor, está limitado a concepções do primeiro mundo. De acordo com Naess a conservação depende da compreensão de aspectos mais profundos, tais como:

– a ótica precisa ser abrangente para incluir todos os seres e suas inter-relações, e não apenas a visão humana;
– é fundamental que haja maior eqüidade nas relações planetárias com posturas anti-classe, para que a diversidade biológica possa ser verdadeiramente valorizada e consequentemente protegida de fato;
– medidas que se opõem à poluição e à degradação ambiental devem ser levadas adiante com seriedade e compromisso;
– a complexidade deve ser contemplada, evitando-se visões que levam à complicação;
– a autonomia local e a descentralização das decisões podem ser chave no processo de inclusão social e valorização da natureza.

Nessa visão de mundo tudo está integrado; tudo é importante porque tem valor próprio. O ser humano passa, assim, a ser mais uma espécie e não mais “a espécie”. Essa linha de pensamento tem sido chamada de holística e se afina com escritores como Kapra (Ponto de Mutação), Lovelock (Teoria Gaia) e, no Brasil, com Boff, Brandão e outros.

Nem sempre esses pensadores são aceitos sem críticas. Lovelock, por exemplo, foi bastante refutado no mundo científico, que dizia faltarem provas concretas para suas afirmações. No entanto, a metáfora que criou com o planeta como um ser vivo acabou sendo respeitada e largamente conhecida: os rios são comparados às veias, os pulmões aos oceanos e florestas, e assim por diante. Sua ênfase é na interligação de tudo o que se encontra no planeta, estando todos os elementos conectados. Nesse sentido, tudo precisa estar sadio para que o todo funcione e se manifeste plenamente. Segundo Boff, a hipótese Gaia confere unidade e harmonia no universo, constituído por uma imensa teia de relações, “de tal forma que cada um vive pelo outro, para o outro e com o outro …” (Ecologia: Grito da Terra Grito dos Pobres, 2004).

Com a compreensão da necessidade de se proteger a natureza e devido aos altos impactos que o modelo de desenvolvimento estava causando no equilíbrio planetário, surgiram termos como ‘eco-desenvolvimento’, proposto por Ignacy Sachs, que posteriormente evoluíram para ‘desenvolvimento sustentável’ e ‘sustentabilidade’. Esta terminologia tem sido usada em reuniões internacionais, inclusive na Rio-92. Existem também discussões acirradas sobre o significado dos termos, uma vez que alguns autores não desenvolvimento e sustentabilidade ambivalentes, um invalidando o outro ao pressupor a continuidade de uso e de impacto que certas atividades causam. O desafio parece estar no conciliar produtividade, conforto e conservação ambiental.

Uso dos termos

Todos esses termos são relativamente novos, já que a necessidade de se conservar ou preservar só apareceu há poucas décadas. Por isso, acabam sendo empregados sem muitos critérios até mesmo por profissionais das áreas ambientais, jornalistas e políticos. Mesmo na legislação brasileira, os termos são usados de maneira variada, apesar de se ter a noção das diferenças de significados. Conservação, nas leis brasileiras, significa proteção dos recursos naturais, com a utilização racional, garantindo sua sustentabilidade e existência para as futuras gerações.

Já preservação visa à integridade e à perenidade de algo. O termo se refere à proteção integral, a “intocabilidade”. A preservação se faz necessária quando há risco de perda de biodiversidade, seja de uma espécie, um ecossistema ou de um bioma como um todo.

No Brasil, a necessidade de se incluir as necessidades sociais tem sido uma constante nos movimentos ambientalistas. Por exemplo, o envolvimento comunitário vem sendo conquistado por meio de programas de educação ambiental direcionados a populações que vivem ao redor de Unidades de Conservação. Primeiro como uma ferramenta de apoio à conservação, mas aos poucos assumindo novas frentes. Em muitos contextos tem incluído alternativas de renda que visam a melhoria da qualidade de vida humana com práticas que enfocam e valorizam a natureza local. Esta abordagem resulta da impossibilidade e da injustiça de se pensar em conservar espécies e ecossistemas ameaçados, quando as condições de humanas são indignas. Com base nesse novo pensar surgiu o termo ‘socioambiental’, onde o social e o ambiental são verdadeiramente tratados de maneira integrada.

A idéia não é abrir mão nem da conservação da natureza nem das necessidades humanas. É contemplar a vida de forma ampla e integrada. Sendo assim, a opção de qual termo utilizar pode variar entre preservar ou conservar, desenvolvimento mais sustentável ou medidas que visem a sustentabilidade de um sistema amplo. Ainda há quem discuta apaixonadamente qual a tendência mais correta. Entretanto, a escolha muitas vezes lembra crenças religiosas, o que nem sempre vale questionar. O importante é incentivar a reflexão e a análise das idéias que têm sido elaboradas no Brasil e pelo mundo afora. Só assim poderemos escolher o que queremos preservar de nossos pensamentos e atitudes e o que estamos dispostos a mudar para que possamos aumentar as perspectivas de melhor conservar a biodiversidade brasileira.

 

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Comentários 10

  1. BENTO JOSE MORAIS FERREIRA diz:

    eu nunca vou conseguir anotar tudo hauhahuhauhau


  2. Maristela Zamoner diz:

    Que artigo maravilhoso! Parabéns!


  3. Joao Pimenta diz:

    Ótimo artigo que traz uma distinção importante. Estou do lado do preservacionismo.


  4. Soraya Ferreira diz:

  5. baRBARA diz:

  6. maria rilda diz:

  7. Paulo diz:

    O importante é trazermos uma reflexao de como melhor preservarmos a biodiversidade


  8. Thayse diz:

    Muito obrigada por compartilhar conosco o seu saber.


    1. geis diz: