Reportagens

Cientistas de 27 instituições defendem novo modelo para compartilhamento de dados de florestas

Em artigo publicado na Nature Ecology and Evolution, grupo alerta para a necessidade de reduzir desigualdades e melhorar condições de trabalho das pessoas que coletam informações em campo

Luciana Constantino ·
15 de abril de 2022 · 2 anos atrás

Considerados fundamentais para o monitoramento e até para a construção de políticas de preservação da biodiversidade, os dados abertos de florestas requerem um “acordo radicalmente novo” entre originadores, usuários e financiadores. Esse é um dos principais pontos colocados em discussão em artigo de opinião publicado na segunda-feira (11/04) na revista Nature Ecology and Evolution e assinado por 25 pesquisadores de 27 instituições e universidades de vários países, entre elas quatro brasileiras.

Liderado pelos cientistas Renato Augusto Ferreira de Lima, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), e Oliver L. Phillips, da Universidade de Leeds (Reino Unido), o grupo concorda com a necessidade de os dados serem abertos, mas coloca a desigualdade de condições de trabalho entre geradores e usuários das informações como argumento para avaliar de que forma e quando abri-los, defendendo um processo mais “justo e equitativo”.

“O cientista tropical de campo conhece bem essa realidade. Com o debate que trazemos à tona queremos atingir instituições financiadoras, os usuários que querem acoplar dados florestais a informações de satélites e as casas editoriais, que às vezes exigem a abertura dos dados. É uma forma de alertar que as condições de trabalho para a geração dessas informações não são iguais para todos”, afirma Lima à Agência FAPESP.

As diferentes condições de trabalho, de infraestrutura, de capacitação e de financiamento das pesquisas estão na lista das causas para o que o grupo de cientistas chama de “abismo” entre os profissionais e instituições que medem as florestas em campo e os que utilizam os dados coletados para fazer sínteses em escalas regionais e globais.

“No artigo mostramos que os geradores de dados biológicos nos trópicos – entre eles botânicos, ecólogos, engenheiros florestais, técnicos e comunidades locais – não dispõem de acesso aos mesmos treinamentos, infraestrutura e recursos. Isso acaba gerando um ônus para quem tem a responsabilidade de coletar os dados e que, muitas vezes, precisa de investimento continuado para conseguir monitorar a biodiversidade”, diz Lima.

O acesso a dados sem restrições e com possibilidades de compartilhamento tem sido considerado fundamental para atender a uma crescente demanda por informações florestais, seja para pesquisa, monitoramento e formulação de políticas públicas.

Isso porque as florestas tropicais – onde se insere a Amazônia, por exemplo – são vistas como ponto central numa abordagem de sistemas integrados para enfrentar as crises globais relacionadas às mudanças climáticas e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pelas Nações Unidas na Agenda 2030.

Esses sistemas são responsáveis por serviços ambientais cruciais, como a absorção de gases de efeito estufa, o equilíbrio hídrico e a biodiversidade. No entanto, são constantemente ameaçados por desmatamento, queimadas e outros.

Com o apoio da FAPESP, Lima foi o primeiro autor de um estudo, publicado em 2020, mostrando que a ação humana já causou – direta ou indiretamente – perda de biodiversidade e de biomassa em mais de 80% dos fragmentos florestais remanescentes da Mata Atlântica (leia mais em: agencia.fapesp.br/35170/).

Por outro lado, coletar e gerar dados de longo prazo sobre as florestas envolve medir fisicamente árvores de várias espécies in loco e identificá-las. Esse trabalho requer atualizações e monitoramentos constantes para registrar as mudanças ao longo dos anos, o que, em se tratando de florestas, pode representar décadas de financiamento e carreiras inteiras de pesquisadores.

Sugestões

Para garantir os benefícios dos fluxos de dados florestais de longo prazo, o grupo apresenta no artigo oito recomendações baseadas no que chamam de “modelo alternativo”, concentrado nas necessidades dos originadores e garantindo que usuários e financiadores contribuam adequadamente.

“Uma abordagem justa e sustentável começa por reconhecer o desafio humano envolvido em medições florestais de longo prazo. Ela deve colocar as pessoas, e não os dados, em primeiro lugar. Isso significa assumir os verdadeiros custos financeiros, profissionais e pessoais dessas medições”, escreve o grupo de cientistas com grande experiência em ecologia de florestas tropicais, que representam, além do Brasil, Peru, Colômbia, Argentina, Camarões, Congo, Vietnã, Estados Unidos e países europeus.

Nas recomendações, os pesquisadores sugerem financiamento dos custos diretos e indiretos em: 1) trabalho de campo e laboratórios, incluindo apoio aos herbários; 2) treinamento e condições seguras de trabalho para os profissionais que produzem os dados florestais; e 3) despesas gerais das instituições responsáveis pela entrega das informações.

Além disso, destacam ser essencial o investimento no gerenciamento dos dados por meio de bancos, como o que já existe hoje para os registros e sequências de DNA das espécies, mas avaliam que é preciso cobrir os custos de curadoria e padronizar a infraestrutura deles.

Ao tratar dos periódicos, o grupo sugere que eles apoiem os pesquisadores de campo adotando definições holísticas de autoria para incluir todos os envolvidos na coleta e garantir que os resultados sejam divulgados na língua dos criadores. “Isso significa reconhecer os verdadeiros custos para capacitar instituições tropicais. Por último, mas não menos importante, é essencial desenvolver colaborações de longo prazo e equitativas, que devem ser o objetivo declarado de financiadores, produtores e usuários igualmente”, concluem.

Em dezembro de 2020, em artigo publicado na Scientific Data, os pesquisadores Jingjing Liang, da Universidade de Purdue (Estados Unidos), e Javier Gamarra, da equipe do National Forest Monitoring (NFM), defendiam que, apesar dos avanços, a quantidade de dados florestais compartilhados in situ não atendia à urgência das crises globais, como políticas de combate a pandemias e de ações de mitigação das mudanças climáticas.

No Brasil, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) publicou no mesmo ano uma pesquisa para compreender as características e o modo como 11 iniciativas de diversos setores florestais utilizavam os dados abertos em ações voltadas à prevenção, ao monitoramento e ao controle do desmatamento.

De acordo com o depoimento de representantes das iniciativas analisadas, os principais problemas das bases usadas eram dados de baixa qualidade, incompletos, desatualizados, além da falta de integração ou centralização das bases.

Para Lima, Phillips e demais autores, os benefícios do compartilhamento de dados florestais fluirão melhor com a valorização do trabalho da coleta in loco e das carreiras dos profissionais envolvidos, garantindo apoio e financiamento a toda a cadeia de coleta, produção e análise dessas informações.

O artigo Making forest data fair and open pode ser lido em: https://doi.org/10.1038/s41559-022-01738-7.

  • Luciana Constantino

    Jornalista com mais de 25 anos de experiência em redação, escreve sobre ciência, meio ambiente e desenvolvimento humano. Foi editora executiva no jornal O Estado de S.Paulo. Também foi repórter e editora na Folha de S.Paulo.

Leia também

Reportagens
18 de janeiro de 2022

Uma oportunidade de recomeço para a Mata Atlântica

O bioma mais destruído do Brasil ganha uma nova chance com o avanço da agenda de restauração no país, mas ainda sofre com gargalos como a falta de sistematização de dados e de governança

Reportagens
15 de março de 2022

Restauração não substitui florestas maduras e seus serviços ambientais inestimáveis

Por um lado, a restauração da Mata Atlântica avança, mas por outro, o bioma vem perdendo florestas maduras e seus serviços ambientais. Como equilibrar essa conta que ainda não fecha?

Notícias
29 de maio de 2017

A cada dois dias, um Ibirapuera de Mata Atlântica desaparece

Desmatamento no bioma cresceu quase 60% em 2016 em comparação com o resultado anterior. Bahia foi o estado que mais desmatou, com mais de 12 mil hectares

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.